Discurso do ministro Marco Aurélio de Mello no ato solene de posse do ministro Henrique Ricardo Lewandowski na Presidência do Supremo Tribunal Fedeeral

                                                                     
                                                                                               Agência Brasil

O Supremo experimenta momento especialmente relevante, com a importância institucional cada vez mais reconhecida. As matérias enfrentadas e as decisões proferidas repercutem não apenas na dinâmica dos Poderes e das instituições republicanas, mas alcançam o modo de vida dos brasileiros. O Supremo nunca esteve tão próximo dos anseios da sociedade, sendo constantemente chamado a resolver conflitos que versam a identidade desta Nação. Tornou-se comum a compreensão do Tribunal como o guardião da Carta da República e, também, como instituição responsável a dar-lhe vida, a assegurar-lhe contemporaneidade em relação às mudanças sociais próprias de nosso tempo, sempre atento à proteção das minorias. O Supremo está inserido na sociedade e dela faz parte. A ela responde e com ela evolui – assim deve ser –, mantendo independência e representatividade em equilíbrio.

O comportamento da mais Alta instância do Poder Judiciário há de inspirar os juízes e os tribunais do País. As autoridades e as instituições judiciárias devem ter no Tribunal o modelo primeiro de comprometimento com o acesso igualitário à tutela jurisdicional, com a celeridade e com a efetividade dos processos judiciais. Isso não significa estarem esses magistrados cerceados na prerrogativa de discordar e criticar. Ao Supremo incumbe a chefia do Judiciário nacional, mas esse comando surge em regime essencialmente democrático, no qual o diálogo construtivo entre todos os membros deve imperar, sob pena de dar-se exemplo negativo de intolerância e autoritarismo. O Supremo é o ápice da judicatura, sendo dela, portanto, parte inexcedível. Ao Tribunal compete a direção, como cabe ao capitão o leme do barco. E todo comandante deve saber ouvir, sem deixar de ser a referência maior e, ao mesmo tempo, um marinheiro como outro qualquer.

O Tribunal atua em reciprocidade com os demais operadores do Direito. Advogados, privados e públicos, procuradores, promotores, defensores compõem, junto com magistrados e os Ministros desta Casa, a mesma estrutura dirigida a fim único: revelar a mais adequada aplicação da Constituição e das leis como melhor forma de servir aos cidadãos brasileiros. Todos têm direito a voz, que será sempre a do cidadão, titular do direito fundamental ao serviço jurisdicional. Nós, integrantes deste Tribunal, em reflexão, debatemos, concordamos com esses autênticos “construtores” do Direito e deles também discordamos. Devemos saber ouvir. Não somos infalíveis. Não podemos ter compromisso sequer com os próprios erros, o que dirá com os alheios. Independência não implica arrogância. É a partir da abertura ao diálogo com as partes e respectivos procuradores que fazemos do processo verdadeiro instrumento da democracia.

A divergência pertence ao mundo jurídico, ao mundo dos fatos, às relações sociais, e ajuda a evoluir. O direito fundamental a ser diferente, a pensar diferente, não resulta no isolamento. Certa vez, chamaram-nos de “onze ilhas”. Não podemos ser. O diálogo entre os pares dignifica e legitima o processo decisório. Em colegiado, completamo-nos mutuamente. Temos o dever, cada um de nós, de respeitar as opiniões contrárias e de levá-las em consideração. É nosso sacerdócio defender o direito de expressão do dissenso e, a partir dele, construir o consenso. Apenas assim este Tribunal contribuirá para a construção da cidadania e para o fortalecimento da democracia. Ao Supremo cumpre fomentar a harmonia entre os Poderes da República, atuando com responsabilidade, independência, respeito e urbanidade.

Diante dos outros Poderes, dos demais órgãos e autoridades judiciais, dos diversos operadores do Direito, da população brasileira, o papel do Tribunal é de envergadura maior. Percebam a importância ímpar da cadeira. E na direção, como personagem indispensável para que o Supremo possa sempre ser o modelo de instituição que descrevi, sobressai a figura do Presidente – o “primeiro entre iguais”.
A ele cabe, antes de a qualquer outro, cuidar da imagem do Tribunal, da legitimidade institucional, da funcionalidade, do modo como servirá à sociedade. Faz parte das tarefas zelar pelo respeito da população à Casa. Não se trata apenas de atuar na busca do acatamento dos pares. A forma como dirige os trabalhos em sessão plenária revela o nível de maturidade alcançado. Não é missão fácil liderar entre iguais, mas um Ministro do Supremo deve estar sempre preparado, técnica e socialmente, para cumprir essa missão – todos chegam ao Tribunal sabedores do encargo e da imensa responsabilidade que podem um dia recair sobre os ombros.

