João Vicente Goulart: 'Mídia hoje é igual a de 1964'
Em coletiva a blogueiros e mídias alternativas quinta-feira (10), o filho do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart, falou sobre a reconstrução da história política de seu pai e criticou duramente a participação decisiva da grande mídia na preparação do terreno para o golpe militar. Para ele, os 'jornalões' faziam oposição sistemática ao projeto de seu pai, “construindo uma história para esconder a verdade”.
Felipe Bianchi~
A atividade, que ocorreu na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé em parceria com a Agência Sindical, em São Paulo, contou com a presença de diversos blogueiros e meios da imprensa sindical e do movimento social. Questionado quanto à forma como a grande imprensa retratava o governo de Jango, João Vicente foi direto: “Meu pai era, acima de tudo, um legalista. Seu projeto político era, na verdade, um projeto de nação, mas a mídia sempre afirmava que era um governo fraco”.
Segundo ele, os ataques a Jango e a seus apoiadores – entre eles os célebres pensadores Darcy Ribeiro e Paulo Freire – deviam-se, principalmente, ao fato de que o “projeto de nação” que defendiam “subtraía privilégios da elite brasileira”. “Os barões da mídia foram, sim, apoiadores do golpe e, consequentemente, de interesses estrangeiros”, disse. “A maior expressão disso são as Organizações Globo, que nasceram da ditadura e, hoje, há documentos que provam a estreita ligação de Roberto Marinho com os Estados Unidos e sua interferência nos rumos da ditadura”.
Evocando o exemplo da Ley de Medios (Lei de Meios) da Argentina, que promoveu o desmonte do império dos meios de comunicação monopolizados pelo grupo Clarín, João Vicente Goulart faz coro pela democratização do setor no Brasil. “Esse modelo de concentração de 90% dos meios na mão de poucas famílias está esgotado. Precisamos fortalecer as mídias comunitárias, alternativas, os blogs, promovendo a pluralidade de ideias”.
Como era, como é e como pode ser
João Vicente Goulart fez questão de traçar um paralelo entre o cenário midiático contemporâneo e o de 50 anos atrás, quando eclodiu o golpe militar que daria início aos anos de chumbo – período de implacável supressão dos direitos civis e de brutal repressão política. “A mídia alternativa de hoje faz um verdadeiro contraponto aos meios tradicionais”, opina. “Se tivéssemos este cenário naquela época, talvez o golpe não tivesse se concretizado”.
De acordo com ele, as novas tecnologias de comunicação possibilitadas pela Internet ameaçam a grande mídia brasileira. “As mídias alternativas têm cada vez mais desmoralizado os veículos tradicionais. São essas iniciativas que podem furar o triste bloqueio imposto pela mídia empresarial, que envergonha o país”, aposta, sentenciando que “se esse contraponto existisse com tamanha força em 1964, a influência dos 'jornalões' na política e na opinião pública poderia ter sido menos letal”.
Quanto às recentes retratações feitas por parte de alguns meios, João Goulart chama a atenção para a similaridade do modus operandi destes mesmos veículos hoje em relação ao que fizeram no passado. “Enquanto pedem desculpas, continuam pagando pessoas como Marco Antonio Villa para escrever artigos como 'Os gigolôs da memória'”.
O texto em questão, publicado pelo jornal O Globo e celebrado por colunistas da Veja e pelo infame Instituto Millenium, ataca violentamente tanto a tentativa de reparar injustiças históricas cometidas contra Jango quanto os atores que lutaram por democracia e liberdade durante a ditadura militar.
Os sonhos de Jango e o discurso da mídia
João Vicente tem travado uma longa batalha pela reconstituição das ideias políticas de Jango, insistentemente distorcidas por setores conservadores – e, evidentemente, reproduzidas pelos grandes meios de comunicação. “As reformas de base propostas pelo meu pai não tinham o teor comunista que tanto falam. A pecha de comunista foi usada, em minha avaliação, para esconder a realidade, mostrando o golpe como um contragolpe a essa suposta ameaça”, diz.
Ressaltando a tensão política da época, onde a polarização dos mundos capitalista e socialista estava no ápice, João Vicente argumenta que as reformas de base, que enfureceram a elite brasileira, foram interpretadas de forma oportunista. “Qualquer medida que beneficie o interesse público e interfira nos arraigados privilégios da elite são prontamente tachados de comunistas, de forma negativa”.
Ele explica que “as reformas de base, na verdade, não tinham teor comunista; as reformas agrária e bancária, por exemplo, visavam puramente o desenvolvimento da indústria nacional”. O modelo de reformas proposta por Jango, salienta, “não constava em nenhum tipo de 'manual marxista'. Até os Estados Unidos tiveram as suas”.
A memória e o legado de Jango
João Vicente Goulart anunciou diversas iniciativas que estão sendo levadas a cabo com a intenção de revisar a história política e a biografia pessoal de Jango, inclusive, investigando as reais causas de sua morte, quando exilado na Argentina. “Estou escrevendo um livro sobre o período de exílio do meu pai, além de outras publicações estarem a caminho”, conta.
Ele também tem atuado nos bastidores do Poder Público para trazer à tona as evidências que apontam para um possível envenenamento de seu pai.
A maior conquista, no entanto, como ele mesmo relata, é a construção do Memorial da Liberdade Presidente João Goulart, que conta com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer. “A ideia não é fazer um Memorial para o Jango, mas para a luta pela liberdade. É o último projeto de Niemeyer, que fez uma obra para que Brasília recorde a ruptura da ordem democrática ocorrida em 1964, em prol de interesses privados ligados ao imperialismo estadunidense”. (Com o Instituto João Goulart)
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