Déa Januzzi, jornalista de alma e coração


 Clara Arreguy

Por que será que a gente fica velha, com cabelo branco, e não perde a insegurança na hora de falar com seus pares? É o meu caso. Convidada pelo Ivan Drummond pra escrever neste espaço incrível do sindicato, fiz uma crônica enorme em que contava praticamente toda a minha vida profissional, mas sem nem um dos elementos com que sempre procuro rechear esse tipo de texto: humor e/ou poesia. O relato não tinha uma coisa nem outra. Mais parecia relatório, mesmo. Cancelei-o.


Agora, imbuída do espírito da cronista alegre e de bem com a vida, me sento pra cumprir o compromisso com o Ivan e dou de cara com a notícia estarrecedora: Déa Januzzi morreu. Não bastava um ano tão atípico como esse Vinte que estamos vivendo, com pandemia e o país em chamas, não bastava a onda fascista a varrer, qual incêndio no Pantanal, os corações e mentes de gente que já foi de bem, ou será que nunca foi? Não bastava tudo de ruim que vem acontecendo no Brasil e no mundo, e ainda temos que conviver com perdas de companheiros tão próximos e queridos.


Nossa profissão é mesmo de risco, e não apenas pela perseguição dos fascistas com poder e sem poder, não apenas pela falta de suporte das próprias empresas jornalísticas, não apenas por colocar na mira das armas, agora liberadas, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, equipes de todas as mídias. Nossa profissão é de risco porque os bons jornalistas, como Déa Januzzi, têm coração, têm alma, e ela sofre quanto melhor eles exercem o ofício.


Pensava que já tinha me acostumado a conviver com a perda e a morte desde que entrei pra profissão, pelas mãos do querido Mauro Werkema, primeiro na Fundação Clóvis Salgado, depois no Estado de Minas. Mas não. A cada nome que dava baixa na redação, novo luto, novo aprendizado pra lidar com a dor e com o fechamento ao mesmo tempo, sem perder o deadline.


Lembro-me quando perdemos a Edmeia. O Marco Antônio. O Geraldo Magalhães. O Carlos Cobra. O Ricardo Gomes Leite. Aí veio Roberto Drummond, numa noite inesquecível em que Ivan Drummond e eu tivemos que mandar parar as máquinas, porque era plantão da madrugada durante a Copa do Mundo de 2002.


Depois que saí do EM e vim pra Brasília, ainda recebi os mais dolorosos dos telefonemas me informando que Mário Sérgio Brant e Marcello Castilho Avellar também tinham se encantado. Mas aqui no Correio Braziliense não era diferente, então, pouco tempo depois que assumi a editoria de Cultura, perdemos meu subeditor, Natal Eustáquio, vítima de câncer. Um querido diagramador, de acidente de carro. E um subeditor de Cidades, num sábado: saiu do plantão, foi pra casa, entrou no banho e teve um AVC fulminante. Não veio pro plantão de domingo.


Agora, Déa Januzzi, que outro dia mesmo escreveu nesse espaço uma de suas crônicas belas e importantes, em que inverte o conceito de poder: “Descobri que o poder de tomar outro caminho quando for preciso é o maior de todos os poderes, capaz de curar dor de cabeça e coluna torta, estresse e ansiedade. O poder de mudar de rumo, de ser dona do próprio corpo, senhora de mim, de arbitrar sobre a própria vida e mudar tudo no segundo tempo, sem prorrogação. O poder de virar tudo de pernas para o ar, de abrir o baú da memória. Ou de jogar tudo fora. A alma não suporta lixo”.


Que belo texto tinha a Déa! Que sabedoria! Que consciência de seu valor como profissional, mãe, mulher, voz de tantos e tantas. Amiga, personagem do jornalismo, da cidade. Um ícone de uma geração, como disse antes, que fazia jornalismo com alma e coração. Hoje não dá pra fazer crônica com gracinha e poesia. Hoje choro. Perdemos mais uma importante figura da nossa história, da nossa memória, da nossa caminhada nessa nossa profissão de risco. Déa Januzzi, para sempre presente!


 


[6/11/20]

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