A 30 anos do assassinato de missionário, violência no campo segue crescendo em Rondônia

                                                          

                                             
                                           Padre Ezequiel Ramin (à frente) em discurso
Josep Iborra Plans

Comissão Pastoral da Terra - CPT

No último fim de semana, 25 e 26 de julho, em Cacoal (Estado de Rondônia) e no vizinho município de Rondolândia (Mato Grosso) romeiros e devotos pediram a beatificação do padre Ezequiel Ramin, missionário comboniano assassinado no dia 24 de julho de 1985. A morte teria sido em virtude da sua mediação num conflito agrário da região. No local onde foi assassinado, foi celebrada uma missa presidida pelo bispo diocesano de Ji Paraná. dom Bruno Pedron, e pelos responsáveis no Brasil pela Congregação dos Missionários Combonianos, congregação à qual pertencia o padre Ezequiel. 

Um grupo de pessoas de sua região natal, Pádua, Itália, estava presente, juntamente com o irmão do mártir, Antônio Ramin, que participaram na bênção de um cruzeiro e uma capela comemorativa. Perto do mesmo lugar onde pouco depois de morrer Ezequiel, dois fazendeiros teriam sido executados também em represália.

Trinta anos depois do martírio do padre Ezequiel, a violência do campo continua acirrada em Rondônia. Na própria Rondolândia, já dentro do estado vizinho de Mato Grosso, os pequenos agricultores são posseiros sem título de terra e a prefeita da cidade, Beth Sabah [Partido dos Trabalhadores – PT] tem recebido ameaças por causa da sua defesa, sem que Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e o Programa Terra Legal, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, consigam regularizar a situação.



Em outros lugares de Rondônia, a situação é ainda pior. Mais de 10 mortes já foram registradas este ano, envolvendo camponeses, lideranças e pessoas envolvidas em conflitos no campo. No Estado, já dobrou o número de assassinatos registrados no ano passado – ao todo cinco – em apenas sete meses.

Foi em Machadinho do Oeste, onde Fábio Carlos da Silva Teixeira, sem terra do Acampamento Fortaleza, foi assassinado a pauladas, no dia 12 de abril de 2015. Em Machadinho, será justamente o local onde será realizada, no próximo dia 23 de agosto, a 10ª Romaria da Terra e das Águas de Rondônia, organizada pela Paróquia Santa Marta, pela Arquidiocese de Porto Velho, pela Diocese de Ji Paraná, Diocese de Guajará Mirim, pelo Sínodo da Amazônia da Igreja Luterana no Brasil (IECLB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Projeto Padre Ezequiel e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Em Machadinho, mais de 550 famílias da comunidade ribeirinha de Tabajara podem ser expulsos de suas terras pela construção da Usina de Tabajara, atingindo também seringueiros, indígenas isolados, e os povos tenharim, gavião e arara, no Rio Machado.

A 10ª Romaria da Terra e das Águas têm como tema "Terra, floresta e água, dádivas de Deus para viver e conviver” e como lema "Somos testemunhas (At.3) de um novo céu e uma nova terra (Ap. 21)”, e propõe uma reflexão sobre o uso e a partilha dos dons da Amazônia.

A maioria das mortes do campo, em 2015 (nove), e duas tentativas de homicídio por conflitos agrários aconteceram na Amazônia. Preocupa, especialmente, a espiral crescente de violência enfrentada pelos sem terra por parte de jagunços a mando de latifundiários, com denúncias (reiteradas e não esclarecidas) de envolvimento de policiais em milícias armadas e pistolagem.

"Uma guerra aberta, onde quase sempre apenas os camponeses são presos e criminalizados. Onde a impunidade de mandantes e autores dos homicídios continua sendo a norma predominante. Assim de nada parece ter servido, a pedido do governo de Rondônia, deixar a Força Nacional em Ariquemes. Nem multiplicar a todo custo os despejos de camponeses. Nem as reclamações da Ouvidoria Agrária Nacional junto ao Governo do Estado, pedindo proteção aos ameaçados”, denuncia a CPT.

Com acampamentos à beira da estrada e conflitos por resolver há décadas, sem novos assentamentos sendo criados pelo Incra. Com o desemprego aumentando, a cada dia, mais empobrecidos das periferias das cidades olham para o campo como alternativa de sobrevivência e vida dignas, ocupando terras abandonadas, reivindicando a função social da propriedade e a reforma agrária.

                                                            
Conflitos entre camponeses e fazendeiros já resultaram em 10 mortes em Rondônia apenas em 2015


"Aliás, uma função social reconhecida pela Constituição que, de fato, parecem negar todos os juízes que decidem sobre a questão agrária em Rondônia, sendo que alguns acreditam que para acabar com os conflitos basta despejar todos os sem terra, camponeses, posseiros ou qualquer ocupação de terras, (inclusive de terras públicas e de assentamentos de reforma agrária, como está acontecendo). Decisões que somente radicalizam a demanda de terra dos desempregados e empobrecidos, pois, como já dizia o mártir Ezequiel Ramin, em 1985: ‘Só com justiça na terra haverá vida e paz’”, assinala a CPT.

Assassinatos do campo em Rondônia de janeiro a julho de 2015:

1º - JOSÉ ANTÕNIO DÓRIA DOS SANTOS, 27 DE JANEIRO DE 2015 EM CAMPO NOVO, RO. José Antônio Dória dos Santos, conhecido como Zé Minhenga, de 49 anos, foi morto a tiros durante a noite do dia 27 de janeiro de 2015 no Distrito Rio Branco, situado entre Campo Novo e Buritis. Após ter liderado uma ocupação de terra, fazia mais de ano que tinha desistido do Acampamento 10 de Maio, na Fazenda Formosa em Alto Paraíso. O crime foi visto como uma retaliação pelo Acampamento, após despejo, ter reocupado, novamente, a fazenda e a denúncia de que policiais de Buritis realizavam segurança particular na fazenda.

