“Memórias de Sidney Montalvão”


                                                                                           Reprodução de internet
                       (Reminiscências do inconsciente coletivo latino americano)


   Sidney Montalvão foi parido no ventre da classe média, no centro de La Paz, capital da Bolívia, sendo educado nos princípios rígidos da Religião Católica Apostólica Imperial Romana. Revolucionário e humanista livre pensador, é detentor de treze cidadanias: na América Latina (Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela); na Europa (França, Espanha e Bélgica); na África (Nigéria, Argélia e Líbia); na Ásia (Afeganistão e Ucrânia).

          Sua formação é eclética. Na infância, estudou nos manuais do Catolicismo e fez parte de grupos de reflexões sobre a Bíblia Sagrada. Na juventude, participou de fóruns de debates, de congressos e de simpósios sobre as obras e a trajetória intelectual e política de pensadores como John Locke, Thomas Hobbes, Maquiavel, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Henry David Thoreau, Spinoza, Hegel, Engels, Nietzsche, Karl Marx, Proudhon, Bakunin, Dostoiévski, Jorge Luis Borges, Leon Tolstói, S.Freud, Jung, Foucauld, Husserl, Kafka, Máximo Górki, Hemingway, Heidegger, Merleau Ponty, Mark Twain, Jean-Paul Sartre, Bertrand Russell, John Steinbeck, Ibsen, Cervantes, Josué de Castro, Jack Kerouac, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Marques, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Eduardo Galeano, Celso Furtado, entre outros.

            Considerado político militante e “aprendiz” de filósofo, sempre defendeu “a incomensurabilidade entre as essências e os fatos”. Nesta direção, sustenta que quem começa a investigação pelos fatos nunca conseguirá recuperar as essências. Por isto, jamais renunciou à idéia de experiência (porque acredita, como Husserl, que o princípio da fenomenologia é ir “às coisas mesmas”, e a base de seu método é a intuição eidética). Por inúmeras vezes, suas posições políticas causaram mal-estar e constrangimentos aos marxistas ortodoxos...  

       Convidado de honra do “XII Congresso Latino Americano de Psicanálise” (Caracas, 2.005), patrocinou uma tese heterodoxa: “se não recorrêssemos implicitamente à essência da emoção, ser-nos-ia impossível distinguir, em meio à massa dos fatos psíquicos, o grupo particular dos fatos da emotividade”. Com rigor argumentativo (através da dialética hegeliana), defendeu a proposição de que “devemos saber tirar partido da proximidade absoluta da consciência em relação a si mesma”. Foi assim, nesses termos, que ele “roubou” a cena do evento, sendo aplaudido pelo auditório, entusiasticamente, de pé!
                                                                                                               
      Admirador de Jean-Paul Sartre, de quem se tornou amigo e confidente durante as rebeliões de 1968, Montalvão postula que “toda consciência existe na medida exata em que é consciência de existir”. Durante o exílio no continente europeu manteve estreitas e profícuas relações com Heidegger e Merleau Ponty, sendo por eles, influenciado. A partir daí, passou a integrar um grupo de terapia psicanalítica em Buenos Aires, na Argentina(...).

       Em correspondência dirigida ao escritor José Saramago, ponderou: “o que diferenciará toda pesquisa sobre o homem dos outros tipos de questões rigorosas é precisamente este fato privilegiado de que a realidade humana é nós mesmos”. E, arrematou (abrindo uma acirrada polêmica com os comunistas da pós-modernidade): “o existente do qual devemos fazer a análise é nós mesmos”.
                                                              
 Montalvão, ao ser rotulado pela esquerda escocesa como “provocador pequeno-burguês herético”, reagiu com uma histórica reflexão ontológica: “os stalinistas transformaram a política e o socialismo em uma religião de Estado autoritário e opressor da humanidade”...            

