Mídia transforma eleição mexicana em
novela e escolhe Obrador como "vilão"
Comício de encerramento da campanha de Obrador |
A eleição presidencial mexicana, que será disputada neste domingo (01/07) em turno único, se parece cada vez mais uma história típica das telenovelas locais. Durante os últimos anos, a Televisa, rede de televisão com o maior conteúdo em espanhol em toda a América Latina, dedicou-se a construir a imagem de um personagem com todas as características de um galã que atua nesse filão da teledramaturgia: Enrique Peña Nieto, candidato à Presidência pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional) e líder absoluto em todas as pesquisas de intenção de voto.
Peña Nieto é um homem jovem, 46 anos, de boa aparência, e que se casou recentemente com uma famosa atriz de novelas mexicanas, Angélica Rivera. Representa um “novo rosto” que tenta convencer aos mexicanos que os “velhos dinossauros” do PRI foram extintos, mesmo que por detrás dele figurem importantes membros do partido sobre os quais pesam acusações de corrupção e enriquecimento ilícito.
Com o apoio dos grandes meios de comunicação, grupos empresariais e os partidos políticos que o apoiam, o PRI, que governou o país por 71 anos até 2000, arquitetou uma campanha suja contra o candidato apontado como o “vilão” das telenovelas: o ex-prefeito da Cidade do México Andrés Manuel López Obrador, 58 anos, candidato da coalizão Movimento Progressista, encabeçada pelo PRD (Partido da Revolução Democrática).
O mesmo já havia ocorrido há seis anos, quando Obrador concorreu – e quase ganhou – a disputa eleitoral contra o atual presidente Felipe Calderón, do PAN (Partido da Ação Nacional). Estas duas campanhas procuraram transformar a imagem de Obrador tornando-o um personagem autoritário, nocivo e perigoso para o país. A estratégia ficou ainda mais evidente desde o último 31 de maio, quando uma pesquisa de intenção de voto divulgada pelo influente jornal Reforma colocou o candidato progressista a apenas quatro pontos percentuais de Peña Nieto.
Ela colocava Peña Nieto com 38% das preferências eleitorais, seguido por López Obrador, com 34%, e de Josefina Vázquez Mota, do PAN, com 23%. Semanas antes, as pesquisas davam ao candidato do PRI vantagens que chegavam a até 18 pontos percentuais.
“Essa pesquisa ativou o alarme em muitos setores, e deu início uma campanha ainda mais forte de calúnias em anúncios publicitários e que acabaram sendo proibidas pelo IFE (Instituto Federal Eleitoral). Muitos compararam esta estratégia com o que foi a chamada ‘campanha do medo’, realizada há seis anos”, afirma Gerardo Esquivel, investigador do Centro de Estudos Econômicos do Colégio do México.
“Com os rumos da campanha se mostrando desfavoráveis, resolveram colocar um ponto final no avanço de Obrador. Mesmo nas outras pesquisas já se via uma diminuição na diferença entre os dois”, observa Esquivel.
E, exatamente como ocorreu há seis anos, a campanha suja rendeu frutos: as possibilidades de que López Obrador ganhasse a eleição à Presidência mexicana foram sensivelmente reduzidas nas semanas seguintes. Por mais incrível que pareça, os atores dessa novela seguem sendo os mesmos de há seis anos: o ex-presidente Vicente Fox, que em 2000 acabou com a seqüência do PRI na Presidência, agora voltou para se posicionar novamente contra Obrador e apoiar o PRI, mesmo em detrimento da candidata de seu partido; Elba Esther Gordillo, a poderosa líder sindical do grêmio dos trabalhadores da Educação, que na última eleição ajudou a inclinar a balança a favor do PAN, hoje faz o mesmo com o PRI; e Obrador, que mesmo que ainda tenha possibilidade de triunfo, acaba sendo contaminado pelos efeitos da campanha suja contra ele.
Um dos fatores que mais pesam contra sua imagem fazem referência ao fim da campanha presidencial de 2006. Na ocasião, o resultado final do processo eleitoral foi duramente questionado. Calderón venceu Obrador por meros 0,56 pontos percentuais. Obrador pediu a recontagem dos votos, o que foi negado pela autoridade eleitoral, o IFE, que declarou seu rival vencedor. Revoltado, o candidato progressista e seus seguidores fecharam, por vários dias, a avenida Reforma, uma das mais importantes do país, realizando atos de resistência pacífica ante o que consideraram uma fraude eleitoral. Obrador chegou até mesmo a participar de uma cerimônia não-oficial se autoproclamando presidente.
“Andrés Manuel fez uma ótima campanha desta vez e se esquivou de muitos de seus pontos apontados como negativos. Por outro lado, demonstrou muita inconsistência, oscilando ao extremo entre sua proposta para “república amorosa” e, ao mesmo tempo, voltando ao estilo anterior de desqualificação absoluta da elite. Não parece que, para a classe média, ele seja uma personalidade suficientemente sólida para lhe confiarem a um posto ao qual ele estará sujeito a tantas pressões”, afirma Cecilia Soto, ex-candidata à Presidência do México pelo Partido do Trabalho em 1994 e atualmente analista política.
Certamente, há vários elementos que diferenciam as eleições de 2006 e 2012. O número de indecisos ou de eleitores que preferiram não opinar, que em algumas pesquisas a 18% dos entrevistados, pode ainda jogar um papel relevante no resultado final.
E a percepção da campanha suja pelo público, muito motivada pelo movimento #Yosoy132, pode beneficiar Obrador.
Durante sete décadas, o PRI, cuja gestão foi classificada pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa como a “ditadura perfeita”, usou a coação, o transporte dos eleitores e a compra de votos sobretudo entre a parcela da população mais desprotegida e carente do país.
“Hoje fica claro para nós que, apesar das provas encontradas nos jornais que demonstravam a relação de alguns governos estaduais do PRI com o crime organizado, as estruturas dos governos priistas seguem intactas, devido a nossa pobre educação e formação política. O PRI é um monstro que voltou a crescer e, nestes doze anos em que ficou fora da Presidência, se fortaleceu. Ficou fora da Presidência mas se manteve no poder, mantendo seus feudos políticos Sua fortaleza permanece intacta em relação à sua base social. O PAN não desarmou essa estrutura”, afirma Jacinto Rodríguez Munguía, analista político e especialista em historia contemporânea e política do México.
E, para além da campanha suja, em um país onde quase a metade da população vive na pobreza, é evidente que não existem condições para se exercer um voto democrático, quando as pessoas preferem ter uma cesta básica de alimentos em troca da promessa de um voto ao PRI. (Com Opera Mundi)
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