Estou abalado pela morte de Déa Lúcia Januzzi, minha ex-colega do "Estado de Minas", escritora e ex-funcionária pública. Estava internada há dias, deixando preocupados seus inúmeros amigos a admiradores de seus textos sempre cultuados na imprensa brasileira. Em sua profissão arrebatou vários prêmios como o da série de reportagens sobre aborto, promovido pela Federação do Comércio. E também o sobre meninos de rua, laureado pela Unicef, além do Prêmio Cidade de Belo Horizonte. Venceu também como escritora. Seu livro "Coração de Mãe" é apreciado em todo o Brasil.

    

                                                     



Sobre Dea Januzzi que morreu ontem aos 68 anos, escreveu a jornalista Maya Santana em seu "50 e mais": 

"Uma das jornalistas mais talentosas do país, a mineira Déa Januzzi, 60 anos, foi a vencedora do Prêmio Longevidade de Jornalismo Bradesco Seguros, mídia impressa, com a reportagem “Envelhecemos!”, publicada no jornal Estado de Minas de 30 de setembro. 

Na reportagem, feita em conjunto com a excelente repórter Vanessa Jacinto, foi criado um cenário imaginário em 2050, ano em que haverá, segundo as estatísticas, maior número de idosos do que jovens. O texto, de grande sensibilidade, espalha-se pelas oito páginas do suplemento especial criado para comemorar o Dia Internacional do Idoso.


“Este prêmio é muito importante, pois tira os velhos da invisibilidade e ajuda a diminuir o preconceito porque, como mostram as maravilhosas Bibi Ferreira, 91 anos, e Jane Fonda, 75 anos,existe um jeito novo de envelhecer. Nós, que estamos chegando aos 60 e fizemos a revolução dos costumes, temos que fazer a revolução da velhice também”, me disse Déa emocionada, após receber o prêmio em São Paulo, numa cerimônia em que tanto Bibi quanto Jane Fonda arrasaram.


Tive o privilégio de trabalhar com Déa Januzzi no Estado de Minas durante vários anos, na década de 1970. E sempre me impressionou a sensibilidade de artista de Déa, que nasceu em Belo Horizonte e construiu sua carreira no jornal mineiro, para onde entrou assim que se formou na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1974."

Um de seus últimos trabalhos foi  publicado no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, no qual ela era registrada  pelo número  2354:

Ah, como almejo o poder!


Nunca dei muita importância ao poder, mas outro dia descobri o quanto ele é importante. Como faz bem ter poder. O poder de estar sempre rodeada de amigos, mesmo que neste momento mais virtuais do que presenciais. O poder de deitar sem culpas que remoem o sono e causam pesadelos. O poder de ser mulher sem carregar uma cruz. De me horrorizar com fantasmas jurídicos que saem do porão, para matar mulheres “em legítima defesa da honra”. O poder de andar de saia ou de calças compridas. O poder de ser livre, de não fazer o que os outros querem que eu faça. O poder de trabalhar ou, se preferir, ficar em casa sem fazer absolutamente nada.


O poder de dançar até ficar exausta, mesmo que sozinha na sala de visitas. E, de preferência, com


a música “Odara”, de Caetano Veloso ou a de Arnaldo Antunes que diz assim sobre o envelhecer: “Não quero morrer / pois quero ver / como será envelhecer / eu quero é viver pra ver qual é / e dizer venha / para o que vai acontecer. / Eu quero que o tapete voe / no meio da sala de estar / eu quero que a panela de pressão pressione / e que a pia comece a pingar / eu quero que a sirene soe / e me faça levantar do sofá / eu quero pôr Rita Pavone / no ringtone do meu celular”.


Descobri que o poder de tomar outro caminho quando for preciso é o maior de todos os poderes, capaz de curar dor de cabeça e coluna torta, estresse e ansiedade. O poder de mudar de rumo, de ser dona do próprio corpo, senhora de mim, de arbitrar sobre a própria vida e mudar tudo no segundo tempo, sem prorrogação. O poder de virar tudo de pernas para o ar, de abrir o baú da memória. Ou de jogar tudo fora. A alma não suporta lixo.


