Grandes verdades neste comentário do empresário Vittorio Medioli em "O Tempo" de 24 de agosto de 2014
A sorte de Álvares Cabral
Vittorio Medioli
Ficando no desalentador campo político, e já que faltam seis semanas para escolher o novo presidente etc. e tantos, o fato a se comentar agora é a substituição de Eduardo Campos por Marina Silva. Uma reviravolta também de expectativas.
No Brasil, o vice costuma ser uma caixa de surpresas. Marina confirma a tradição. A figura dela emerge da cratera de Santos, num quintal da rua Alexandre Herculano, 197, ainda, paradoxalmente, com a caixa-preta vazia de conversas.
Pois é, tanto azar faz desconfiar. Mas foi ele mesmo que tirou do muro os eleitores indecisos, os brancos e nulos, pousando no recinto de Marina Silva.
Pulo fantástico de 8% para 21% da candidatura do PSB com Marina na cabeça, e não a reboque.
Incrível pensar que Marina ficou fora da cabine de última hora, e assim a história do Brasil mudou totalmente.
Marina, se estivesse a bordo, concederia à presidente Dilma um caminho livre para liquidar a fatura no primeiro turno.
Consta no seu currículo ser mais petista que Dilma, que mudou de filiação, saindo do PDT de Brizola. Marina nasceu e sempre foi do PT. Ela tem característica de melancia, verde por fora e petista por dentro. Saiu do PT porque não era levada a sério, como senadora do pequeno e distante Estado do Acre, “viúva” do histórico Chico Mendes.
Marina agrada hoje à “classe média emergente”, aquela que se desvencilhou da dependência de esmolas e, mais ainda, quer se libertar da política maniqueísta, encenada por petistas e tucanos. Um eleitorado “emergente”, que não se identifica nem com o proletariado, nem com a burguesia, e quer ficar fora da moldura dos últimos séculos.
Os globalizados emergentes aspiram a uma qualidade de vida mais alta, de melhor teor no mundo de consumo. É um contingente que migra de patamar e ainda não definiu seu lugar. Esse é o perfil do principal eleitor de Marina.
Ela capta melhor que Aécio o desejo de mudança, apesar de ser mais um retorno ao passado “analógico” do PT inicial.
Ao fechar os olhos, se enxergam origens silvestres e bucólicas da nossa Amazônia em via de franca devastação; com mais um pouco de imaginação, se entra no cenário de “Avatar”, o maior sucesso de ficção e bilheteria da história de Hollywood.
Marina, mais que outra sensação, desperta o sonho, como tal entusiasma. Mas imaginá-la na mesa de presidente dá um calafrio. O sonho parece induzido pelas folhas amazônicas. Ela tem o efeito de um Santo Daime na política nacional.
Quando a alucinação desaparece, se enxerga numa severa estreiteza de conhecimento e de propostas. No manejo de problemas econômicos, uma vez quando se quebra a couraça de Joana d’Arc, emerge uma figura anêmica, carente de experiências. Mas ela acredita piamente que, se Lula se deu bem, ela, além do desconhecimento administrativo, conta com uma boa dose de ética e honestidade.
Lula é o santo “devocionado” de Marina. Ela, subindo a rampa, garante que a influência de Lula permanecerá no Planalto.
Aécio levou do acidente de Campos uma tremenda desvantagem, já que, se passar ao segundo turno, encontrará Marina de braço dado com Lula. Ao contrário, Eduardo Campos estaria em qualquer lugar menos naquele em que estivesse Lula. Pior impossível.
Dilma manteve seus fidelizados “bolsistas”, 36% do eleitorado, refratários a intempéries, terremotos e escândalos. Um eleitorado vacinado contra tudo. Domesticado a entender o recado do estômago, como disse Lula em outras campanhas, condenando cestas de FHC, “o estômago influencia mais que um discurso”.
Marina corre sozinha na raia da terceira via, que Eduardo Campos abriu levando de carona a “indeferida Rede Sustentabilidade”.
Resta ver quando, exposta aos debates, estimulada a mostrar propostas e programas, Marina se mostrará; aparentemente se perfila como a menos preparada para desafios econômicos e sem metas traçadas à sua frente.
O desaparecimento de Eduardo Campos sinaliza a inevitabilidade de mais PT pela frente. Pois, se Dilma ganha, nada muda, e, se Marina ganha, o PT será o partido que lhe dará base e sustentação. Aécio está encurralado e foi o mais prejudicado. Contava passar ao segundo turno e ter o apoio de Eduardo Campos. O apoio será, a menos de um milagre, de Marina para Dilma.
Durante a semana em BH se notou desalento entre tucanos. Ventilou-se a possibilidade de Aécio nas próximas semanas renunciar, se o quadro não lhe der possibilidade para a Presidência. Poderia, assim, fechar um apoio a Marina para ganhar no primeiro turno e tentar dividir desse modo o bolo entre PSB e PSDB. Pesquisas já estão nas ruas para testar esse cenário inusitado.
Nesse caso Aécio poderia voltar a Minas para disputar o governo, estancando a possibilidade de uma primeira vitória petista para o governo do Estado.
A não ser que outro avião caia tão atipicamente como o Citation 560 XLS de Campos – modelo mais seguro do mercado, o único, em 602 unidades em operação, a gerar vítimas em 20 anos, apesar das milhares de operações que se realizam a cada dia –, o destino dessa eleição tomou vulto e contornos definidos.
Mais uma reflexão sobre a sorte de Pedro Álvares Cabral. Com uma pequena e frágil caravela, chegou aqui; Eduardo Campos, com uma aeronave perfeita e robusta, não sobreviveu a uma manobra. Esse é o Brasil.
