A Mina de Morro Velho, uma experiência de poder operário e popular (O PCB foi terrivelmente perseguido pela Igreja Católica, à frente dela, um padre reacionário, certamente à serviço da Morro Velho: padre Oswaldo, nome que não aparece neste belo texto sobre a realidade das cidades operárias Nova Lima e Raposos. Um outro livro ajuda a contar a história dos mineiros : " A cortina do ouro" , de Roberto Costa)

                                                                     
                                                                         
             
                                                                             
Teatro Municipal, ao lado do Sindicato: palco de grandes assembleias


   22 de setembro de 2011 | Categoria: Lutas e Heróis do Povo |

A mina de ouro de Morro Velho localiza-se no município de Nova Lima (MG), que hoje compõe a região da Grande Belo Horizonte. Sua exploração começou em 1725, passando, em 1834, a ser propriedade da Companhia inglesa Saint John d’El-Rey Mining Company. Daí em diante, teve crescimento ininterrupto. Em 1940, a mina respondia por 90% do ouro produzido em Minas Gerais. Os ingleses venderam-na em 1960 para a Hanna Company, empresa dos EUA, país que, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, superara a Inglaterra como maior potência imperialista do planeta.

O sangue dos operários

No período que vamos conhecer (1930-1964), a mina chegou a ter oito mil trabalhadores. Dez por cento dos operários trabalhavam na superfície, em tarefas auxiliares, e 90% no fundo da mina, diretamente no processo produtivo. Eram os mais sofridos, as maiores vítimas, viviam em estado de insatisfação generalizada. O trabalho era tão arriscado e penoso que, ao sair de casa “o pai, filho ou esposo não sabiam se voltavam; ia-se para uma viagem cujo final podia ser a morte”. Eram constantes as mortes por desabamento, explosões e outros tipos de acidente, bem como por tuberculose pulmonar.

Os trabalhadores da Morro Velho sempre lutaram por seus direitos, especialmente a partir do início do século 20, quando seu maior contingente era de imigrantes espanhóis. Mas o período de maior mobilização e organização começou em 1930, com a chegada de três militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB): dois operários, que foram trabalhar na mina, e um artesão, assistente, que foi prestar serviços aos ingleses.

Eles começaram a conhecer a realidade e a despertar a consciência dos operários, por meio de conversas informais na entrada da mina, nos intervalos do trabalho, nas festas, nos locais de diversão, nas casas. Os temas eram os assuntos da vida diária, do trabalho à família; falavam da exploração a que eram submetidos e das diferenças de classe.

A partir de um paciente trabalho de base, os operários mais interessados começaram a se reunir à parte e fundaram, no dia 13 de maio de 1934, com a participação de 447 associados (número elevado em cinco meses para 3.386) a União dos Trabalhadores da Morro Velho e Classes Conexas. Depois da legislação trabalhista imposta pelo Estado Novo, a entidade passou a chamar-se Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Ouro e Metais Preciosos de Nova Lima.

A organização das comissões de luta

Os ativistas organizaram-se em comissões, de acordo com as reivindicações e problemas dos operários. Havia comissão de salário, de benefícios, de salubridade, de adicional, de abono, e a Cipa. Se as reivindicações apresentadas pela Cipa não fossem atendidas, a massa pressionava. Entre outras conquistas, conseguiram sanitários nas minas, escoramentos, capacetes, botas, máscaras, luvas, lanterna e forno elétrico. 

As comissões criaram associações por profissão ou setor existente na mina, visando a uma maior participação dos trabalhadores e aprofundamento dos problemas específicos, inclusive as de encarregados e feitores, pois muitos deles se engajaram na luta. As comissões de luta eram mediadoras entre o Sindicato e o movimento gerado pelas associações, que eram informais e independentes. Por isso, nos períodos em que o Sindicato esteve sob intervenção, a luta dos mineiros continuou com a mesma força.

