EDGAR SILVA, ex-padre disputa domingo a Presidência de Portugal pelo Partido Comunista Português


                                             
Quem ouve o grito dos pobres, o clamor 
dos trabalhadores, a voz da terra?

Manuel Brotas

Da singularidade de um justo à justeza da singularidade da sua candidatura

O candidato presidencial Edgar Silva, apoiado pelos comunistas e muitos ecologistas, ou simplesmente o Edgar, como é popularmente conhecido, é sem dúvida um homem extraordinário e não é fácil encontrar na vida política nacional alguém com um percurso tão singular. 

De padre católico a dirigente do PCP (Partido Comunista Poruguês), na aparência mundos tão diferentes, o fio condutor foi sempre o da entrega constante e apaixonada à causa dos mais desfavorecidos, desde o jovem que interiormente sentia que a obrigação do cristão não era merecer na terra o céu, mas construir o céu na terra, ao ativista social que ganhou a consciência de que a luta contra a pobreza só era verdadeiramente consequente no combate contra a exploração dos trabalhadores, de que o objetivo não podia ser apenas defender os pobres, mas acabar com a pobreza. Por isso, justamente, é chamado o candidato dos pobres, o candidato dos trabalhadores, o candidato do povo. 

Nascido no Funchal, no seio de uma família modesta, pai carteiro e mãe funcionária pública, sempre solidário com os colegas, reconhece em si a vocação religiosa, vem para o continente frequentar o seminário e depois teologia na universidade, em que aproveita para fazer trabalho social nos bairros de lata lisboetas, torna-se padre e regressa à Madeira, onde causa escândalo pela opção radical pelos desvalidos e fica nacionalmente conhecido pela denúncia e o auxílio às crianças que mendigavam ou se prostituíam na rua. Aceita integrar, como independente, as listas da CDU e é eleito no parlamento regional da Madeira, onde mantém uma grande ligação às lutas populares e se revela um aguerrido deputado contra o jardinismo. Abandona o sacerdócio e, numa decisão coerente com a sua vida e a sua intervenção social e política, adere ao PCP, de que se vem a tornar dirigente, com grandes responsabilidades na região. 

A sua candidatura à presidência da república não pode ser confundida com as restantes. Importante, como outras, para mobilizar eleitorados, que doutro modo em parte se absteriam, que impeçam o candidato da direita – Marcelo, esse Cavaco a cores, como lhe chamou o Edgar – de ganhar à primeira volta e o derrotem à segunda, tem o distintivo valor de ser a única que propõe a rutura tanto com as políticas como com os fatores do atraso nacional e, por isso, aquela verdadeiramente consistente na exigência de um novo rumo, de justiça e progresso social, para o país. 

Só a candidatura do Edgar vai à raiz dos problemas. 

É, por exemplo, muito importante renegociar e reestruturar em profundidade, nos prazos juros e montantes, as dívidas pública e externa, das maiores do mundo – o que nem Sampaio da Nóvoa nem Maria de Belém defendem –, para estancar a sangria de recursos para o grande capital financeiro e o estrangeiro e para libertar fundos para o investimento, sem o qual não há crescimento. 

Mas é também fundamental atacar as causas do endividamento, como a destruição da indústria, a desproteção do mercado interno, as privatizações, os apoios públicos despejados na banca e, muito especialmente, a submissão ao euro, que prejudicou o crescimento, contribuiu para a descapitalização do aparelho produtivo, incentivou a substituição de produção nacional por importações (em vez da substituição de importações por produção nacional), estimulou o endividamento da banca no estrangeiro e a especulação com os títulos de dívida portuguesa. 

A candidatura do Edgar é a única que tem a compreensão da necessidade estrutural do país se libertar do euro, para poder voltar a investir, a crescer (produz hoje a mesma riqueza que no ano em que se introduziram as suas notas), a recuperar o emprego e a desenvolver-se, e a única a defender que o país se deve preparar responsável e cuidadosamente para a saída, cuja decisão caberá ao conjunto da sociedade portuguesa e dos seus órgãos de soberania. 