PUBLICADO EM 24/08/14 - 03h30
Ficando no desalentador campo político, e já que faltam seis semanas para escolher o novo presidente etc. e tantos, o fato a se comentar agora é a substituição de Eduardo Campos por Marina Silva. Uma reviravolta também de expectativas.
No Brasil, o vice costuma ser uma caixa de surpresas. Marina confirma a tradição. A figura dela emerge da cratera de Santos, num quintal da rua Alexandre Herculano, 197, ainda, paradoxalmente, com a caixa-preta vazia de conversas.
Pois é, tanto azar faz desconfiar. Mas foi ele mesmo que tirou do muro os eleitores indecisos, os brancos e nulos, pousando no recinto de Marina Silva.
Pulo fantástico de 8% para 21% da candidatura do PSB com Marina na cabeça, e não a reboque.
Incrível pensar que Marina ficou fora da cabine de última hora, e assim a história do Brasil mudou totalmente.
Marina, se estivesse a bordo, concederia à presidente Dilma um caminho livre para liquidar a fatura no primeiro turno.
Consta no seu currículo ser mais petista que Dilma, que mudou de filiação, saindo do PDT de Brizola. Marina nasceu e sempre foi do PT. Ela tem característica de melancia, verde por fora e petista por dentro. Saiu do PT porque não era levada a sério, como senadora do pequeno e distante Estado do Acre, “viúva” do histórico Chico Mendes.
Marina agrada hoje à “classe média emergente”, aquela que se desvencilhou da dependência de esmolas e, mais ainda, quer se libertar da política maniqueísta, encenada por petistas e tucanos. Um eleitorado “emergente”, que não se identifica nem com o proletariado, nem com a burguesia, e quer ficar fora da moldura dos últimos séculos.
Os globalizados emergentes aspiram a uma qualidade de vida mais alta, de melhor teor no mundo de consumo. É um contingente que migra de patamar e ainda não definiu seu lugar. Esse é o perfil do principal eleitor de Marina.
Ela capta melhor que Aécio o desejo de mudança, apesar de ser mais um retorno ao passado “analógico” do PT inicial.
Ao fechar os olhos, se enxergam origens silvestres e bucólicas da nossa Amazônia em via de franca devastação; com mais um pouco de imaginação, se entra no cenário de “Avatar”, o maior sucesso de ficção e bilheteria da história de Hollywood.
Marina, mais que outra sensação, desperta o sonho, como tal entusiasma. Mas imaginá-la na mesa de presidente dá um calafrio. O sonho parece induzido pelas folhas amazônicas. Ela tem o efeito de um Santo Daime na política nacional.
Quando a alucinação desaparece, se enxerga numa severa estreiteza de conhecimento e de propostas. No manejo de problemas econômicos, uma vez quando se quebra a couraça de Joana d’Arc, emerge uma figura anêmica, carente de experiências. Mas ela acredita piamente que, se Lula se deu bem, ela, além do desconhecimento administrativo, conta com uma boa dose de ética e honestidade.
Lula é o santo “devocionado” de Marina. Ela, subindo a rampa, garante que a influência de Lula permanecerá no Planalto.
Aécio levou do acidente de Campos uma tremenda desvantagem, já que, se passar ao segundo turno, encontrará Marina de braço dado com Lula. Ao contrário, Eduardo Campos estaria em qualquer lugar menos naquele em que estivesse Lula. Pior impossível.
Dilma manteve seus fidelizados “bolsistas”, 36% do eleitorado, refratários a intempéries, terremotos e escândalos. Um eleitorado vacinado contra tudo. Domesticado a entender o recado do estômago, como disse Lula em outras campanhas, condenando cestas de FHC, “o estômago influencia mais que um discurso”.
Marina corre sozinha na raia da terceira via, que Eduardo Campos abriu levando de carona a “indeferida Rede Sustentabilidade”.
Resta ver quando, exposta aos debates, estimulada a mostrar propostas e programas, Marina se mostrará; aparentemente se perfila como a menos preparada para desafios econômicos e sem metas traçadas à sua frente.
O desaparecimento de Eduardo Campos sinaliza a inevitabilidade de mais PT pela frente. Pois, se Dilma ganha, nada muda, e, se Marina ganha, o PT será o partido que lhe dará base e sustentação. Aécio está encurralado e foi o mais prejudicado. Contava passar ao segundo turno e ter o apoio de Eduardo Campos. O apoio será, a menos de um milagre, de Marina para Dilma.
Durante a semana em BH se notou desalento entre tucanos. Ventilou-se a possibilidade de Aécio nas próximas semanas renunciar, se o quadro não lhe der possibilidade para a Presidência. Poderia, assim, fechar um apoio a Marina para ganhar no primeiro turno e tentar dividir desse modo o bolo entre PSB e PSDB. Pesquisas já estão nas ruas para testar esse cenário inusitado.
Nesse caso Aécio poderia voltar a Minas para disputar o governo, estancando a possibilidade de uma primeira vitória petista para o governo do Estado.
A não ser que outro avião caia tão atipicamente como o Citation 560 XLS de Campos – modelo mais seguro do mercado, o único, em 602 unidades em operação, a gerar vítimas em 20 anos, apesar das milhares de operações que se realizam a cada dia –, o destino dessa eleição tomou vulto e contornos definidos.
Mais uma reflexão sobre a sorte de Pedro Álvares Cabral. Com uma pequena e frágil caravela, chegou aqui; Eduardo Campos, com uma aeronave perfeita e robusta, não sobreviveu a uma manobra. Esse é o Brasil. ("O Tempo" de 24/08/2014)
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