Combatendo o elitismo e a burocracia

A primeira diretoria do Sindicato renunciou ao seu direito de liberar-se para a atividade sindical. Decidiu permanecer na produção, exemplo que foi seguido pelas diretorias seguintes, até 1964. As assembleias eram mensais. Nelas, as comissões prestavam contas da sua atuação e planejava-se o mês seguinte. 

O presidente do Sindicato abria a assembleia e pedia que o plenário escolhesse um companheiro para coordená-la, havendo sempre um rodízio. Era uma forma de todos exercitarem  essa tarefa de conduzir reuniões, e o presidente não se sentir, nem ser visto, como autoridade. 

Havia rotatividade na diretoria: em geral, cumpria-se apenas um mandato, para ninguém se perpetuar em cargos, evitando a formação de uma elite de sindicalistas. O Partido não fazia questão de ter um militante na presidência, fato que só ocorreu em três mandatos, num período de 30 anos (1934-1964). “É um erro pensar que o Sindicato liderava os movimentos dos mineiros. A luta sempre partia de fora para dentro do Sindicato”.

Organização do movimento popular

A mobilização e a organização não se limitaram à mina. Foram criadas associações de moradores, movimentos contra a carestia,  comissões de rua ou ligadas aos problemas e necessidades do local: comissão do calçamento, da água, da luz, etc. No meio popular, a força principal eram as mulheres, que acabaram conquistando espaço no Sindicato, onde se fundou um departamento feminino.

Atividades recreativas e culturais também se desenvolveram. Clubes de futebol, carteado, jogos, torneios, festas nas casas dos operários, tudo era espaço para discutir problemas, reivindicações, avançar a consciência comunitária e de classe. A partir das “peladas” das crianças e adolescentes,  surgiram as células de jovens.

Os comunistas souberam trabalhar também com os religiosos, chegando a ter uma célula de 30 membros dentro de um centro espírita. Estavam presentes em grupos católicos conservadores, como Filhas de Maria, São Vicente de Paula e Congregação Mariana, bem como nas entidades assistenciais.

Entre as prostitutas, o trabalho político teve tanto êxito que metade delas se tornaram amigas do Partido. Colaboravam financeiramente, davam assistência a companheiros doentes que não tinham parentes na cidade e colhiam informações dos policiais e dos chefes da Companhia.

A luta sob a ditadura

Apesar de dar continuidade às lutas operárias e populares, o núcleo comunista de Nova Lima não foi atingido pela repressão desencadeada pela ditadura de Getúlio Vargas, que prendeu, torturou e matou comunistas e opositores em todo o país.

O Partido atuava clandestinamente. Os seus membros não se apresentavam à massa como comunistas. Para um ativista ingressar na organização interna, passava-se muito tempo observando seu interesse, sua dedicação às tarefas do movimento, suas relações pessoais e familiares. “O processo durava anos, às vezes. 

Em Nova Lima, o PC tinha, de fato, raízes na classe operária. Construiu-se de dentro, e de baixo para cima. Os militantes eram orientados a uma ação sem pressa, com os pés na terra. Tudo era pensado, tudo era discutido nas bases”. “O Partido da Morro Velho era mesmo a própria massa dos mineiros. Ele era parte de cada mineiro, vivendo sua vida, seus problemas, seus interesses. Assim, as coisas nasciam e cresciam da própria massa.  Partia-se do real e não de palavras de ordem”.

No Governo Municipal

Com o fim da ditadura varguista, o PCB se legalizou e adotou como prioridade a conquista de posições no Parlamento, pregando a construção de “alianças com a pequena burguesia e com a parcela progressista e democrática da burguesia nacional”.

O efeito imediato da legalização foi positivo. Pela primeira vez, comemorou-se o 1º de Maio em praça pública, reunindo uma verdadeira multidão em Nova Lima. Abriu-se a sede do Partido, e várias lideranças assumiram publicamente sua condição de comunistas. 

Nas eleições de janeiro de 1945, para governador do Estado e Câmara Estadual, o PCB obteve 19% dos votos no município, ficando em segundo lugar, o que animou a militância para o pleito municipal de novembro do mesmo ano. 

