A visita a Cuba do presidente Barack Obama

                                                                       
                                                                
Será a segunda ocasião em que um presidente estadunidense chega ao nosso arquipélago. Anteriormente, apenas Calvin Coolidge tinha visitado a ilha, desembarcando em Havana em janeiro de 1928. Chegou a bordo de um navio de guerra para participar da 6ª Conferência Pan-americana, que era realizada durante aqueles dias sob a tutela de uma personagem local de infausta memória, Gerardo Machado. Esta será a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos chega a uma Cuba dona de sua soberania e com uma Revolução no poder, presidida por sua liderança histórica.

Este fato se insere no processo que começou em 17 de dezembro de 2014, quando o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba, general-de-exército Raúl Castro Ruz e o presidente Barack Obama anunciassem simultaneamente a decisão de restabelecer as relações diplomáticas, interrompidas pelos Estados Unidos há quase 54 anos. Faz parte do complexo processo para a normalização dos vínculos bilaterais, que mal se inicia e tem avançado sobre o único terreno possível e justo: o respeito, a igualdade, a reciprocidade e o reconhecimento da legitimidade de nosso governo.

Chegou-se a este momento como resultado da heroica resistência do povo cubano e sua lealdade aos princípios, à defesa da independência e soberania nacionais, em primeiríssimo lugar. Esses valores, que nunca foram negociados em mais de 50 anos, conduziram o atual governo dos Estados Unidos a admitir os danos severos que o bloqueio tem causado à nossa população e reconhecer o fracasso da política de hostilidade aberta contra a Revolução. Nem a força, nem a coerção econômica, nem o isolamento conseguiram impor a Cuba uma condição contrária a suas aspirações forjadas em quase século e meio de luta heroica.

O atual processo com os Estados Unidos foi possível, também, graças à inquebrantável solidariedade internacional, especialmente dos governos e povos latino-americanos e caribenhos, que colocaram os Estados Unidos em uma situação de isolamento insustentável. “Como a prata nas raízes dos Andes” — tal como expressou nosso Herói Nacional José Martí em seu ensaio ‘Nossa América’ — a América Latina e o Caribe, fortemente unidos, exigiram a mudança de política para Cuba.

Esta reivindicação regional tornou-se patente, de maneira inequívoca, nas Cúpulas das Américas de Porto Espanha, Trinidad e Tobago, em 2009; e na de Cartagena, Colômbia, em 2012, quando todos os países da região exigiram de forma unânime e categórica o levantamento do bloqueio e a participação de nosso país no 7º encontro hemisférico do Panamá, em 2015, do qual pela primeira vez participou uma delegação cubana, presidida por Raúl.

A partir dos anúncios de dezembro de 2014, Cuba e os Estados Unidos deram passos para a melhoria do contexto bilateral.

Em 20 de julho de 2015, foram oficialmente restabelecidas as relações diplomáticas, sob o compromisso de desenvolvê-las sobre a base do respeito, da cooperação e da observância dos princípios do Direito Internacional.

Foram realizados dois encontros entre os presidentes de ambos os países, além de intercâmbios de visitas de ministros e outros contatos de funcionários públicos de alto nível. A cooperação em diferentes áreas de benefício mútuo avança e se abrem espaços de discussão que permitem um diálogo sobre temas de interesse bilateral e multilateral, incluindo aqueles nos quais temos concepções diferentes.

O presidente estadunidense será bem-vindo pelo governo de Cuba e seu povo com a hospitalidade que os caracteriza e será tratado com toda a consideração e o respeito, como Chefe de Estado.

Esta será uma oportunidade para que o presidente dos Estados Unidos aprecie diretamente uma nação empenhada em seu desenvolvimento econômico e social, e na melhoria do bem-estar de seus cidadãos. Este povo desfruta de direitos e pode exibir conquistas que constituem uma utopia para muitos países do mundo, apesar das limitações derivadas de sua condição de país bloqueado e subdesenvolvido, o que fez com que merecesse reconhecimento e respeito internacionais.

Personalidades de calibre mundial como o papa Francisco e o Patriarca Kirill descreveram esta Ilha, em sua declaração conjunta emitida em Havana, em fevereiro, como “um símbolo de esperança do Novo Mundo”. 

O presidente francês, François Hollande afirmou recentemente que “Cuba é respeitada e escutada em toda a América Latina” e elogiou sua capacidade de resistência perante as mais difíceis provas.

