Substituindo os deuses (adoraria a presença do professor israelense Yuval Harari nesta discussão no Templo de Adriano)...

                                                                 
A inteligência artificial sanciona o fim da era humana? Para questionar as implicações bioéticas e sociais da cibernética, serão cientistas, teólogos e empreendedores que discutirão a respeito no próximo dia 15 de março, em Roma, no Templo de Adriano. 

Entre os palestrantes, o professor Paolo Benanti, professor de Teologia moral e bioética na Pontifícia Universidade Gregoriana e o escritor James Barrat, autor do livro "La nostra invenzione finale” (Nossa invenção final, em tradução livre) sobre as perspectivas e riscos da ASI, a superinteligência artificial superior à da homem.

A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada por Vatican Insider, 13-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini. 

O teólogo Benanti não acredita que, devido à inteligência artificial, o fim da era humana esteja próximo, como sugere Barrat. "Já no passado corremos o risco de nos extinguir como espécie por obra de uma tecnologia muito mais ‘estúpida’, como as bombas atômicas", afirma ao Vatican Insider. 

"Como homens, precisamos olhar para o amanhã e nos questionar sobre o sentido. O que podemos registrar é que hoje, como ontem, olhando para o amanhã e as contradições do nosso tempo, podemos ter medo. 

Na fé sabemos que o medo não é o sentimento para viver o presente olhando para o amanhã. Nós precisamos de virtude. De esperança que nos é dada por um futuro que já é dado, no Senhor ressuscitado. De prudência para construir um futuro que ainda não está determinado porque é confiado ao nosso trabalho. De caridade para que nosso hoje e nosso amanhã possam não ser o fruto da exploração do homem pelo homem ou da máquina pelo homem, mas a mediação para o bem comum. Olhando com essas virtudes e planejadas à luz delas, as inteligências artificiais não são ameaças a serem temidas, mas uma oportunidade de humanizar o mundo”.

Há duas semanas, o Papa Francisco confiou à Pontifícia Academia para a Vida a tarefa de investigar a “roboética” para compreender se os automatismos funcionais poderiam se tornar "socialmente perigosos" e se as prerrogativas humanas poderiam ser substituídas por algoritmos, genética e tecnologias cada vez mais sofisticadas para ter como resultado o homem tecnologizado ao invés de técnica humanizada, enquanto às chamadas máquinas inteligentes são " apressadamente atribuídas capacidades que são propriamente humanas".

Na conferência da Câmara de Comércio, introduzida pelo secretário geral Pietro Abate e pelo pró-reitor da Universidade Roma Tre, Paolo Atzeni, debaterão na sexta-feira pesquisadores da área de bioengenharia industrial e automação, como Fanny Ficuciello e Donatella Firmani, e empreendedores no campo da tecnologia, como Marco Trombetti CEO da Translated, uma plataforma de tradução on-line com 100.000 clientes e fundador do Pi Campus, fundo de investimento e distrito de startups na capital. A conferência faz parte do calendário de iniciativas da Data Driven Innovation e da "Maker Faire Rome", a principal feira europeia de inovação e criatividade promovida pela Innova Camera.

O papa recebeu recentemente o presidente da Microsoft, Brad Smith, que ilustrou a perspectiva de uma Inteligência Artificial a serviço do bem comum. "Nas mãos erradas, todo instrumento pode se tornar uma arma se o poder organizacional da humanidade não conseguir acompanhar a própria tecnologia", explicou Smith ao L'Osservatore Romano: "Para garantir que as pessoas tenham confiança na tecnologia, precisamos pensar além da própria tecnologia: precisamos de princípios éticos fortes, novas leis evoluídas, de uma formação de pessoas com novas competências e até mesmo reformas no mercado de trabalho. 

Se quisermos aproveitar ao máximo a poderosa e promissora tecnologia da inteligência artificial, tudo isso deve acontecer junto. A inteligência artificial terá impacto em todos os setores da sociedade e não será criada ou usada apenas pelo setor de tecnologia. É por isso que o mundo deve se reunir para abordar esses problemas com um senso de responsabilidade compartilhada".

