O GRANDE CORTADOR DE CABEÇAS


                          
"Nem digo ler e entender, apenas folhear já seria uma vitória nesse deserto do pouco pensar "

Hermínio Prates (*)

Leiam, mas não me levem a sério. É, às vezes eu argumento com a baba do quiabo escorrendo entre os parágrafos. E nem poderia ser diferente diante do assunto que abordo. Um dia perguntei a um amigo de escorreito texto em prosa de boa cepa porque ele não juntava tudo aquilo em um livro. “Publicar um livro? Para quê, se já existem tantos sem leitores? Mais um não fará nenhuma diferença”.
Assim é a ingrata realidade nos países onde poucos se arriscam a folhear um livro. Nem digo ler e entender, apenas folhear já seria uma vitória nesse deserto do pouco pensar. Livros? Para que servem no mercado consumista das frases feitas? “Se antes – disse-me um praticante do tatibitate digital – ninguém pegava neles, muito menos agora, que a internet dá tudo mastigado”. Sei lá, parece que eles acham que quem abre um livro contrai AIDS, dengue, gripe suína ou aquela praga antiga dos anos 90, o tal vírus ebola. O mal transmitido por estressados macaquinhos oriundos da África motivou filme com o talentoso Dustin Hoffman (nesse caso em deslocado papel de cientista salvador do mundo), mas que carreou bom dinheiro para a indústria do entretenimento calamitoso.
Mas onde estou, posto que me perdi como se fosse um Fernando Henrique Trololó Cardoso?
Ah, retomei o fio da pipa nesse vendaval de prolixidades. É que não me conformo em saber que na minha terra só as nulidades televisivas conseguem publicar bestialógicos que apelidam de livros. Dia desses veio a lume, no arcaico dizer do provecto Serapião Abreu, as memórias de escassos neurônios de uma tal Fhatymah Kruz – e eu diria credo! – que se tornou conhecida ao sacudir a bunda em close para os bobalhões que assistem ao BBB da TV Globo e que não se pejou ao ser exibida em cadeia nacional lambendo creme de leite esparramado no sovaco de um sarado tatuado que faz caretas para as câmeras e já se imagina um garanhão do vídeo. O livro da loura de farmácia? “Como me tornei pop star”. Nem queira ler e nem saber.
Bom mesmo – dirão os colonizados – é viver em um país onde se publica de tudo e quase sempre se ingressa no fechado clube dos milionários. É o caso do livro “Abraham Lincoln, caçador de vampiros”, perpetrado pelo esperto Seth Grahame-Smith que é, digamos, um bem sucedido arrivista (ou sacana?) literário. Pois o dito, depois de avacalhar o melodramático “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen, com o apelativo “Orgulho e Preconceito e Zumbis”, o espertalhão focou o teclado do computador para um dos ícones da história dos gringos e trocou a caneta do presidente que comandou o lado nortista contra os escravocratas sulistas por um machado decepador de cabeças.
Até onde pode ir a imaginação dos espertos? O copiador do impossível transformou o citado como maior e mais popular dos presidentes americanos, aquele que manteve a unidade de um país dilacerado pela Guerra de Secessão, em hipotético e pretérito herói em versão pop. Lincoln não teria sido apenas o machadeiro assassinado por um ator a serviço do fanatismo, mas também um guerreiro do bem contra os senhores das trevas.
É isso mesmo. O celebérrimo Abraham Lincoln, antes de levar o tiro disparado pelo ator John Wilkes Booth, rascunhara em diário secreto ser um exímio cortador de cabeças. Cabeças de vampiros, evidente, daqueles chupa-veias aliados dos escravocratas do Sul. Lincoln fora lenhador, os sulistas sugavam a escravaria, os nortistas venceram a guerra, os sulistas até hoje remoem a derrota e são minoria. Conclusão? É fácil escrever sobre um tema da moda – os vampiros – sacolejar os ossos de um herói nacional e surfar na ignorância dos que mal sabem soletrar. Tanto lá como aqui, como garante a revista Veja (mas não creia) que já listou o livro entre os destaques do ano.
Pobre Brasil.

Hermínio Prates é jornalista.

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