Discurso de Prestes na solenidade de transladação dos restos mortais de Carlos Marighella

                                                              


 A homenagem de Luiz Carlos Prestes a Carlos Marighella

Por A Coluna

Este conteúdo é uma reprodução do site A Coluna, do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes

"Em 1979, já nos chamados anos de distensão da ditadura, foi publicada a lei da anistia que permitiu a volta de muitos dos exilados políticos ao país. Entre eles estava Luiz Carlos Prestes que participou da cerimônia de exumação de transporte dos restos mortais de Carlos Marighella, assassinado pela ditadura em 1969. Na ocasião do novo “funeral” de Marighella, Prestes como antigo camarada, proferiu um discurso demonstrando que embora tenham tido diferentes interpretações da realidade brasileira pós-golpe e, por isso, situado-se em campos políticos distintos, o Velho mantinha uma grande admiração pelo mais importante guerrilheiro do Brasil.

É importante destacar o tom crítico e auto-crítico com que Prestes entende o seu comportamento político e de ambos os dirigentes comunistas na época. Sem titubear, Prestes é firme na consideração de que a luta armada foi um erro tático. Todavia, reconhece que a estratégia etapista de direita adotada pelo PCB durante boa parte da sua existência foi o que levou a erros táticos e criou o fosso separando Marighella, Prestes e tantos outros.

Abaixo a transcrição desse discurso gentilmente cedido por Anita Prestes ao site A Coluna.

Discurso de L. C. Prestes na solenidade de transladação dos restos mortais de Carlos Marighella

"Aqui estou para prestar meu testemunho de admiração a um filho do povo, a um revolucionário, a um patriota que foi até o sacrifício extremo da própria vida na luta pelo ideal que defendia, pela felicidade do povo, pela completa emancipação da Pátria e pelo progresso social.

Convivi e lutei com Carlos Marighella por mais de vinte anos. Já conhecia a valentia com que se comportava quando preso, após os acontecimentos de 1935. Mas durante os vinte anos em que atuamos juntos na direção do Partido Comunista Brasileiro pude admirar suas qualidades pessoais de um legítimo filho do povo, que justamente por isso sabia ganhar o apoio do povo – de pessoas das mais variadas classes e camadas da sociedade – para a luta dos comunistas. Pude apreciar sua imensa capacidade de trabalho, seu talento , sua valentia e combatividade, a valentia com que enfrentava a reação policial, sua integral dedicação à causa por que juntos lutávamos.

As vicissitudes ou a dialética da vida nos separou, nos colocou em campos diferentes ou, mesmo, política e ideologicamente opostos. Suas próprias qualidades pessoais, em particular sua valentia e combatividade, não lhe permitiram compreender ou avaliar com acerto o momento político que atravessávamos; que a classe operária, com o golpe militar reacionário e contrarrevolucionário de 1964, fora derrotada e sofrera a pior derrota, uma derrota sem luta. Estava por isso obrigada a recuar para recuperar forças. 

Entravamos num difícil e duro processo de acumulação de forças , tínhamos como inimigos uma ditadura militar reacionária, a mais cruel e sanguinária e que só poderia ser derrotada por um amplo e vigoroso movimento de massas. E que esse movimento só poderia ser criado através de uma luta demorada e paciente pelo esclarecimento dos trabalhadores, a começar pelo levantamento de suas reivindicações mais elementares. Chamar naquele momento a classe operária a empunhar uma arma era dela nos separar e mal conseguir um minoria combativa, mas desligada das massas. E sem estas não se derrota nenhuma tirania. Acaba-se por dar argumentos à ditadura para tentar justificar uma repressão cada vez maior.

Mas na ocasião do erro de Marighella não foi apenas dele. Também nós, como já o dissemos no VI Congresso do nosso Partido, tínhamos uma linha política que padecia de erros de direita, de ilusões na burguesia e, fundamentalmente, de confundirmos a possibilidade que surgiu no movimento comunista, após a derrota do nazismo e do surgimento do sistema socialista mundial, de se poder chegar ao socialismo sem guerra civil ou insurreição armada, confundíamos isso com passividade. Este nosso erro contribuiu também para fazer surgir entre nós e Marighella o antagonismo que nos separou.

Só a prática da vida poderia revelar com quem estava a razão. O processo de acumulação de forças, a utilização inclusive do voto como arma de protesto, levou à derrota da ditadura em 1974, à evidência de seu isolamento das massas populares, principalmente da classe operária e, consequentemente, às vitórias, ainda pequenas, mas vitórias do povo que não deixariam de alegrar o grande revolucionário que foi Carlos Marighella.

Carlos Marighella! Teu nome e tua memória não serão jamais apagados da história do nosso povo. Teu exemplo de lutador pela felicidade do povo, por uma transformação social profunda, que acabe com a exploração do homem pelo homem, juntamente com a de todos que nestes últimos quinze anos souberam lutar até o fim pela completa emancipação da Pátria do jugo imperialista e pelo processo social, educará as novas gerações da classe operária e as de todos os trabalhadores brasileiros, contribuirá para reforçar a sua organização e unidade, ajudará a educar e formar a juventude que continuará a tua luta, a nossa luta revolucionária de comunistas, democratas e patriotas, elevará a cada dia mais alto as bandeiras do socialismo e as levará à vitória.

O Brasil popular e socialista cultuará para todo o sempre a tua memória!

São Paulo, 11/07/79

 FONTE: Instituto Astrojildo Pereira

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