Ex-presos políticos reconhecem local de tortura

                                                             

A comitiva que esteve quinta-feira (23/01) na Vila Militar, em Deodoro, no Rio de Janeiro, foi recebida com "muita cordialidade", segundo as palavras de Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade. Tratamento diferente do que os ex-presos políticos, que acompanharam a visita, receberam 40 anos atrás, quando foram presos.

O objetivo da diligência foi tentar reconhecer, apesar das inúmeras mudanças pelas quais o lugar passou, as celas e as salas de tortura. A missão contou também com os membros da Comissão da Verdade do Rio, João Ricardo Dornelles e Eny Moreira, e Manoel Moraes, da Comissão da Verdade de Pernambuco.

"Essa visita é o primeiro requisito para constituirmos um futuro de reconciliação com o Exército e para compreendermos essa missão de investigar os crimes ocorridos durante a ditadura militar e reconhecer os locais de violações de direitos, como foi a Vila Militar. É importante para marcarmos que esse foi um local de tortura e morte", disse Rosa.

A comitiva foi recebida pelo general Abreu, que há dois anos comanda unidade. Conversando com os ex-presos políticos que estiveram presos no local e acompanharam a visita, ele disse que era preciso "analisar o contexto histórico e entender a visão de mundo da época". Sobre o local, ele falou que a última reforma aconteceu em 2011, mas que as mudanças não foram motivadas pela história. Mesma opinião de Silvio Da-Rin, ex-preso político, que foi preso em 1969 e conseguiu identificar onde eram as celas, solitárias e coletivas, e o refeitório, onde os presos recebiam a visita de familiares e advogados.

"Era natural que essas obras fossem feitas, mas a nossa história é para além do concreto armado. Diz respeito a uma conjuntura política: a do Estado que assumiu a missão de reprimir quem insurgisse contra o regime. Esse lugar não me traz memórias agradáveis, mas tinha que evocar fatos vividos para fazer essa visita de reconhecimento", disse emocionado Silvio, que viu o estudante de medicina Chael Charles ser morto.

Silvio prestará depoimento amanhã (24/1), no Arquivo Público Nacional, sobre esse caso em audiência pública realizada pela CNV, em parceria com a CEV-Rio, que vai se debruçar também na morte do sargento da PM do antigo Estado da Guanabara, Severino Viana. A audiência, marcada para às 10h, contará ainda com a presença de outras cinco testemunhas, como o professor Amílcar Baiardi, que militava na VAR-Palmares. O coordenador da CNV, Pedro Dallari, também participa.

Outro ex-preso que esteve na visita foi Francisco Celso Calmon Ferreira Silva. Ele fez questão de falar o nome de 18 companheiros que foram presos e levados para o local. Ele lembrou, por exemplo, de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dodora, que, em 1976, não suportando a depressão motivada pelas torturas e abusos sexuais que sofreu, se atirou nos trilhos do metrô de Berlim, onde vivia no exílio. Ela ficou 42 dias presa na Vila Militar.

"Fiz questão de falar o nome dos meus companheiros para marcar a vida dos que passaram aqui. Na verdade, eles ainda estão aqui. Os seus gritos, urros e choros ainda estão impregnados nesse lugar. Nós temos um compromisso com a história e ela deve ser passada para essa guarnição, já que muitos desconhecem o que aconteceu, como o uso, pelas Forças Armadas do pau de arara. Só assim será possível que Exército, Marinha e Aeronáutica façam uma auto-crítica", afirmou.

O membro da CEV-Rio João Ricardo Dornelles destacou que a comissão estadual já se debruça sobre outros locais de memória, como a Casa da Morte, em Petrópolis, o DOI-Codi, que funcionou na Tijuca, e o Dops, no Centro do Rio. A ideia é, a exemplo, de outros países transformar esses lugares em centros de memória.

"Hoje foi um momento histórico para reconhecer mais um local onde houve, comprovadamente, violações de direitos. Só assim poderemos avançar na história e conseguir uma reconciliação. Acredito que avançamos em um diálogo entre as instituições". (Com a CVN)

Comentários