Nessas eleições, o Partido já tivera seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e inscreveu seus candidatos no PSD, elegendo o vice-prefeito, o juiz de paz e quatro vereadores, operários mineiros. Como a sede do Partido havia sido fechada, os vereadores comunistas abriram os “escritórios do povo”.

Perseguições e mortes

Se, por um lado, a legalização permitiu ao Partido tornar-se mais conhecido e utilizar tribunas até então restritas à classe dominante, como a Câmara de Vereadores, por outro, identificou os militantes mais aguerridos e queridos do povo e os expôs à sanha dos seus inimigos: a companhia inglesa e o vigário da paróquia. O vigário começou a fazer campanha aberta contra os comunistas, e a companhia fortaleceu um grupo de operários adesistas, transformando-os em seus capangas.

Em 1948, o Comitê Estadual (CE) decidiu que, em virtude da força do Partido em Nova Lima, o aniversário da Revolução Russa, no dia 7 de novembro, deveria ser comemorado publicamente. Os representantes da mina argumentaram que isso não era sensato, tendo em vista o clima pesado criado na cidade. O CE manteve a decisão. Durante o ato, os capangas da companhia dissolveram a manifestação a tiros e facadas e mataram dois operários, um dos quais o conhecido líder operário e vereador William Dias Gomes, membro dos Comitês Municipal e Estadual do Partido.

No dia seguinte, desencadeou-se violenta repressão, com a prisão de vários mineiros e fechamento dos “escritórios do povo”. A morte dos operários, as prisões e toda a repressão foram utilizadas pela burguesia local para atemorizar o povo e afastá-lo dos comunistas. A companhia ofereceu, ainda, inúmeras vantagens aos trabalhadores que a apoiassem. No dia 17 de junho de 1949, outro militante muito influente no meio popular foi assassinado na calada da noite.
  

Todos esses acontecimentos foram deixando a população realmente atemorizada. Na mina, a desarticulação completou-se com a demissão por justa causa, homologada na Justiça do Trabalho, de 51 operários comunistas. O processo foi inteiramente político, e na sentença o próprio juiz deixa isso claro, ao dizer que os operários foram “autores de um movimento de caráter comunista, tendente à paralisação dos serviços da mina, visando a afetar a economia nacional”.

União do povo retoma o Sindicato e a luta

A atuação dos comunistas enfraqueceu-se, mas novas lideranças surgiram, em duas vertentes: uma, ligada à juventude operária católica (JOC),  e outra, independente, isto é, nem ligada aos comunistas nem aos cristãos. Estes não tinham ligação com o vigário, integrando o movimento da Ação Católica Brasileira, que compreendera  ser a luta de classes uma necessidade provocada pelo capitalismo e não uma invenção dos comunistas. Os três grupos se aliaram.

A união de forças retomou o Sindicato, possibilitando a realização de grandes greves e outras mobilizações nas décadas de 1950 e 1960, obtendo conquistas como a taxa de insalubridade.

A resistência ao Golpe Militar

O 1º de abril de 1964 encontrou a mina de Morro Velho paralisada, em defesa da democracia. Ao apelo do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) por uma greve geral de resistência ao golpe, só houve duas respostas positivas: a dos ferroviários da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e a dos operários da mina de Morro Velho, em Minas Gerais.

Quando os mineiros se preparavam para uma passeata e concentração, a cidade foi ocupada pelas forças policiais. Com o Sindicato fechado, os líderes detidos e a cidade militarizada, eles voltaram ao trabalho no dia seguinte.

Inúmeros operários tiveram suas casas invadidas e metralhadas. Mais de cem foram presos e processados com base na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). Uma longa noite de silêncio e terror caiu sobre a mina, a cidade e todo o país.  Toda essa  rica experiência tem muito a nos ensinar. Aprendamos com as lições da Mina de Morro Velho!

Os trechos entre aspas são  depoimentos de velhos militantes comunistas da Morro Velho e foram dados a Yonne de Souza Grossi, em 1978, e estão no livro Mina de Morro Velho – A extração do homem

Publicado em A Verdade nº 128 

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