Compete ao Presidente, com força de caráter, velar pela harmonia no Colegiado considerados diferentes experiências, estilos e pensamentos. Como sempre digo, “ser um algodão entre os cristais”, o exemplo maior de tolerância com as ópticas dissonantes, não permitindo que desacordos em votos afetem a interação. Deve coordenar, com a cortesia indispensável, as opiniões convergentes e divergentes na direção do resultado comum que todos almejam: proclamar a melhor aplicação da Constituição. O modo como o Presidente se relaciona com os demais Ministros tem impacto na atuação do Tribunal, pauta a dinâmica dos trabalhos, influencia a qualidade das deliberações.

Se o Supremo chefia o Judiciário nacional, o Presidente revela-se o líder da magistratura, o administrador da máquina judiciária, peça fundamental da engrenagem. A forma como se desincumbe dessa tarefa reflete no bom funcionamento dos serviços judiciais. Representa a instituição perante os outros Poderes, devendo promover a relação de mútuo respeito e o apreço recíproco com o Executivo e o Legislativo, contribuindo para o aperfeiçoamento da República e do Estado Democrático de Direito.

A Presidência do Supremo é cargo singular e está nas ótimas mãos do ministro Ricardo Lewandowski. O próprio fato de vir a exercê-la, antes como interino e agora como titular, por tempo mais longo do que o usual, é obra alvissareira do destino, e não simples coincidência. Sua Excelência possui os atributos necessários a ocupá-la: responsabilidade institucional, independência, sentido de liderança, dinamismo, estima, segurança e, sobretudo, sensibilidade de compreender as diferentes personalidades que o cercam. Tem o ponto ótimo entre a cordialidade no trato pessoal e a assertividade da autoridade que representa. Oferece tranquilidade e segurança para que possamos, coesos e iguais em propósito, zelar pela boa aplicação da Carta da República.

Ao longo da brilhante carreira, Sua Excelência demonstrou essas qualidades. Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é professor titular das Arcadas, com alto desempenho nos cursos de pós-graduação. Foi advogado, consultor jurídico e administrador público, sempre atuando com eficiência. Ingressou na magistratura, em 11 de setembro de 1990, como Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. Promovido por merecimento, tornou-se Desembargador do Tribunal de Justiça, ocupando cadeiras nas Seções de Direito Privado e Público, além do Órgão Especial. Chegou ao Supremo em março de 2006. Ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral, veio a presidi-lo entre 2010 e 2012.

Sua Excelência tem-se revelado profissional dotado de espírito de organização e liderança. Obteve certificação de qualidade de gestão, o que, certamente, será de enorme valia para a implementação de projetos relevantes a alcançarem todo o Judiciário. Na magistratura, mesmo nos momentos mais delicados, comportou-se com a altivez e a independência dos grandes juízes. A coragem, a autonomia e o apego à observância irrestrita das normas jurídicas fazem do ministro Ricardo Lewandowski exemplo a ser seguido. Reitero o que escrevi, em revista de circulação nacional sobre “Os mais influentes de 2012”, a propósito do agora Presidente, considerada a atuação de Sua Excelência, a que a história fará justiça, na Ação Penal nº 470:

Uma sociedade aberta, tolerante e consciente pressupõe escolhas pautadas nas várias concepções sobre os mesmos fatos. Parafraseando Voltaire, afirmo, ministro Ricardo Lewandowski, que, até quando divirjo da interpretação dada ao contido em processo de competência do Supremo, defendo o direito de Vossa Excelência de proclamar o que pensa. Siga em frente! Caminhamos rumo à quadra em que a coragem de dizer as próprias verdades não será motivo de assombro.


Não poderia deixar de destacar o sucesso de Sua Excelência também no âmbito pessoal. Construiu duradouro matrimônio com sua inspiradora Yara de Abreu Lewandowski, advogada e detentora de bela formação humanística. Dessa união, nasceram Ricardo, Lívia e Enrique, hoje advogados no exterior – Londres e Chicago – e arquiteta, os quais trouxeram, para a amorosa convivência, Francesca Padovan, Sérgio Magalhães e Samantha Calijuri, a testemunharem o grande feito do patriarca. Há cinco meses, veio a integrar a família o primeiro neto, Philip, que, mesmo em tão tenra idade, já se mostra um exímio nadador. Cumprimento todos igualmente nesta ocasião festiva.

Senhor Presidente, encerro, dirigindo-me a Vossa Excelência, em nome do Supremo, para desejar votos de êxito. Tenho a certeza de que, ao lado da dedicada, sensível e proficiente ministra Cármen Lúcia, Vice-Presidente, conduzirá o Judiciário na direção correta, que é a da melhor realização da Justiça encarnada em nossa tão amada Constituição Federal. Seja muito feliz na cadeira ocupada!

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