Israel não é dos judeus, afirma historiador
Em livro, Shlomo Sand defende tese controversa tanto à direita quanto à esquerda no espectro político israelense
Segundo autor, ideia de propriedade da terra é moderna e europeia e não tem origem na tradição religiosa
Assista, no link abaixo, à exposição sobre o conteúdo do livro "A Invenção da Terra de Israel" realizado por seu autor, o historiador Shlomo Sand:
https://www.youtube.com/watch?v=vQb5chFPad8
Diogo Bercito
De Jerusalém
As notícias da construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia são recebidas com pessimismo por palestinos. Na comunidade internacional, diz-se que a política de expansão entrava a paz.
Mas o historiador Shlomo Sand se preocupa, por ora, com outras edificações: não as casas erguidas em assentamentos, e sim as construções feitas em cima da história sionista. "É imaginação política pensar que esse território pertence aos judeus", afirma em entrevista à Folha.
No livro "A Invenção da Terra de Israel", Sand estuda a ideia de que há uma relação entre o Estado de Israel e o texto sagrado – e, então, discute se o argumento religioso pode ser de fato a pedra angular de uma nação.
Em ambos os casos, ele conclui que não. "A tradição judaica enxergava essa terra como sagrada e nunca pensou que ela devesse estar em posse dos judeus", afirma.
"Mas a maior parte dos israelenses foi educada como eu, estudando a Bíblia não como livro religioso, mas como uma obra nacional."
A ideia é controversa tanto à direita quanto à esquerda no espectro político israelense, assim como foi polêmica a teoria expressa em seu livro anterior, "A Invenção do Povo Judeu" (download aqui), em que Sand criticou a noção de que há "uma existência judaica pura".
O "mainstream" dos historiadores em Israel discorda, mas Sand afirma, por sua vez, que "a historiografia local está cem anos atrasada".
"Uma das fraquezas da esquerda sionista, no país, é a crença ingênua de que Israel pertence aos judeus."
A questão pode parecer acadêmica, mas tem peso real na política. Israel exige que palestinos reconheçam o "caráter judaico" do Estado para dar continuidade às negociações de paz entre ambos. A liderança palestina se recusa a fazer esse gesto.
"Definir o Estado como 'judaico' não é democrático", diz Sand. "É como falar que o Brasil é um país branco."
SIONISMO
Segundo a tese de "A Invenção da Terra de Israel", "a ideia de propriedade da terra é europeia e moderna" e não tem a sua origem na tradição judaica. "Os sionistas criaram a noção de que Israel pertence aos judeus."
Israel foi criado em 1948, após décadas de imigração judaica para o que era, à epoca, o mandato britânico da Palestina. O movimento sionista pedia, desde o fim do século 19, o estabelecimento de um Estado judaico.
"A maior parte das pessoas se opunha a essa noção", afirma Sand. Até que o nazismo perseguiu judeus na Europa, vitimando milhões deles no Holocausto, após o que a imigração a Israel passou a ser assunto urgente.
Se A "Terra de Israel" era vista como uma noção espiritual, sem correspondente no mundo, ela em breve tornou-se o que Sand considera ser "imaginação política".
A história, afinal, "é sempre composta por mitos". "Mas não acho que seja racional falar em um Estado 'judaico' enquanto os palestinos estão aqui", diz Sand.
"A maior parte das pessoas na Cisjordânia é palestina. Dessa maneira, é terra palestina. Mantemos pessoas sem direitos civis por décadas. O Estado de Israel é democraticamente amoral."
FONTE: Folha de São Paulo, 26/4/2014. Caderno Ilustrada.
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