O líder sul-africano, Nelson Mandela, teve sempre para Cuba palavras de profundo agradecimento: “Nós, na África” — disse em Matanzas, no dia 26 de julho de 1991 — “estamos acostumados a ser vítimas de outros países que querem esgalhar nosso território ou subverter nossa soberania. Na história da África não existe outro caso de um povo (como o cubano) que se tenha levantado em defesa de um de nós".

Obama se deparará com um país que contribui ativamente com a paz e com a estabilidade regional e mundial, e que compartilha com outros povos não o que lhe sobra, mas os modestos recursos com que conta, convertendo a solidariedade em um elemento essencial de sua razão de ser e do bem-estar da humanidade, como nos legou José Martí, um dos objetivos fundamentais de sua política internacional.

Também terá a oportunidade de conhecer um povo nobre, amigável e digno, com um alto sentido do patriotismo e unidade nacional, que sempre lutou por um futuro melhor apesar das adversidades que teve que enfrentar. 

O presidente dos Estados Unidos será recebido por um povo revolucionário, com uma profunda cultura política, que é resultado de uma longa tradição de luta por atingir sua verdadeira e definitiva independência; primeiramente contra o colonialismo espanhol e depois contra a dominação imperialista dos Estados Unidos; uma luta na qual seus melhores filhos derramaram seu sangue e assumiram todos os riscos. 

Um povo que nunca claudicará na defesa de seus princípios e da vasta obra de sua Revolução, que segue sem vacilação o exemplo de Carlos Manuel de Céspedes, José Martí, Antonio Maceo, Julio Antonio Mella, Rubén Martínez Villena, Antonio Guiteras e Ernesto Che Guevara, entre muitos outros.

Este também é um povo unido por laços históricos, culturais e afetivos com o povo estadunidense, cuja figura paradigmática, o escritor Ernest Hemingway, recebeu o Nobel de Literatura por uma novela ambientada em Cuba. 

Um povo que mostra gratidão àqueles filhos dos Estados Unidos que, como Thomas Jordan[1], Henry Reeve, Winchester Osgood[2] e Frederick Funston[3], combateram junto ao Exército Libertador em nossas guerras pela independência da Espanha; e aos que em época mais recente se opuseram às agressões contra Cuba, desafiaram o bloqueio, como o Reverendo Lucius Walker, para trazer sua ajuda solidária a nosso povo e apoiaram o regresso à pátria do menino Elián González e de nossos Cinco Heróis. De José Martí, aprendemos a admirar a pátria de Lincoln e repudiar a de Cutting[4].
                                                               
É bom lembrar as palavras do Líder histórico da Revolução Cubana, o comandante-em-chefe Fidel Castro Ruz (foto), em 11 de setembro de 2001, quando afirmou: “Hoje é um dia de tragédia para os Estados Unidos. Vocês sabem bem que aqui jamais se semeou ódio contra o povo norte-americano. 

Talvez, precisamente por sua cultura e por sua falta de complexos, ao sentir-se plenamente livre, com pátria e sem amo, Cuba seja o país onde se trate com mais respeito os cidadãos norte-americanos. Nunca pregamos nenhum tipo de ódios nacionais, nem coisa parecida ao fanatismo, por isso somos tão fortes, porque baseamos nossa conduta em princípios e em ideias e tratamos com grande respeito — e eles percebem isso — cada cidadão norte-americano que visita nosso país”.

Este é o povo que receberá o presidente Barack Obama, orgulhoso de sua história, suas raízes, sua cultura nacional e confiante em que um futuro melhor é possível. Uma nação que assume com serenidade e determinação a etapa atual nas relações com os Estados Unidos, que reconhece as oportunidades e também os problemas não resolvidos entre ambos países.

A visita do presidente dos Estados Unidos será um passo importante no processo para a normalização das relações bilaterais. É preciso lembrar que Obama, tal como fez James Carter antes dele, se propôs, desde o exercício de suas faculdades presidenciais, trabalhar para normalizar as relações com Cuba e, em consequência, tomou medidas concretas nesta direção.

No entanto, para chegar à normalização, falta um longo e complexo caminho por percorrer, que exigirá a solução de assuntos essenciais que se foram acumulando durante mais de cinco décadas e que aprofundaram o caráter conflituoso dos vínculos entre os dois países. Tais problemas não se resolverão da noite para o dia, nem com uma visita presidencial.

Para normalizar as relações com os Estados Unidos, será determinante que se levante o bloqueio econômico, comercial e financeiro, que provoca privações ao povo cubano e é o principal obstáculo para o desenvolvimento da economia de nosso país.