A teologia contemporânea também se questiona sobre as implicações bioéticas da inteligência artificial. As grandes passagens de época foram marcadas por grandes transformações que envolveram a sociedade, a ciência e também a religião - ressalta o professor Paolo Benanti -. Essas transformações podem às vezes ser induzidas por algumas mudanças e inovações tecnológicas. Basta pensar ao que aconteceu com a introdução da lente convexa. 

A lente convexa deu origem a dois artefatos tecnológicos: o telescópio e o microscópio. Com o telescópio pudemos estudar o infinitamente grande e com o microscópio o infinitamente pequeno. A partir daquele momento, a concepção que tivemos do cosmo e da vida mudou para sempre: a terra já não era o centro do sistema solar e os organismos vivos eram compostos de pequenos elementos chamados células".

Até mesmo os saberes mudaram para sempre: tinha nascido a ciência moderna e o estudo da natureza tornava-se a biologia. "Hoje temos um novo artefato, o computador que processa os dados e o instrumento que obtivemos, o macroscópio, está novamente mudando tudo - acrescenta o teólogo Benanti -. Graças a esse macroscópio, entendemos a realidade como uma correlação entre os dados e a máquina, especialmente a que está dotada com a chamada inteligência artificial está mudando nossa compreensão do mundo e da vida. 

A vida, após a descoberta do DNA, é estudada em seus componentes informacionais codificados nas bases nitrogenadas que compõem o código genético. Diante de tantas doenças relacionadas aos genes, são os algoritmos que trabalham esses dados, a que substituímos, por exemplo, alguns diagnósticos e algumas sugestões de terapias".

Este exemplo mostra como, em tempo de inteligências artificiais, a máquina seja capaz de substituir cada vez mais escolhas que anteriormente eram confiadas ao homem. "Permanecendo no âmbito da bioética, o que parece emergir aqui é uma redefinição do médico e suas específicas competências – explica o professor de teologia moral e bioética da Pontifícia Universidade Gregoriana -. 

Além disso, a relação extremamente delicada entre paciente e médico vê o surgimento de outro ator: o algoritmo. As inteligências artificiais, portanto, estão transformando radicalmente muitos setores da nossa vida. No âmbito da bioética, essa transformação pode tocar em áreas em que estão em jogo valores altíssimos e as inteligências artificiais podem ser instrumentos de grande humanização em um setor como o da assistência médica ou artífices de grandes processos desumanizantes".

Uma anedota que é frequentemente citada quando se fala em tecnologias é o exemplo da invenção de Nobel. O inventor sueco para tentar tornar mais segura a vida dos mineradores, tentou estabilizar a nitroglicerina: um explosivo muito poderoso e altamente instável que muitas vezes ceifava vidas durante o transporte na mina por causa de solavancos inesperados. Inventada a dinamite, Nobel testemunhou seu uso e seu emprego não para fins pacíficos, mas para construir novos e mais poderosos dispositivos. Até se tornar hoje a unidade de medição de bombas (quando ouvimos falar de megatons para falar sobre a energia liberada por uma bomba atômica, está sendo feita referência a milhões de toneladas de TNT).

"As tecnologias da informação usufruem da mesma característica - afirma Benanti -. São o fruto do homem e de sua engenhosidade e podem ser aliados excepcionais para realizar o bem de maneira cada vez melhor ou para se tornarem instrumentos com resultados nefastos. 

Já se ouve falar de guerra cibernética, indicando como as tecnologias informáticas, de fato, possam não apenas ser as novas armas do amanhã, mas o próprio espaço digital possa se tornar o território dos conflitos que nos arriscaremos a ver no futuro. 

Infelizmente não se pode pensar no bem comum sem imaginar uma comunidade que trabalha para construí-lo e uma autoridade que busque direcionar as condições sociais para sua realização. Então, o que é certo é que as tecnologias da informação precisam de homens de boa vontade que possam direcionar o progresso técnico para um autêntico desenvolvimento humano".

(Com o IHU)

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