Militares e policiais brasileiros torturaram presos no Estádio Nacional do Chile
Além de participar das sessões de tortura, agentes brasileiros teriam ensinado técnicas de tortura e levado máquinas de choque elétrico para Santiago
"A tortura aos brasileiros e demais estrangeiros presos ocorria nos vestiários do estádio. Para a maioria, a tortura é só pau-de-arara e choque, mas é bem mais que isso. É o terror psicológico também. O interrogatório é ofensivo. Sem contar as vezes que os agentes te batem, batem e não perguntam nada, apenas para te derrubar", contou à CNV o professor universitário Nielsen de Paula Pires (foto), um dos oito brasileiros que prestaram depoimento, à Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça do Senado sobre ações ilegais de agentes da repressão brasileira no Chile após o golpe de 11 de setembro de 1973 contra Salvador Allende.
Nos testemunhos realizados no Senado, os depoentes acusaram militares e policiais brasileiros de participar de sessões de tortura no Estádio Nacional do Chile, transformado em campo de concentração entre setembro e novembro de 1973, em Santiago, mas também de terem ensinado técnicas de sevícias e de terem levado máquinas de choque que os chilenos ainda não dispunham àquela altura.
Nielsen Pires, Ubiramar Peixoto de Oliveira e Otto Brockes, ex-presos políticos no Estádio Nacional do Chile que prestaram depoimento na audiência de ontem no Senado, participaram à tarde de reunião de trabalho na Comissão Nacional da Verdade.
"Eles (os brasileiros) nos perguntavam muito sobre a 'caixinha', provavelmente querendo saber sobre a rede internacional de ajuda que nos mantinha no exílio", afirmou o professor Nielsen. Os agentes também citavam nomes que as vítimas não conheciam.
Brockes citou também as últimas horas do ex-capitão da PM de São Paulo, Vânio José de Matos, militante da VPR, morto no Estádio Nacional do Chile em outubro de 73. "Ele morreu por falta de assistência. Eu devo ter sido um dos últimos que o vi pois fui encarregado de levá-lo aos médicos, mas ele já estava numa situação avançada, com o abdome distendido (devido a hemorragia interna, causada pela tortura)", afirmou.
Pires, Brockes e Oliveira vieram à CNV acompanhados do assessor do Senado Nilson Moulin, também exilado no Chile, e da professora Sara Almarza, esposa de Nielsen.
SENADO - No Senado, os brasileiros vítimas de tortura no Chile também reclamaram da omissão das autoridades diplomáticas nacionais, que não intervieram em proteção dos cidadãos brasileiros no Chile. Segundo os convidados, após o golpe no Chile, uma das primeiras providências dos militares foi perseguir estrangeiros, que passaram a ser considerados inimigos do regime, inclusive aqueles que não estavam ligados a nenhuma atividade política.
"Temos informações de que o Ministério das Relações Exteriores e a embaixada brasileira sabiam da situação, só que eles estavam atrelados à ditadura e não à proteção de seus cidadãos. Eles estavam lá para ensinar os chilenos a torturar.
Entre os brasileiros presos, havia pessoas que não tinham nada a ver com atividade política e não receberam atenção nenhuma do governo brasileiro", afirmou o ex-preso e advogado Vitório Sorotiuk, que entregou à Subcomissão do Senado um documento da Divisão de Segurança e Informações (DSI) do Ministério das Relações Exteriores com uma lista de nomes de torturados no Estádio Nacional. O papel do Ministério das Relações Exteriores na repressão a exilados políticos é tema pesquisado pela CNV.
"Essa assessoria não foi apenas para ensinar como é que se torturava. Eles também levaram equipamentos elétricos de tortura que não existiam no Chile", relatou Vitório, que prestou depoimento à CNV em novembro de 2012, em Curitiba.
O presidente da Subcomissão, senador João Capiberibe (PSB-AP), disse que vai apresentar requerimento ao Ministério da Defesa solicitando os nomes de todos os oficiais das três armas que estiveram no Chile naquele período e também para o Ministério das Relações Exteriores, com os nomes de diplomatas e cônsules que atuaram na época. Na opinião dele, as Forças Armadas precisam reconhecer seus erros e pedir desculpas à sociedade brasileira.
No Senado, Ubiramar Peixoto de Oliveira, classificou o consulado brasileiro em Santiago à época de um "antro e covil de torturadores". Já Tomás Togni Tarqüinio disse que o mais trágico foi que as prisões no Estádio Nacional foram uma das primeiras cooperações internacionais para tortura.
Também prestaram depoimento ao Senado ontem, os ex-presos políticos no Estádio Nacional Dirceu Luiz Messias, Vicente Faleiros e Osni Geraldo Gomes, que vive na Suécia e enviou um emocionado depoimento em vídeo, exibido durante a audiência.
Dirceu Messias contou que, em setembro passado, quando o Chile "descomemorou" os 40 anos do golpe, foi barrado pela polícia no aeroporto e impedido de entrar no país, pois seu nome constava numa lista de "indesejados". Capiberibe anunciou na audiência que proporá um requerimento, para ser aprovado em plenário, pelo Senado, no qual pedirá esclarecimentos sobre o caso.
Os depoentes se dispuseram a colaborar com a Comissão Nacional da Verdade na tentativa de reconhecer os torturadores brasileiros que atuaram no Chile. Durante a reunião na CNV eles viram fotos de agentes da repressão brasileiros exibidas pela CNV, entretanto não conseguiram reconhecer categoricamente nenhum deles. (Com a CNV)
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