Deve ser reconhecida a posição reiterada do presidente Barack Obama de que o bloqueio tem que ser eliminado e seus apelos ao Congresso para que o levante. Esta é, também, uma reivindicação majoritária e crescente da opinião pública estadunidense e quase unânime da comunidade internacional, que em 24 ocasiões consecutivas aprovou na Assembleia Geral das Nações Unidas a resolução cubana ‘Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba’.

O presidente estadunidense adotou medidas para modificar a aplicação de alguns aspectos do bloqueio, que são positivas. Altos funcionários públicos de seu governo disseram que outras estão sendo estudadas. Contudo, não te sido possível implementar boa parte dessas medidas por causa do seu alcance limitado, pela persistência de outras regulamentações e pelos efeitos intimidantes do bloqueio no seu conjunto, que tem sido aplicado duramente por mais de cinquenta anos.

É contraditório que, por um lado, o governo tome medidas e que, por outro, acirre as sanções contra Cuba que afetam a vida cotidiana de nosso povo.

A realidade continua mostrando que o bloqueio se mantém e está sendo aplicado com rigor e com um marcante alcance extraterritorial, com efeitos dissuasivos para empresas e bancos dos Estados Unidos e de outros países. 

Exemplo disso são as multas multimilionárias que continuam sendo impostas a companhias e instituições bancárias estadunidenses e de outras nacionalidades por se relacionarem com Cuba; a negação de serviços e o fechamento das operações financeiras de bancos internacionais com nosso país; e o congelamento de transferências legítimas de fundos para e desde Cuba, inclusive em moedas diferentes do dólar estadunidense.

O povo de Cuba espera que a visita do mandatário estadunidense consolide sua vontade de se envolver ativamente em um debate profundo com o Congresso para o levantamento do bloqueio e que, paralelamente, continue lançando mão de suas prerrogativas executivas para mudar tanto quanto for possível sua implementação, sem necessidade de uma ação legislativa.

Outros assuntos que são prejudiciais para a soberania cubana também terão que ser resolvidos para poder estabelecer relações normais entre os dois países. O território ocupado pela base naval dos Estados Unidos em Guantánamo, contra a vontade de nosso governo e povo, tem que ser devolvido a Cuba, cumprindo o desejo unânime dos cubanos há mais de cem anos. 

Devem ser eliminados os programas de ingerência encaminhados a provocar situações de instabilidade e mudanças na ordem política, econômica e social de nosso país. A política de ‘mudança de regime’ tem que ser sepultada de vez.

Da mesma forma, deve ser abandonada a pretensão de fabricar uma oposição política interna, financiada com dinheiro dos contribuintes estadunidenses. Será preciso pôr termo às agressões radiofônicas e de televisão contra Cuba, que são uma franca violação do Direito Internacional e um uso ilegítimo das telecomunicações com objetivos políticos, reconhecendo que o objetivo delas não é exercer uma determinada influência sobre a sociedade cubana, mas pôr essas tecnologias em função do desenvolvimento e do conhecimento.

O tratamento migratório preferencial que nossos cidadãos recebem, em virtude da Lei de Ajuste Cubano e da política de pés secos-pés molhados causa perdas de vidas humanas, alenta a emigração ilegal e o tráfico de pessoas, além de gerar problemas a terceiros países. Esta situação deve ser modificada, assim como teria que ser cancelado o programa de ‘parole’ para profissionais médicos cubanos, que priva o país de recursos humanos vitais para atender à saúde de nosso povo e afeta os beneficiários da cooperação de Cuba com países que precisam dela. Também deve ser alterada a política que põe como condição aos atletas cubanos romper com seu país para poder jogar nas Ligas dos Estados Unidos.

Estas políticas do passado são incongruentes com a nova etapa que o governo dos Estados Unidos iniciou com nosso país. Todas são anteriores ao presidente Obama, mas ele poderia modificar algumas delas por decisão executiva e eliminar outras totalmente.

Cuba tem-se envolvido na construção de uma nova relação com os Estados Unidos em pleno exercício de sua soberania e comprometida com seus ideais de justiça social e solidariedade. Ninguém pode pretender que, para isso, tenhamos que abrir mão de qualquer um dos nossos princípios, ceder um ápice em sua defesa, nem abrir mão do princípio proclamado na Constituição: “As relações econômicas, diplomáticas com qualquer outro Estado não poderão jamais ser negociadas sob agressão, ameaça ou coerção de uma potência estrangeira”.

