Direitos Humanos
Vítimas da ditadura eram obrigadas a ajudar
militares que atuavam na Casa Azul
“É torturante. A música era assim: 'era um tal de mexe-mexe, era um tal de pula- pula, quem tá em cima não cai, quem tá embaixo segura'. E davam o choque.”
Maíra Heinen
“O caso da Casa Azul foi muito impressionante porque, provavelmente, foi o maior centro clandestino [que existiu]”, relata a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloísa Starling (foto).
A especialista coordenou as pesquisas sobre os centros de tortura existentes durante o período militar e espalhados pelo país. Os estudos mostram que a casa localizada no sudeste do Pará não era um simples centro de interrogatórios.
“Tem uma coisa interessantíssima: o tempo todo você tem um observador militar do Planalto, dentro da Casa Azul. Isso mostra a ligação direta com o Alto Comando [das Forças Armadas]”.
Trechos do livro Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, citam que uma investigação realizada pelo Ministério Público Federal, em 2001, por meio de depoimentos, identificou a instalação de quatro bases militares na região sul e sudeste do Pará.
Em Marabá, além da Casa Azul, eram utilizados mais dois imóveis: a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e um presídio militar. Em São Domingos do Araguaia estava localizado o presídio da Bacaba onde era feita a triagem dos camponeses suspeitos. Dali, alguns seguiam para a Casa Azul.
O Alto Comando em Brasília provavelmente soube o que se passou com o soldado Manuel Messias Guido Ribeiro. Ele foi recrutado pelo Exército para servir na “guerra contra comunistas”, mas tinha pena dos prisioneiros.
Manuel conta que também foi torturado, o que era chamado, pelos militares, de treinamento, para que ele se brutalizasse e esquecesse da dignidade dos detentos.
O “treinamento” de Guido, entretanto, não surtiu o efeito esperado. Ele conta que levou água e comida para os torturados em muitas noites e que não participou de nenhuma sessão de tortura, pois apenas os chamados “doutores” estavam autorizados.
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Na casa abandonada, as memórias de Guido Ribeiro foram retornando aos poucos. Durante os relatos à Comissão Nacional da Verdade, em meados de setembro deste ano, ele suava de calor, mas também de nervosismo, causado pelas lembranças.
“Aqui tinha mais presos do que poderia caber numa cela. Eram torturados. O que o senhor pensar de tortura que pode ser feita, foram feitas. Choques, colocava [a pessoa] em cima de duas latinhas e dava choque nas latas. Tinha até uma música, horrível, não consigo esquecer aquela desgraça”, lembra chorando.
“É torturante. A música era assim: 'era um tal de mexe-mexe, era um tal de pula- pula, quem tá em cima não cai, quem tá embaixo segura'. E davam o choque.”
Após seis anos, Guido foi dispensado de servir os militares. Alguns dos homens que ele viu sofrer na Casa Azul morreram, e seus corpos seguiram para um local em que eram enterrados clandestinamente a mando dos militares. Nesse local, hoje, funciona o Cemitério da Saudade.
Os irmãos Ivan Jorge Dias e Ivaldo José Dias carregaram, entre os anos de 72 e 73, o peso de corpos inocentes para lá. Os irmãos também foram vítimas de tortura e eram obrigados a fazer o serviço. Retornar ao cemitério com a Comissão Nacional da Verdade foi, para eles, mais um ato de coragem.
Ivaldo segurou o choro enquanto mostrava os locais onde possivelmente estariam enterrados alguns corpos da guerrilha que passaram pela Casa Azul. “Me dá vontade de chorar, sinceramente. Eu estou me segurando para não chorar de tristeza do que eu passei aqui nessa região, na época. Eu não estou bem não, mas, perto daquela época e do que eu passei, estou superado, graças a Deus.”
Os sobreviventes ainda hoje sentem muito medo e aguardam uma reparação pelos danos físicos e psicológicos por parte do governo brasileiro. Enquanto isso, convivem diariamente com pesadelos e noites mal dormidas nas quais revivem as angústias pelas quais passaram. (Com a Agência Brasil)
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