Humor e imprensa, 183 anos de tradição


                                                                      

Ricardo Carvalho

Em 14 de dezembro de 1837, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publicou o que é considerada a primeira caricatura brasileira. O desenho foi feito por Manuel de Araújo Pôrto-Alegre, que era o dono do jornal, e retrata o momento em que o diretor do “diário oficial” da época faz uma oferta em moedas a um conhecido jornalista para que se transfira para o diário da corte e fale bem da… corte, evidentemente. Tem também uma curiosidade: Araújo Pôrto-Alegre é o nome da rua onde fica a sede da ABI, no centro do Rio.

Por bem ou por mal, o fato é que esta caricatura é o marco inicial de uma tradição que perdura até hoje, 183 anos depois: o desenho, a charge, o cartum que deixam nu os tiranos e os nem tão tiranos que ocupam o poder político. Traços que também costumam desmoralizar os costumes de uma época.

Inspirada nesta tradição, a ABI organizou uma live, durante a jornada “Virada pela Democracia” que promoveu mais de 50 iniciativas culturais nos dias 4 e 5 de julho. No dia 4, a ABI apresentou mais do que uma live, uma aula sobre fakenews. 

No dia 5 o tema “Humor e imprensa na resistência democrática” ocupou 70 minutos de uma animada conversa com quatro cartunistas consagrados e uma novidade. Os quatro cartunistas: Luis Fernando Veríssimo, Aroeira e os irmãos gêmeos Chico e Paulo Caruso. A novidade: a cartunista Carol Cospe Fogo, de uma nova geração, mais ligada à internet.

Carol Cospe Fogo explicou que este nome um tanto inusitado tem a ver com o jeito dela de não aceitar muito desaforo e, ao reagir, cospe fogo! As suas charges também seguem este caminho de não aceitação e de críticas contundentes ao poder instituído.

  • Já o Aroeira se tornou o epicentro de mais um absurdo perpetrado pelo aloprado time de ministros do presidente Bolsonaro, ao ser ameaçado pela Lei de Segurança Nacional, por conta da publicação de uma charge que mistura a cruz vermelha da instituição “Cruz Vermelha” e a cruz suástica do nazismo. A reação de mais de 400 cartunistas do mundo inteiro foi histórica: cada um publicou a mesma charge adaptada aos seus próprios estilos…

Os irmãos Caruso deram um show, literalmente. Cantaram as composições de autoria da dupla que são levadas aos palcos em shows memoráveis.

Entre inúmeros trabalhos, Paulo criou o “Bar Brasil”, onde seus personagens e habitués eram espinafrados pelo dono, na época o estourado general-presidente Figueiredo. Há anos, Paulo Caruso leva, com seu desenho criado ao vivo e em cores, a necessária pitada de humor ao programa Roda-Viva, da TV Cultura de São Paulo.

O irmão Chico é outro maratonista. Há 35 anos o seu traço inconfundível frequenta a primeira página de O Globo. Trocando em miúdos, ele imagina que são em torno de 10 mil charges.

Sorte dos pesquisadores do futuro que poderão resgatar a história deste país também através do trabalho destes artistas. A pesquisa só estará, no entanto, completa depois da consulta à obra monumental do gaúcho Luis Fernando Veríssimo. Com seu texto preciso e elegante, Veríssimo consegue, como ninguém, duelar com a difícil arte da ironia, farpas que rapidamente caem na corrente sanguínea de suas, vamos dizer, vítimas.

O facilitador da conversa foi o jornalista Ricardo Carvalho, diretor da ABI em São Paulo.

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