Presos palestinos vivem rotina de torturas e privações, publica o jornal brasileiro "Brasil de Fato"
Cadeias israelenses impõem cotidiano de horror a perseguidos políticos; dentre eles, mulheres e crianças
27/12/2013
José Coutinho Júnior
enviado especial à Palestina
“Não existe uma família palestina que não teve pelo menos uma pessoa que foi presa ou morta por Israel”. Essa frase, apesar de parecer exagerada, é dita frequentemente pelos palestinos. De acordo com eles, a prisão é também uma forma de controlar suas vidas: muitos vão para a cadeia por participarem da vida política. Até mesmo depois dos acordos de Oslo, os partidos políticos da Palestina são considerados ilegais por Israel.
Dados da Associação de Suporte aos Direitos Humanos dos Prisioneiros (Addameer) apontam que, de 1967 até hoje, 750 mil palestinos foram presos por Israel. Existem, atualmente, 5007 presos palestinos em Israel. Destes, 22 são parlamentares, 12 mulheres e 180 crianças.
As leis da Corte militar israelense, por meio da qual os palestinos são julgados, permitem manter uma pessoa presa por três meses antes que se preste queixas contra ela e levá-la ao julgamento. Depois de terminado o período de interrogatório, a pessoa pode ser acusada e julgada na Corte militar para cumprir uma pena, ou se enquadra na prisão administrativa. Na prisão administrativa, o exército, baseado em “informações secretas”, pode prender alguém por um período de um a seis meses, e essa prisão pode ser renovada indefinidamente.
“Tem pessoas que estão há mais de oito anos em prisão administrativa, sem saber quando serão soltos ou do que tem de se defender. Essa política é usada contra todos: crianças, adultos, trabalhadores, mulheres, parlamentares”, afirmou ao Brasil de Fato Sahar Francis, diretora da Addameer.
Israel também se utiliza das prisões para barganhar com o governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Em negociações mais recentes, Israel concordou em liberar todos os 104 palestinos que ainda estavam presos antes das negociações de Oslo. Em troca, exigiu que a ANP não assinasse qualquer tratado ou convenção de direitos humanos durante os nove meses da negociação. Até hoje, apenas 25 desses presos foram soltos.
Outra forma de barganha é feita com presos que morrem enquanto cumprem a sentença na prisão. A lei israelense demanda que o corpo do preso fique na prisão até que a pena seja cumprida, a menos que o governo da ANP negocie a vinda destes corpos para o território palestino.
Segundo Aysar Alsaif, refugiado do campo de Deheishe, “é um jeito de punir as famílias. Israel sabe da importância que os corpos dos nossos familiares tem para nós. Se o governo não negociar esses corpos, eles fi cam lá.
Às vezes, dão à família um vaso de terra e dizem que é o resto do corpo. Aqui no campo, um companheiro foi preso na primeira intifada e morreu na prisão. A família recebeu o pote, mas não sabemos se é dele, se os ossos ainda estão na prisão”, disse.
A violação aos direitos humanos é sistemática nas prisões israelenses, afirmam os entrevistados. Dentre as principais denúncias estão o uso de tortura, física e psicológica, incluindo métodos como amarrar os presos em uma posição desconfortável, privação de sono, ameaças de prisão contra familiares e isolamento. Em fevereiro deste ano, um preso palestino foi morto após ser torturado.
Mover os prisioneiros para Israel é também uma forma de controlá-los, pois isola os presos da sua comunidade, advogados e famílias. Os familiares precisam de permissão para visitar seus parentes presos, mas se há algum antecedente de prisão por parte do familiar, ele não consegue esta permissão. Segundo a Addameer, centenas de presos não recebem visitas por esse motivo. As celas têm um espaço pequeno para cada pessoa, cerca de dois metros quadrados. Geralmente 20 presos dividem uma cela, e muitos dormem no chão.
As prisões também extorquem dinheiro dos presos. Há uma loja dentro das cadeias, que vende todo tipo de produtos, como comida, cigarros, roupas, televisores, livros, a preços muito altos. Os familiares são impedidos de entrar com esses bens, sendo obrigados a comprar na loja por cerca do triplo do preço original. Do lucro gerado com es sas vendas, o sistema prisional israelense fi ca com 17%, e o resto vai para a companhia que gerencia as lojas. O atendimento à saúde é precário. Não há bom tratamento e existe uma política de adiar o atendimento.
Sahar Francis conta que “este ano um preso morreu, diagnosticado de câncer quatro meses antes e não foi tratado. Ele reclamou de dores durante anos e sempre dizia que estava doente, mas nunca fi zeram exames mais profundos, só tratavam ele com analgésicos. Apenas quatro meses antes dele morrer o mandaram para fazer exames e descobriram que ele tinha câncer”.
Todos esses abusos ocorrem porque o sistema penal israelense discrimina os prisioneiros: dependendo de sua nacionalidade, os procedimentos e penas são diferentes. “Já aconteceu de Israel prender ativistas civis internacionais, israelenses e palestinos em uma mesma manifestação contra as colônias e o muro. O tratamento é completamente diferente. O internacional é deportado ou solto, os israelenses são soltos após 24 horas, enquanto que os palestinos fi cam de quatro meses a um ano presos”, afirmou Sahar Francis .
Ela também conta que os ativistas de direitos humanos estão sendo atacados e presos. A própria Addameer tem três de seus membros presos.“Atacaram nosso escritório em 2012, quebraram cinco computadores, roubaram nossos arquivos. É uma política que usam contra as organizações contrárias às políticas israelenses, para nos ameaçar. Não podem nos fechar legalmente, então é assim que afetam nosso trabalho”, conta Sahar Francis.
Foto: Brigada Gassan Kanafani (Com o Brasil de Fato)
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