Entrevista de Anita Prestes ao DCI (Diário Comércio, Indústria & Serviços: "É lamentável, mas Dilma Rousseff está submissa ao PMDB. Entregou os pontos"

                                                             
Historiadora Anita Leocadia Prestes acaba de lançar biografia política de seu pai - Luiz Carlos Prestes, um comunista brasileiro; ela avalia a crise e critica a falta de liderança

Diego Felix


Filha de Luiz Carlos Prestes (1898-1990), considerado o maior líder da esquerda brasileira no século 20, Anita Leocádia Prestes acredita que apenas a organização popular é capaz de salvar o PT, partido que, historicamente, foi a grande oposição do País. Em entrevista ao DCI, ela traça um panorama político e conta sobre sua obra mais recente, a biografia do pai: Luiz Carlos Prestes, um comunista brasileiro (Boitempo).

Por que a esquerda passa por uma crise tão aguda no Brasil? É um problema histórico que se reflete no cenário atual?

Existe crise há anos. As esquerdas no Brasil, incluindo o PCB [Partido Comunista Brasileiro], não conseguiram elaborar uma orientação política que correspondesse às condições do Brasil. Muitos erros foram cometidos. Isso levou a derrotas diversas, 1964 foi uma delas. A ditadura exterminou boa parte das lideranças de esquerdas.

O PT contribuiu para isso?

Houve um entusiasmo com a criação do PT a partir daquelas greves em 1978 e 1979, com o Lula. Meu pai nunca se iludiu com o PT. Sempre achou que o PT não tinha nada de socialismo, nem de revolucionário. Hoje em dia o Lula confessa isso. Acabou que o PT se elegeu depois de três derrotas eleitorais e o Lula chegou à conclusão que só tinha um jeito para se eleger, que era se capitular diante do grande capital internacional. Nunca os banqueiros estiveram tão felizes quanto nos governos Lula e Dilma.

Qual a sua leitura dos governos Lula e Dilma?

Eles tiveram sorte porque tinha mercado para as commodities, o desenvolvimento da China e a crise demorou para chegar aqui. Mais recentemente, ficou evidente que essa política neoliberal - uma continuação da política do Fernando Henrique Cardoso - mostrou que não resolve os problemas do País, só deixa pior. Lamentavelmente, a presidente Dilma, ao que parece, está totalmente submissa, entregou os pontos. Quem governa o País, do ponto de vista político, é o PMDB e, do ponto de vista econômico, os banqueiros.

Existe saída para Dilma? Impeachment é golpe?

Não vejo muita saída, não. Acho que tirar a Dilma não é a solução. Impeachment não é golpe, é constitucional, agora precisa ter elementos pra isso. A própria oposição está reconhecendo que não existem elementos comprobatórios para retirar a presidente. Eu também acho, pois vai tirar a Dilma e quem entra no lugar? Entra o Temer e mantém a mesma política. É uma situação muito lamentável e sem saída imediata.

Qual a estratégia que pode ser adotada neste caso?

A única saída que eu vejo é como meu pai sempre falou: organização popular. Organizar e conscientizar os setores populares para ter uma força social e política capaz de realmente influir nos acontecimentos. No momento não tem chance disso acontecer.

Em sua visão, existe hoje alguma liderança capaz de combater a forte onda conservadora no País?

Liderança não. Tem que haver pessoas conscientes, de esquerda, que se voltem para esse tipo de trabalho. É um trabalho lento, difícil, que não dá resultados no curto prazo. Lideranças foram assassinadas nos anos 1970 e aquelas lideranças antigas foram morrendo. Morreu o Prestes, o Brizola, o [Miguel] Arraes, o Juscelino [Kubitschek], o Jango. A grande liderança foi o Lula, que capitulou perante o capitalismo. Ainda é a maior liderança no País, e é lamentável essa política dos banqueiros e do grande capital.

Existe alguma semelhança entre o período tenso que passamos agora, com os períodos de maior endurecimento dos regimes políticos anteriores a 1985, quando a ditadura acabou?

Agora estamos em uma democracia limitada, com pouca participação do povo. Os 21 anos de ditadura despolitizaram a população. Grande parte da população é influenciada pela mídia. Não vou dizer que não somos uma república democrática. Somos, mas com mil limitações.

Como foi o processo de elaboração da biografia do seu pai? Quando ela começou a ser feita de fato?

Sou historiadora, professora de uma universidade e a pesquisa começou há mais de 30 anos, ainda no início dos anos 80. Eu não tinha certeza se ia chegar a fazer a biografia, se ia viver para tanto. Comecei pela Coluna [Prestes], até porque meu pai estava vivo, então foi importante gravar depoimentos dele. Ele lembrava muito bem e tinha uma excelente memória. A vida dele foi muito longa, 92 anos, sendo 70 anos de participação ativa na política nacional. Não dava para fazer uma pesquisa assim em pouco tempo, então, fui por partes.

Qual foi o maior legado deixado pelo Prestes e qual foi a importância dele na construção do País?

A trajetória dele começou muito jovem, como um patriota indignado com os absurdos daquela república velha. Ele ficou horrorizado, impressionadíssimo com a miséria do trabalhador brasileiro rural, que era maioria no período da Coluna Prestes, entre os anos 1925 e 1927. 

A partir de 1930 ele vai lutar pela transformação profunda da vida brasileira, de democracia para todos e isso só no socialismo ele se convenceu de garantir. Morreu pobre, sem dinheiro e com um apartamento doado pelo Oscar Niemeyer.

Muitas críticas foram feitas ao fato de Maria Prestes, segunda mulher de seu pai, ser uma espécie de fantasma no livro. Apesar de, logo na introdução, a senhora dizer que se trata de uma biografia política, as pessoas não gostariam de saber quem foi Luiz Carlos Prestes no íntimo?

Acho que isso não tem importância. O tipo de personalidade dele está bem retratado num livro publicado em 2001. Uma trilogia chamada "Anos Tormentosos", com toda a correspondência dos 9 anos de prisão dele. Agora, na biografia, o que interessa aos jovens é a vida política dele. Saber se ele descascava bem ou mal o abacaxi não interessa muito. O que o destaca foi ser um revolucionário patriota, que deu sua contribuição ao País.

Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas pela senhora e pela sua família naqueles tempos de exílio? O que foi deixado para trás?

O pior de tudo era ficar longe dele [Prestes]. Só pude conhecê-lo aos 9 anos de idade, embora a gente já se correspondesse por cartas. Sempre recebemos muita solidariedade. Houve uma grande campanha internacional, liderada pela minha avó, entre 1936 até 1945, pela libertação dos presos políticos no Brasil. Pediram a libertação da minha mãe e a minha na medida em que nasci. Costumo dizer que sou filha da "solidariedade internacional".

Teve algum erro do qual ele jamais se perdoou?

Ele não tinha esse negocio de jamais se perdoar, mas ele reconhecia os erros de uma forma muito positiva. Inclusive no livro eu mostro as diversas autocríticas que ele faz, não escondo isso. Ele reconhecia os erros para consertar em seguida. O Brasil era um país culturalmente atrasado, ele era produto desse país, e na medida em que avançou ele avaliava os erros e os consertava.

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