Interesses chineses devem ser foco de cúpula do Brics

                                                                             
Em meio a tensões na América do Sul, reunião em Brasília deve girar em torno de ambições chinesas na região. Para analistas, Bolsonaro deve adotar postura pragmática, apesar de alinhamento com unilateralismo de Trump.

Os chefes de Estado e de governo dos países que formam o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) se reúnem em Brasília nesta quarta-feira (13/11) e quinta-feiras – justamente num momento conturbado na América do Sul.

No Chile, os protestos contra o governo neoliberal seguem ativos. No Peru, os escândalos de corrupção enfraqueceram a classe política. No Equador, a austeridade do governo de esquerda resultou em protestos violentos. E na Argentina, o retorno dos peronistas ao poder suscita muitas incertezas, que podem vir a afetar a ainda instável economia do Brasil.

As situações mais dramáticas, no entanto, são as da Bolívia, onde o presidente Evo Morales se viu forçado a renunciar e buscar asilo político no México em meio a suspeitas de fraude eleitoral, e da Venezuela, que continua afundada no caos social e econômico. Justamente dois países com os quais os dois pesos pesados do Brics, China e Rússia, mantiveram relações estreitas até o momento.

Tanto Pequim como Moscou apoiam Evo Morales e Nicolás Maduro, enquanto no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro celebrou publicamente a queda de Morales e reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente venezuelano, seguindo a linha adotada pelos EUA. Tais posicionamentos opostos têm potencial de causar atritos políticos.



"O Brasil insistiu em convidar Guaidó para a reunião. Mas isso não foi aceito pelos outros Estados", disse o especialista em relações internacionais Oliver Stuenkel (imagem da internet) em entrevista à DW. "Isso significa que, desta vez, será uma reunião menor." Ou seja,  a parte regional da cúpula, no que diz respeito às relações do Brics com países da América do Sul, foi prudentemente mantida pequena.

No entanto, para o economista Lívio Ribeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há outras questões em jogo além das divergências sobre os desdobramentos na América do Sul. "Tem questões muito mais relevantes para o Brics, como pautas bilaterais que possam levar a parcerias mais próximas, especialmente no caso chinês, com essa região da América Latina. E aí entra a One Belt One Road [Iniciativa do Cinturão e Rota – BRI, na sigla em inglês]."

Segundo Ribeiro, depois de expandir na Ásia, África e Europa, a chamada Nova Rota da Seda está agora indo para a América do Sul. "Talvez, neste momento histórico e geopolítico da China, essa reunião possa ser interessante para tentar trazer a região, especificamente o Brasil, mas também Chile e Peru, e um pouquinho da Argentina, para dentro desse projeto."

O foco principal está em linhas ferroviárias para melhor vincular a produção agrícola brasileira e argentina a portos. Chile e Peru precisariam ser conectados pelos Andes aos dois gigantes da agricultura. Além disso, os dois países vizinhos banhados pelo Oceano Pacífico possuem minérios e uma indústria de mineração que interessam à China.

                                                                                                             Agência Brasil
Xi Jinping desce em Brasília para a Cúpula do Brics

"Quem manda nos Brics é a China"

As conversações durante a cúpula desta semana em Brasília devem girar em torno desse interesse central da China, segundo Ribeiro. Porque o mais importante para todos os países do Brics é o seu próprio relacionamento com a China – os outros parceiros do grupo são secundários, diz o economista.

É verdade que existe uma forte relação entre Índia e Rússia e que o comércio entre Rússia e Brasil se intensificou recentemente, principalmente na exportação de carnes brasileiras. Mas, em última análise, sobretudo os interesses chineses estão em jogo, aponta Ribeiro.

"Quem manda no Brics é a China. Os outros têm uma postura marginal no grupo. Assim, parece-me razoável que a China use esse momento conturbado na América do Sul para dar um passo além na sua projeção de poder na região", diz Ribeiro.

Brasil x China

No entanto, o avanço chinês também encontra resistência na região. Especialmente no Brasil, segundo Ribeiro, impera a forte crença de que setores estratégicos da economia e infraestrutura não devem ser colocados nas mãos dos chineses.

De acordo com Stuenkel, a cúpula em Brasília tem um significado importante especialmente para Bolsonaro. "É o ponto culminante das relações entre Brasil e China. Bolsonaro foi eleito como alguém que se opõe à China e que quer estar mais perto dos EUA de Donald Trump. Mas nos últimos meses isso foi ajustado. Agora, o relacionamento é relativamente bom", afirma.

Bolsonaro visitou a China há poucas semanas e selou acordos de investimento na economia brasileira. Para ambos os lados, as relações econômicas bilaterais são importantes, apesar das presumíveis diferenças geopolíticas.

"O Brasil tem assumido uma posição contrária ao multilateralismo, mas os outros países do Brics apoiam o multilateralismo", afirmou Stuenkel.

Trump e multilateralismo

Por isso, o especialista afirmou acreditar que, na reunião em Brasília, os chefes de Estado e de governo se concentrarão em discussões mais técnicas, como a expansão do Banco do Brics. Brasil e China devem apoiar a abertura do banco a novos potenciais Estados-membros.

"A China é hoje o grande defensor do multilateralismo global", afirmou Ribeiro. Segundo ele, apesar da proximidade evidente com o unilateralista Trump, Bolsonaro deve reagir de forma pragmática. Quem desejar negociar com o Brasil também poderá selar acordos como o recentemente fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE). "Não vai ser uma postura ativa [a do Brasil] de fechamento como é a postura americana de romper os laços com o exterior", diz o especialista.

"Os próprios americanos entenderam que os tempos mudaram. Hoje, a China é de longe o parceiro comercial mais importante do Brasil, e, mesmo para um presidente pró-EUA, não é mais possível não ter um bom relacionamento com a China"", afirma Stuenkel, observando que Bolsonaro já sentiu nestes 11 meses de mandato que alguns setores da economia brasileira não vão tolerar desfeitas em relação à China.

Caso Trump deixe de ser presidente dos Estados Unidos, seja via impeachment, seja via uma vitória dos democratas na eleição presidencial de 2020, Bolsonaro terá que se reposicionar de qualquer maneira.

"Especialmente se Trump perder a eleição no próximo ano, o presidente brasileiro terá que olhar à sua volta. Bolsonaro tem uma imagem muito ruim na Europa e na América Latina. E se Trump perder, Bolsonaro poderá depender ainda mais dos países do Brics, onde o Brasil não tem uma imagem ruim, diferentemente da que tem na Europa", avalia Stuenkel.

Segundo o especialista, tem circulado uma piada nos círculos diplomáticos internacionais, segundo a qual "a China é um dos poucos países do mundo ao qual Bolsonaro pode ir sem que haja protestos contra ele."

Semelhanças entre Bolsonaro e Putin

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, após seu isolamento depois da intervenção na Crimeia, também contou com o apoio do Brics para mostrar que não estava sozinho, lembra Stuenkel.

Embora Bolsonaro se mostre próximo de Trump, "ele também tem algumas semelhanças com Putin e [o primeiro-ministro da Índia, Narendra] Modi, que veem conspirações contra seus países e inimigos em todos os lugares", segundo o cientista político.

"O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, tem afirmado que o Ocidente está ameaçado pelo ateísmo e pela homossexualidade. Putin compreende essa argumentação. Portanto, há mais compatibilidades do que parece à primeira vista", conclui Stuenkel. Ou seja, o entendimento deve ser bom, ao menos em nível pessoal.


(Com a DW)

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