      Montalvão vangloria-se de ter participado de um debate madrugada adentro com intelectuais vanguardistas do continente, nos anos setenta, na Faculdade de Filosofia e Antropologia do Uruguai, às vésperas do bombardeio do Palácio La Moneda, em Santiago do Chile. Polemizou com um dos conferencistas do evento, o ex-Reitor da Universidade de Brasília, o Antropólogo Darcy Ribeiro.

     Na condição de militante independente provocou o auditório: “reconheço, faz muito tempo, que na América Latina, a Universidade ensina de tudo, de tudo mesmo, só nunca ensinou a pensar!”. E, prosseguiu, com os olhos fixos na platéia: “neste contexto, interrogo vocês e especialmente o Educador Darcy Ribeiro: por que depositam tantas esperanças na instituição universitária?”. Montalvão relata que Ribeiro saiu pela tangente e, mineiramente, desconversou.

    Durante um coquetel, o boliviano foi procurado para uma conversa reservada. Darcy Ribeiro lhe disse sem meias palavras: “fiquei feliz com sua intervenção no debate e solicito autorização, para usar os termos daquela provocação, nas minhas palestras mundo afora”. Para não deixar dúvidas, ele ainda recorda que Darcy reafirmou: “a Universidade latino americana, sob todos os aspectos, é um rotundo fracasso, porque não ensina e jamais ensinará a pensar” (...).                                                                                                                               
        Mas, nem tudo são flores. Faz três anos que Sidney Montalvão retornou à “terapia grupal” na Psicanálise, monitorado por especialistas argentinos, considerados como autênticos “pais de santo” em Freud, Jung, Lacan, Foucault, sem ignorar naturalmente, a consultoria de dezenas de dissidentes...

        Em dezembro de 2006, acidentalmente, ocorreu nosso reencontro, em um restaurante na periferia de Assunção, no Paraguai. Numa vitrola, na maior altura, Reginaldo Rossi, do agreste pernambucano, cantava para o mundo. Num amplo e requintado salão de festas, lindas e exuberantes garotas de programa (poliglotas, com mestrados em Ciências Políticas, Sociologia, Antropologia, Psicanálise, Artes Plásticas, Administração de Empresas, Relações Públicas, Pedagogia, Revelações Mediúnicas, Tarô, Búzios, Turismo, Marketing...), cordiais e educadíssimas, de finíssimo trato, dançavam, bebiam e “cheiravam” emocionadas. A noite prometia a madrugada (...).

        Visivelmente embriagado, Montalvão deixou de lado suas análises sobre a conjuntura política transcontinental, e, para minha surpresa, começou a discursar sobre as angústias que o dilaceravam. Com a convicção dos revolucionários leninistas (bolcheviques puro sangue) fez um veemente apelo: “preciso de sua colaboração, pretendo publicar minhas memórias. Meus filhos se encontram espalhados pelos continentes, nem consigo mais localizá-los”. E, concluiu com a voz embargada pela emoção: “minha vida de cigano revolucionário não tem permitido contatos familiares”! 

      Fez  uma ligeira pausa, acendeu um legítimo “COHIBA” e deixou 
escapar uma rara confidência: “os traumas de minha infância me perturbam, nem consigo mais dormir em paz”.

      Com ar de desalento, revelou ter retornado à terapia: “voltei pra análise  grupal e cheguei à conclusão de que somente ficarei “curado” quando divulgar minhas memórias”(...).

     Passei muito tempo pensando, repensando e matutando sobre os diálogos e as fabulações fantásticas com Sidney Montalvão. A percepção de que estava diante de um instigante desafio, além de ser, sobretudo, uma missão das mais honrosas.

    Uma sensação de perplexidade iria me intrigar por um longo período. Por que, logo eu? Por que? Dias atrás, na madrugada, num sonho agitado, uma energia-relâmpago comunicava que nunca iria conseguir decifrar as razões daquela escolha. Seria então, mais um sonho fantástico?! Esse mistério me atormenta! O que fazer?


Gilberto Araújo, jornalista

Reg. 11791  SJPMG - FENAJ


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