Dia Internacional contra os ensaios nucleares
Os registos oficiais conhecidos indicam que entre os anos de 1945 e 1996 tiveram lugar dois mil e quarenta e nove (2049) ensaios nucleares. Destes, 1032 foram levados a cabo pelos Estados Unidos da América e 715 pela União Soviética. O último ensaio nuclear soviético ocorreu em 1990. Depois disso os EUA procederam a mais 13 rebentamentos nucleares de ensaio. Costuma indicar-se a data de 16 de Julho de 1945 como o início da “era nuclear”: nesse dia os americanos fizeram rebentar uma bomba experimental de 20 quilotoneladas em Alamogordo, no Novo México. Menos de um mês depois, a 6 de Agosto de 1945, teve lugar o lançamento das bombas nucleares que atingiram Hiroshima e Nagasaki.
Em 29 de Agosto de 1949 a União Soviética fez explodir o seu primeiro dispositivo nuclear, também de 20 quilotoneladas. A data de 29 de Agosto de 1949 é por vezes apontada como a data do início da chamada “guerra fria”. Assim, quatro anos mais tarde, em 1953, os EUA já haviam procedido a 45 ensaios nucleares e a União Soviética a 8. Um ano antes o Reino Unido tinha-se juntado ao “clube”, o que a França só conseguiu em 1960, seguida pela República Popular da China em 1964.
A natureza singular da energia nuclear e a ameaça trágica da sua utilização para fins militares, de imediato despertou a consciência da urgência de lutar pela completa abolição das armas nucleares. Em 1950 foi lançado o histórico Apelo de Estocolmo contra a arma atómica que permanece ainda hoje como o apelo mobilizador com mais impacto na História, pois recolheu cerca de 300 milhões de assinaturas em todo o planeta. É obrigatório lembrar o nome do físico francês, Frederico Joliot-Curie, prémio Nobel da Física e primeiro presidente do Conselho Mundial da Paz, como principal animador do lançamento e difusão do Apelo de Estocolmo.
Em 2009 a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o dia 29 de Agosto como “Dia Internacional Contra os Ensaios Nucleares”. Esta data terá sido escolhida por ter sido a data em que a União Soviética realizou o seu primeiro ensaio nuclear — não se entende bem porquê — e coincidindo também com a data em que, 42 anos mais tarde, em 1991, o Cazaquistão encerrou o perímetro de ensaios nucleares próximo de Semipalatinsk que fora utilizado pela União Soviética durante muitos anos.
Os números conhecidos referem que no perímetro de ensaios de Semipalatinsk foram realizados 456 ensaios. No perímetro de ensaios do Nevada, situado a cerca de 100 quilómetros a noroeste da cidade de Las Vegas, foram realizados 928 ensaios de explosivos nucleares. Em ambos os casos as radiações e a radioactividade libertada pelas explosões afectou seriamente a saúde de muitos milhares de pessoas.
No caso da ex-União soviética, a consciência dos efeitos trágicos sobre o ambiente e a saúde das populações expostas levou à formação no Cazaquistão de um forte movimento popular pela abolição das armas nucleares e à assinatura em Setembro de 2006, no sítio de Semipalatinsk, do acordo de constituição da Zona Livre de Armas Nucleares da Ásia Central, abrangendo o território de cinco estados anteriormente parte da URSS: o Cazaquistão, o Quirguizestão, o Tajiquistão, o Turquemenistão e o Usbequistão.
Importa comentar à luz destes elementos factuais, o texto a vários títulos surpreendente do comunicado que a ONU decidiu emitir sob a responsabilidade do Secretário-Geral Ban Ki-moon. Os números citados são enganadores pois ignoram a contribuição maioritária das potências nucleares ditas “ocidentais”, e — muito à frente de todas elas — dos Estados Unidos da América, para a proliferação dos ensaios nucleares que ocorreram no período da chamada “guerra fria”.
No que respeita aos efeitos ambientais das explosões, que suscitam a preocupação do Secretário-Geral, sabe-se que dos rebentamentos realizados com maior impacto no ambiente, num total de cerca de 120 mega toneladas de potência explosiva, cabem aos USA 109 megatoneladas e à ex-URSS, 0,8 megatoneladas! A diferença distribui-se pelas outras três potências nucleares declaradas à data do último ensaio que teve lugar em 1996.
O Secretário-Geral Ban Ki-moon deixa dito que o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares, aprovado há 18 anos, em Setembro de 1996, por mais de dois terços dos membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, não entrou até hoje em vigor porque oito estados se recusaram até hoje a assiná-lo ou a ratificá-lo. Um desses oito estados são precisamente os Estados Unidos da América que, tendo assinado o tratado, não o ratificou. A Federação Russa assinou-o em 1996 e ratificou o Tratado em 2000.
Não é segredo que os EUA vêm activamente prosseguindo o aperfeiçoamento e desenvolvimento de explosivos nucleares, o que deixa entender por que razão não se mostram dispostos a ratificar o Tratado, pois caso o fizessem deveriam abandonar essa actividade. É pois inteiramente justificado afirmar que a declaração de Ban Ki-moon vai ao encontro das posições de diabolização dos “russos” vendidas sem rebuço aos cidadãos pela quase totalidade dos meios de comunicação social ocidentais. Se porventura o anima uma boa intenção essa será uma daquelas “de que está o inferno cheio”.
1 de Setembro de 2014
Frederico Carvalho
membro da Presidência do CPPC (Conselho Português para a Paz e Cooperação)
Vice-presidente do Conselho Executivo da Federação Mundial de Trabalhadores Científicos
(Com odiario.info)
(Com odiario.info)
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