Foi há pouco tempo que vi como o poder é bom. O poder de estar disponível para uma conversa no meio da rua, mesmo que o outro fale pelos cotovelos. O poder de ajudar o outro quando for preciso. O poder de trabalhar com o que gosto e ter a certeza de que jamais vou me aposentar de mim mesma.


Dia desses pensei como desejo o poder. O poder de perdoar a mim mesma e aos outros, de não guardar nenhuma mágoa no coração, dessas que ficam pingando feito veneno de cascavel dentro da gente. O poder de me apaixonar sempre, sem perder o jeito, sem medo. Mas não se enganem: posso me apaixonar por um poema, por um cachorro, pelos ipês floridos nas ruas de BH, por uma música que evoca outras épocas, sem saudosismo, porque essas de agora, credo, não me inspiram em nada.


O poder de fazer parte de uma família universal, com amigos para lá de especiais. O poder de viajar sem sair do lugar. Mesmo sem dinheiro nenhum ser a mais poderosa das pessoas. O poder de fazer da vida um ritual de todo dia, sagrado e por que não profano? O poder de ter projetos, mesmo que eles não se cumpram.


Gosto do poder. Ah, como ambiciono o poder secreto de conversar com Deus, sem precisar de interlocutores. Como gosto do poder de falar a linguagem das crianças que ainda estão descobrindo o mundo. O poder de interagir com os jovens que continuam à minha volta e sempre me afagam com gestos ternos: um Cd de Bethânia cantando com a cubana Omara, ou de Amy Westinthouse dentro de uma caixa colorida. Ou um livro de cartas de Cecília Meireles, mimos que só os jovens poderosos sabem dar.


Ah, como gosto do poder de ser mãe, mesmo que o filho já não precise mais de mim. Hoje preciso mais dele do que ele de mim. O poder de ter gerado outra vida é impagável. O poder de carregar o amanhã com tanta graça, de dar colo, mesmo que o filho já não caiba mais nele. Ah, como me emociono com o poder de escrever, de emocionar pessoas. Ah, como é delicioso o poder de ser o que você quer ser. Já no crepúsculo da vida, mais parecida com um fusca velho sem peças de reposição, sou grata por estar envelhecendo. Mas ainda pretendo fazer a revolução dos velhos!


O poder de reconhecer que não me falta nada e de agradecer por tudo o que a vida me dá. O poder de reconhecer que sou uma pessoa de sorte e que sou mais do que desejei ser. O poder de continuar depois de tudo, até dos vendavais e incêndios Dos meus próprios naufrágios. O poder de estar sobrevivendo à Covid-19. O poder de ver chegar um dia depois do outro. O poder de ser múltipla em uma só, de ser passado, presente e futuro. De viver o agora intensamente, sem pensar no passado e não estar nem aí para o futuro.


O poder de me relacionar com outras pessoas por afeto. Ah, como almejo todo esse poder!

Na redação, foi logo adotada pelo jornalista e escritor Roberto Drummond (1933-2002), a quem esteve ligada por uma profunda amizade até a repentina morte dele. Detentora de vários prêmios jornalísticos, ela também é autora do livro “Coração de Mãe” – Editora Leitura, 2003. Déa tem um filho, Gabriel, que serviu e serve de inspiração para muitas de suas memoráveis reportagens.

Comentários

Unknown disse…
Sabe,também fiquei muito abalada quando ao ler a crônica da Dea
em final de domingo fiquei sabendo da morte dela. Foi um baque enorme e eu queria
muito que ela fosse homenageada.Mandei um email para o jornal,mas não tive resposta
Agora sei como fazer,vou dar de presente os livros de crônicas dela,e ler tudo de novo...