2ª - ALTAMIRO LOPES FERREIRA, 47 ANOS, COSTA MARQUES, RO. Camponês sem terra tinha sido despejado fazia poucas semanas juntamente com outras famílias do Acampamento Nova Esperança, numa área pública conhecida como Área do Badra, próxima a cidade de Costa Marques. Agentes da CPT contaram que ele sofreu ameaças, desaparecendo no dia 04 de março. Seu corpo foi achado em avançado estado de decomposição, no dia 13 de março de 2015, com os dentes quebrados, quase de joelhos no chão e pendurado com as próprias calças. Apesar disso a morte foi considerada suicídio, fato contestado pela família.

3º - FÁBIO CARLOS DA SILVA TEIXEIRA, 12 ABRIL DE 2015, EM MACHADINHO DO OESTE. Sem terra pertencente ao Acampamento Fortaleza, que ocupava uma área de concentração fundiária do Assentamento Santa Maria II. Em ambiente de grande tensão e ameaças contra os acampados por parte de um grupo de fazendeiros da região, que concentraram terras de reforma agrária, o acampado foi achado morto a pauladas, na estrada, no dia 12 de abril de 2015, na linha SME-15, Vila Brinati.

4º , 5º e 6º - PAULO JUSTINO PEREIRA , 01 DE MAIO DE 2015, E MAIS DOIS COMPANHEIROS ODILON BARBOSA DO NASCIMENTO E JANDER BORGES FARIAS,DA "ASSOCIAÇÃO VLADIMIR LENIN”, NO DISTRITO RIO PARDO, PORTO VELHO. Envolvidos no conflito da Flona Bom Futuro, (local onde morreu um policial da Força Nacional no ano passado) após criar a Associação Vladimir Lenin, Paulo Justino "Caracará” cobrava o reassentamento dos despejados da área ambiental, defendendo seu retorno à reserva. Foi assassinado em frente à Escola Municipal do Distrito de Rio Pardo, um dia depois de ter participado, em Porto Velho, de uma audiência pública da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo. Dias antes do assassinato de PAULO JUSTINO PEREIRA, também foram assassinados ODILON BARBOSA do NASCIMENTO, no dia 10/04/2015, e o topógrafo JANDER BORGES FARIAS, no dia 17/04/2015, sendo este último amigo de Paulo Justino, que também fazia parte da Diretoria da Associação Vladimir Lênin. Paulo Justino considerava que a origem de todo o conflito da Flona Bom Futuro vinha do fato da área abrigar uma grande jazida de cassiterita e nióbio.

7º e 8º - DOIS MORTOS NA FAZENDA FORMOSA, 11 MAIO DE 2015 EM ALTO PARAÍSO/MONTE NEGRO: Ainda não identificados nas informações divulgadas, duas pessoas apareceram assassinadas nas proximidades do Acampamento 10 de Maio, ocupação da Fazenda Formosa. Segundo fontes da LCP, não eram camponeses do acampamento. "Trata-se de um homem moreno, que apresentava vários ferimentos na cabeça e escoriações pelo corpo, além de estar com os pés amarrados com fio elétrico, em uma motocicleta. O segundo corpo aparentava ser de um jovem de pele clara, que também apresentava escoriações pelo corpo, além de ferimentos na cabeça. Pela forma dos ferimentos, aparentemente, os corpos foram arrastados por um veículo, de tal forma que a pele foi desgastada pelo contato ao solo, sugerindo que as vítimas tenham sido torturadas até a morte” (Fonte: Ariquemes 190).

9º - CLOVES DE SOUZA PALMA, 42 ANOS, DIA 1º DE JULHO DE 2015, EM COJUBIM, RO. Sem terra conhecido popularmente como "Neguinho" foi morto com cinco tiros de arma de fogo. O mesmo era camponês de uma ocupação da Linha C 114.

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Homenagem ao padre Ezequiel Ramin, considerado mártir pelos rondonenses.
10º - DELSON MOTA, CAPIXABA, EM BURITIS RO, 15 DE JULHO DE 2015. Foi executado a tiros no início da manhã do dia 15 de julho de 2015. Neste dia, a CPT nacional realizava o seu IV Congresso Nacional, em Porto Velho, RO. O crime aconteceu no Centro da cidade de Buritis, por volta das 6h30. Capixaba era considerado um dos líderes de sem terra na região.

Ainda houve a morte do contador Dagoberto Moreira, assassinado no dia 06 de janeiro de 2015, em Vilhena, que teve a morte relacionada ao conflito de terras. Porém, ele já tinha sido denunciado em um esquema de corrupção sobre financiamentos de tanques de peixe. Dois pedreiros foram mortos, após homens armados invadirem sua casa, no fim de 2014, estando foragido deste então.

A CPT registra ainda duas tentativas de assassinato:

JANEIRO DE 2015: ELIZEU BERGANÇOLA, geógrafo. Atiraram nele em plena luz do dia, na rua, em Machadinho do Oeste. Continua ameaçado por denunciar juntamente com seringueiros a extração clandestina de madeira de áreas extrativistas.

02 DE MAIO DE 2015 - Foi baleado UM sem-terra do Assentamento Nova Esperança, localizado na linha LC 110, de Cojubim, ALEXANDRE BATISTA DE SOUZA, 21 anos.

Josep Iborra Plans, Agente da Articulação da Amazônia da CPT Nacional.

Porto Velho, 26/07/2015. (Com a Adital)

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