A crise no futebol tem solução


Hermínio Prates (*)

“Na dúvida, siga o rio”.

"Com a rede exclusiva para o esporte, o faturamento seria rateado entre os participantes de cada competição nacional, o mesmo acontecendo nos campeonatos regionais"


A simplória sugestão fez a fama de homens respeitados como sábios e definiram os rumos na história das civilizações. Para quem está perdido, o curso de um rio pode ser a salvação, pois às margens das águas sempre há outras almas, almas pioneiras que construíram vilas, povoados, cidades...
Pode parecer estranho mencionar, em um texto com viés esportivo, um caminhante perdido nos confins do mundo, mas a referência se encaixa perfeitamente à falta de norte que gere os destinos do futebol brasileiro. Os dirigentes têm dúvidas, os clubes dívidas e todos sonham com o mágico caminho que possa levá-los ao paraíso. É o que todos querem, mas isso custa dinheiro, muito dinheiro. E onde está o vil metal, já que nem os sabichões do marketing esportivo descobriram como transformar a paixão do torcedor em ininterrupta fonte de renda?
No apaixonante circo do futebol, onde profundas análises sociológicas comprovam que a alienação é fato incontestável, milhões de vozes reavivam a chama que santifica ídolos com pés de barro, inflam egos e dão origem ao ouro que é acumulado por uns poucos. Ora, se o futebol – mesmo o brasileiro – é um negócio de milhões, para onde vai a grana? Os clubes faliram, os salários minguaram e a luz que há no fim do túnel não é do sol; são os faróis de uma locomotiva desgovernada. Pode ser o fim para muitos clubes, mas a solução existe para quem ousar encará-la.
O que pode ser feito?
Ora, na dúvida, siga o exemplo.
O melhor exemplo é o da TV, que investe tostões e fatura milhões. O sistema de venda de pacotes de pay-per-vew é um sucesso na Europa, onde os clubes cedem as imagens e recebem uma justa fatia do bolo. Na Espanha, o milionário Real Madrid durante muito tempo dispensou o patrocínio na camisa, mas teve dinheiro suficiente para contratar quatro dos cinco jogadores mais caros de todos os tempos: Luis Figo custou 56 milhões de euros em 2000; Zidane, 72 milhões em 2001; Kaká, 65 milhões em 2009 e Cristiano Ronaldo, 94 milhões em 2010. E, a qualquer momento pode reabrir o cofre para contratar quem demonstrar intimidade com a bola inflada de ar e sonhos. Na Inglaterra, o Manchester United criou um canal para assinantes, que cobre o dia-a-dia do clube e gera uma expressiva receita. Se ainda há dúvida, eis o exemplo.
Não, não seria viável um canal de TV para cada grande clube brasileiro, mas perfeitamente possível a criação de um canal nacional para os esportes, sob a gerência de um conselho formado por clubes, sindicatos de jogadores, representantes de federações, governo etc. A CBF, que gasta tanto e tão mal, poderia financiar a implantação da rede e o dinheiro da venda de pacotes e de espaços publicitários seria a redenção não apenas do futebol, mas também de todos os esportes nessa santa terrinha onde já não canta o sabiá e as mocinhas dão pinotes ornamentais em busca de lauréis olímpicos.
Alguém duvida? É fácil comprovar a tese, pois os números não falseiam. Enquanto os clubes europeus se mantêm com folga entre os mais ricos e de maior faturamento, no Brasil a situação é caótica: os de maior patrimônio, maior faturamento e de torcidas expressivas, também são os que mais devem. Quem se afunda em dívidas nem chega perto da mina de ouro explorada pela televisão. Apenas para ilustrar: a SKY já tem mais de 2,2 milhões de assinantes, boa parte deles compradores dos pacotes que dão acesso às transmissões esportivas. O faturamento do grupo (Rupert Murdoch), pulou de um bilhão de dólares em 2007 para 1,8 bilhão em 2009 e as subsidiárias brasileiras Globo e DirecTV Group engavetaram gordo quinhão. Os clubes, representados pelo Clube dos 13 – mas que estranhamente são 20 – recebem uma gorjeta, mas estão satisfeitos e até pretendem assegurar a exclusividade global para os próximos campeonatos brasileiros de 2012/14.
A TV a cabo, além de faturar horrores com a venda dos pacotes de ppv, ainda ganha com a publicidade estática nos estádios e as valiosíssimas inserções de antes, durante e após as transmissões. E o merchandising multiplica os lucros, pois os programas da semana recorrem às imagens para a contínua exploração da fraqueza nacional pelo jogo de bola. É dinheiro demais, gente! E o que recebem os clubes? Pouco, muito pouco, apenas uma fatia que nem chega aos 15% do bolo
Óbvio que a televisão, principalmente no Brasil, é um negócio. Mas não deveria ser apenas isso, um negócio qualquer, pois se trata de concessão pública. Se a TV Globo, por exemplo, investe alto na produção de novelas, shows e jornalismo, nada mais justo que ela lucre com a empreitada. O mesmo não acontece com o esporte, pois a empresa não remunera os artistas da bola nem aluga estádios. Não paga nem a pipoca do porteiro. O raciocínio é simples: se não há investimento, o lucro é injusto.
Simples assim: com a rede exclusiva para o esporte, o faturamento seria rateado entre os participantes de cada competição nacional, o mesmo acontecendo nos campeonatos regionais. E sempre respeitando a justa divisão do bolo, pois cada clube receberia conforme sua torcida comprasse mais ou menos pacotes ou jogos isolados. Essa é a saída, talvez a única, para a libertação do futebol brasileiro. Assim, os clubes não seriam forçados a ceder os principais talentos para os donos de euros e de dólares e nem comprometer o seu futuro com as costumeiras loucuras que o mercado da bola impõe.
E a empresa que monopoliza as transmissões, perguntarão alguns.
Ora, ela que vá garimpar ouro em outras minas!..

(*) Hermínio Prates é jornalista
(Ilustração: Latuff/Divulgação)

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