Também não pode existir a menor dúvida relativamente ao compromisso irrestrito de Cuba com seus ideais revolucionários e antiimperialistas, e com sua política exterior comprometida com as causas justas do mundo, a defesa da autodeterminação dos povos e o tradicional apoio a nossos países irmãos.

Como expressou a última Declaração do Governo Revolucionário, é e será inamovível nossa solidariedade com a República Bolivariana da Venezuela, o governo liderado pelo presidente Nicolás Maduro e com o povo bolivariano e chavista, que luta por seguir seu próprio caminho e enfrenta tentativas sistemáticas de desestabilização e sanções unilaterais, estabelecidas pela Ordem Executiva infundada e injusta de março de 2015, que foi condenada pela América Latina e pelo Caribe. 

O comunicado emitido em 3 de março passado, prorrogando a chamada ‘Emergência Nacional’ e as sanções é uma intromissão direta e inaceitável nos assuntos internos da Venezuela e em sua soberania. Aquela Ordem deve ser abolida e isto será uma reivindicação permanente e firme de Cuba.

Como afirmou o general-de-exército Raúl Castro, “não renunciaremos aos nossos ideais de independência e justiça social, nem claudicaremos em um só de nossos princípios, nem cederemos um milímetro na defesa da soberania nacional. Não nos deixaremos pressionar em nossos assuntos internos. Nós ganhamos este direito soberano com grandes sacrifícios e ao preço dos maiores riscos”.

Chegamos até aqui, reiteramos isso mais de uma vez, pela defesa de nossas convicções e porque nos acompanha a razão e a justiça.

Cuba reafirma sua vontade de avançar nas relações com os Estados Unidos sobre a base do respeito aos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e dos princípios da Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, assinada pelos chefes de Estado e de Governo da região, que inclui o respeito absoluto à sua independência e soberania; ao direito inalienável de todo Estado a eleger o sistema político, econômico, social e cultural sem ingerência de nenhuma forma; a igualdade e reciprocidade.

Por seu lado, Cuba reitera a plena disposição a manter um diálogo respeitoso com o governo dos Estados Unidos e a desenvolver relações de convivência civilizada. Conviver não significa ter que abrir mão das ideias nas quais acreditamos e que nos trouxeram até aqui, do nosso socialismo, da nossa história, da nossa cultura.

As profundas diferenças de concepções entre Cuba e os Estados Unidos sobre quanto aos modelos políticos, a democracia, o exercício dos direitos humanos, a justiça social, as relações internacionais, a paz e a estabilidade mundial, entre outros, persistirão.

Cuba defende a indivisibilidade, interdependência e universalidade dos direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Estamos convencidos que é obrigação dos governos defender e garantir o direito a saúde, a educação, a segurança social, salário igual por trabalho igual, o direito das crianças, bem como o direito à alimentação e ao desenvolvimento. 

Repudiamos a manipulação política e a dúbia moral na abordagem dos direitos humanos, que devem cessar. Cuba, que já assinou 44 instrumentos internacionais neste sentido, enquanto os Estados Unidos só assinaram 18, tem muito que opinar, que defender e que mostrar.

Relativamente aos nossos vínculos com os Estados Unidos, do que se trata é de que ambos os países respeitem suas diferenças e construam uma relação baseada no benefício de ambos os povos.

Independente dos avanços que possam ser atingidos nas relações com os Estados Unidos, o povo cubano continuará avançando. Com nossos próprios esforços e comprovada capacidade e criatividade, continuaremos trabalhando pelo desenvolvimento do país e pelo bem-estar dos cubanos. 

Não esmoreceremos na demanda do levantamento do bloqueio que tanto dano nos fez e faz. Persistiremos em levar adiante o processo de atualização do modelo econômico e social que escolhemos, e de construção de um socialismo próspero e sustentável para consolidar as conquistas da Revolução. Um caminho soberanamente escolhido e que com certeza será ratificado no 7º Congresso do Partido Comunista, com Fidel e Raúl na vitória.

Esta é a Cuba que dará respeitosas boas-vindas ao presidente Obama.

[1] Major-general, Chefe do Estado Maior do Exército Libertador (1869).

[2] Comandante. Caiu em combate em Guáimaro, em 28 de outubro de 1896.

[3] Coronel artilheiro, às ordens de Calixto García.

[4] Personagem que em 1886 promoveu o ódio e a agressão contra o México.

(Com o Granma)

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