Todas as outras candidaturas defendem a permanência de Portugal na moeda única e a Marisa Matias leva o absurdo ao ponto de afirmar que “a questão não é do euro, é da política associada ao euro”, como se fosse possível separar a política monetária, financeira, cambial e orçamental do euro do próprio euro, como se o genoma da austeridade e do empobrecimento não estivesse já todo contido no euro. 

A candidatura do Edgar é a grande defensora da soberania e da independência nacional, a única que compreende a interdependência entre a soberania e a democracia e desenvolvimento, que coloca na ordem do dia não só o aumento da produção nacional, como também a necessidade de remoção dos constrangimentos externos e o enfrentamento com os grandes grupos económicos e financeiros (dependentes e associados ao estrangeiro), designadamente com o controlo público da banca, para libertar as potencialidades de desenvolvimento do país. 

Outra das marcas diferenciadoras do Edgar é a colocação, no cerne mesmo da sua candidatura, dos interesses dos trabalhadores, não como uma preocupação entre outras, menos ainda como um adereço para disfarçar o conformismo, a subserviência ou o comprometimento com os grandes senhores do dinheiro. 

Nenhum dos outros candidatos tem esta consciência do papel fundamental dos trabalhadores, que são quem cria a riqueza e mantém este país de pé, e por conseguinte poderia tomar uma opção tão decidida de se pôr ao seu lado na luta contra a exploração, pela valorização dos seus salários e direitos. 

Em consonância decorre a sua aguda preocupação com a justiça na distribuição da riqueza e com a intervenção do Estado, desde logo no cumprimento dos seus deveres sociais que cada presidente jura fazer cumprir, para canalizá-la para o aumento das pensões, das reformas e das prestações sociais, o combate ao desemprego e à precariedade, à pobreza e às desigualdades, o acesso à saúde, à educação e à cultura, o desenvolvimento regional, o ordenamento do território e a proteção do ambiente. 

Decorre também a identificação natural e a solidariedade com todos os atingidos pelas políticas de direita, com os agricultores e pescadores pelo direito a produzir, com os micro pequenos e médios empresários pelo acesso ao crédito e aos mercados, com as populações pelos serviços públicos, com as mulheres pela igualdade, com os jovens pelo direito a se realizarem no seu país, com os deficientes contra a discriminação, com os emigrantes e os imigrantes e refugiados por condições de vida dignas, com os discriminados pelo reconhecimento dos direitos cívicos, com os desamparados e excluídos que desistiram de lutar e até de viver. Nenhum candidato introduziu tantos temas sociais, nem o fez com tamanha sensibilidade. 

Os trabalhadores e os explorados, os pobres e os excluídos, os humilhados e ofendidos deste país sentem instintivamente que têm neste homem despojado e sério, bom e justo, convicto e lutador, um dos seus, um amigo, um defensor, alguém em quem podem confiar, com que podem contar. 

Na sua linguagem muito própria, às vezes quase poética, que funde o humanismo, o ativismo social e o compromisso político, sem dúvida a refletir o original percurso pessoal, ouvi-o no outro dia a interpelar a população sobre questões sociais e da ecologia. 

E dei por mim a pensar que, de facto, não se arranja outro candidato capaz de ir dormir, em cima de um cartão, para a porta de um centro da segurança social enquanto não for restituída a casa a uma família desalojada, que não se arranja outro candidato que vai tantas vezes às fábricas e às empresas que quase se poderia dizer não que vai lá, mas que está lá, que não se arranja outro candidato que, sem a fome do palco das televisões, alia os esforços para auxiliar as vítimas de uma enxurrada à denúncia das responsabilidades na alteração dos ecossistemas.

 "Quem ouve o grito dos pobres, o clamor dos trabalhadores, a voz da terra?". 

O Edgar ouve. 

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