Tempo Submerso, um livro que resgata a memória dos mortos da era Stalin

Foto: Fabio Dutra
Tempo Submerso, um livro que resgata a memória dos mortos da era Stalin
Ludmila Saharovsky lançará o livro neste mês em Rio Grande
O livro “Templo Submerso”, de Ludmila Saharovsky, será lançado ainda este mês no Rio Grande. A autora nasceu no campo de refugiados Lager Parsh, em Salzburg, Áustria, após o término da Segunda Guerra Mundial. O livro conta a história de sua gente, de seu avó paterno, oficial czarista, que fugiu da Revolução Bolchevique em 1920 para a Iugoslávia, levando com ele a esposa e o filho. Conta também a história de sua mãe, que nasceu em 1922 na Rússia, pertencente a geração comunista e que estudava Medicina quando começou a Segunda Guerra Mundial, indo parar na Áustria, pois havia recuado com os doentes, quando os americanos iniciaram o bombardeio nas estradas russas e não havia mais como avançar para Moscou.
Seus pais se conheceram no final da guerra, ambos com documentos perdidos, o que fez com que Ludmila nascesse de pais sem pátria, em um campo de refugiados na Áustria. Ela conta que quando terminou a guerra, cada russo fora do país seria repatriado. Este foi o motivo que fez os pais destruírem seus documentos. Enquanto estavam no acampamento, viviam as custas da ONU, que mandavam mantimentos aos refugiados. O que mais aflora na memória de Ludmila é o leite em pó, a manteiga e o queijo em lata. "Até hoje não posso mais comer o queijo cheddar", diz lembrando da época.
Também tem como lembrança daquele período a bela paisagem, mesmo que vivendo de forma tão precária. "Tinha um bosque maravilhoso, montanhas e neve", recorda. Eles viviam em barracões de madeira, alojamentos primitivos, de duas a três famílias em cada um. "Era uma paisagem cinematográfica para uma pobreza cinematográfica", frisa. Junto com seus pais e avós paternos, emigrou para o Brasil na década de 50, tendo ficado na Áustria até os cinco anos. Ao chegar no Brasil, ficaram de quarentena na Ilha das Flores e de lá foram para São Gonçalo. De lá, a maior parte dos emigrantes eram encaminhados para as fazendas. Como seus pais tinham formação diferenciada, ficaram em São Paulo, trabalhando na área industrial.
Durante o seu crescer, Ludmila acompanhou a história de seus avós e pais, contadas pelo avô. E por ele, prometeu voltar à Rússia em busca do paradeiro de seus antepassados mortos pelo terror stalinista. A história narrada em “Tempo Submerso”, de Ludmila Saharovsky, mostra como muitas vidas tornaram-se invisíveis nos anos negros que fecharam a Rússia com sua pesada cortina de ferro, transformando-a em União Soviética. Uma invisibilidade tão absurda que o próprio governo simplesmente nega o desaparecimento de 22 milhões de cidadãos, friamente assassinados, como se jamais tivessem existido.
Quando, em 2003, a autora empreendeu sua viagem ao primeiro Gulag no arquipélago de Solovitskie Ostrova, jamais imaginou que pisaria num solo impregnado de cadáveres. Os relatos de sua viagem, permeados por testemunhos de dor, assombro e medo, compõem a linha mestra deste livro. Mas não apenas eles. Há também o resgate de reminiscências da vida de seus pais e avós, algumas felizes, outras dramáticas.
Ludmila é escritora, poetisa e dramaturga, com obras coreografadas e encenadas por companhias brasileiras de dança e teatro. A pesquisadora e autora da obra “Tempo Submerso” ministra cursos de folclore, criação literária e escreve crônicas para jornais e revistas. É autora também dos livros de poesia “Te Sei, No Útero de Deus”, do monólogo “A Pedra e o Lago”, da peça infantil “Pitti e o Roubo do Sol”. Em 2002, em homenagem à Faculdade de Educação e Tecnologia Thereza Porto Marques, de Jacareí, a autora teve seu nome dado à biblioteca da Instituição. Mantém o seu blog Espelho D'água com informações, textos, poesias, crônicas e artigos – www.ludmilasaharovsky.com.
Por Anete Poll
anete@jornalagora.com.br

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