Backup da história

                                                 



Documentos microfilmados sob a guarda da UFMG 
podem lançar novas luzes sobre o regime militar

Ewerton Martins Ribeiro


No Brasil, a memória histórica sobre a ditadura é atravessada, de fora a fora, por uma cicatriz: documentos que poderiam elucidar os eventos ocorridos entre 1964 e 1985 foram destruídos pelo regime militar a fim de impedir que o modo de funcionamento da máquina de repressão fosse revelado em detalhes.

“O que os militares não lembraram é que, antes de queimar os documentos, eles microfilmaram o acervo, fazendo uma espécie de backup”, conta a professora Heloísa Starling (ffoto), do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). O backup possibilitou que, quase 30 anos depois, esses documentos pudessem “ressurgir das cinzas”: a UFMG recebeu a doação de grande parte desse acervo e vai torná-lo público por meio de um site criado para esse fim.

Heloísa Starling explica as particularidades desse acervo: “São mais de quatro mil páginas de documentos referentes ao período da ditadura. A impressão que tivemos é que o acervo é composto, em sua maioria, de partes de arquivos. Era uma documentação que, originalmente, estava microfilmada. A Universidade organizou e digitalizou o material e agora vai torná-lo acessível.”

Acredita-se que o material seja oriundo dos órgãos de inteligência das forças militares, como os centros de Informações da Marinha (Cenimar) e do Exército (CIE), e que esses acervos ainda guardem alguns dos documentos originais. “Boa parte é inédita e trata de vários assuntos. 

Há documentos que mostram a atuação de agentes da Agência de Inteligência Central (CIA) norte-americana no Rio de Janeiro logo após o golpe, por exemplo, e também durante o golpe”, afirma Heloísa.

Outro exemplo da especificidade do acervo são códigos da Marinha para comunicação no contexto da Guerrilha do Araguaia. “Com esses códigos, é possível decifrar outros documentos da Marinha sobre o movimento”, afirma a historiadora, que cita outros tipos de documentos que constam no acervo recebido pela UFMG. 

“São relatórios e informes de muita importância. Há, por exemplo, um acervo dos infiltrados, que naturalmente precisa ser muito bem checado, dada a sua particularidade. Também existe um material relativamente grande em que se detalha o monitoramento feito de um jornalista brasileiro no período, algo que possibilita entender como era feito o monitoramento dos opositores políticos durante a ditadura.”

Site de pesquisador

O Projeto República, coordenado por Heloísa Starling, ficou responsável por receber e tratar o acervo para publicação. “Nossa expectativa é, no futuro, reunir nesse site não apenas o acervo, mas todos os documentos que temos sobre o período da ditadura, criando um sistema para que o visitante possa encontrar facilmente as informações. A intenção é criar um site de pesquisador”, diz.
                                                                
          Microfilme do organograma do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi)


Já há um bom volume de documentos organizados e prontos para a publicação. A proposta é, gradativamente, levar os documentos a público, de forma a serem contextualizados em relação aos demais documentos existentes e classificados em relação ao seu perfil.

Para assegurar a veracidade e relevância da documentação, a UFMG requisitou laudo técnico da Biblioteca Nacional, atestando que o material é mesmo originário do período da ditadura. A Universidade também convidou historiadores de renome para avaliar o acervo. “Convidamos Angela de Castro Gomes, Daniel Aarão Reis Filho e José Murilo de Carvalho para examinar a documentação. Eles emitiram parecer atestando a importância do acervo”.

(Com o Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais/Comissão da Verdade de Minas Gerais)

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