Inauguração de bordel de bonecas infláveis na Rússia estimula debate sobre privacidade

                                                                    
                                                            
Ekaterina Sinelschi


Em reportagem sobre o novo estabelecimento, jornalista usou pseudônimo para detalhar vida sexual com a ex-namorada. Caso dividiu opiniões nas redes sociais. O hotel três estrelas está localizado não muito longe do centro empresarial de Moscou. Os quartos têm cama, uma televisão grande e um espelho que cobre toda a parede. Nas camas há uma boneca negra, asiática e russa, ou a chamada Lolita – todas elas bonecas infláveis provenientes da franquia espanhola Lumidolls.

O bordel cobra 5.000 rublos (cerca de US$ 80) por hora. Mas as bonecas não são parecidas com o que se vê na série norte-americana “Westworld”. São “frias” (embora possam ser “aquecidas”), “duras” e parecem completamente ocas por dentro.

“Quando enfiamos os dedos na garganta, eles vão direto para algum lugar no cérebro”, descreveu um jornalista do site de notícias The Village, que havia sido enviado para uma missão editorial bem simples: fazer sexo com a boneca e depois contar aos leitores sobre a experiência inusitada.

Após a publicação do relato, começaram as críticas.

O que provocou convulsão social não foi o experimento em si, mas a parte da reportagem em que o autor descreve momentos de intimidade com sua ex-namorada.

A julgar pelo texto, o brinquedo sexual não evocou no jornalista as “emoções necessárias”. Por isso, durante a experiência, o jovem relatou ter aberto fotografias de sua ex no celular, e descreveu em detalhes na reportagem alguns episódios íntimos do casal. Foi essa lembrança que, segundo o jornalista, teria ajudado a “concluir” a sua missão. O artigo foi então assinado com um pseudônimo para não expor terceiros.

Porém, na manhã seguinte, o anonimato foi quebrado. “Oi. Eu sou aquela ex do artigo do The Village. E vou explicar por que isso está errado”, escreveu a jornalista Nina Abrosimova, de 22 anos, em sua página no Facebook.

Abrosimova explicou que as identidades dela e do autor são bem conhecidas entre os jornalistas e editores da publicação, e, por isso, mesmo sendo um artigo anônimo, trata-se de uma invasão de privacidade. “Minhas mãos ficam frias quando leio isso. 

O texto foi escrito e publicado com total compreensão de que milhares de pessoas me veriam nua agora. Isso é humilhante para mim. (…) No final do dia, eu estava sendo motivo de debate por um quarto dos meus seguidores no Twitter. Eu gostaria que você nunca tivesse escrito esse texto. Mas, uma vez que você se permitiu escrevê-lo, decidi dizer a todos que este texto é seu”, escreveu Nina.

O autor, Kirill Rukov, de 24 anos, respondeu em um post público que não pretendia ofender ninguém com a reportagem, alegando que a imagem da ex é “genérica”.

Privacidade nas redes

“Nina, nós não nos conhecemos, mas eu te apoio, simpatizo contigo e espero que esqueça essa situação repulsiva o mais rápido possível”, comentou, nas redes sociais, Ekaterina Ilitchiova, dentre várias outras mensagens de suporte à jovem.

“A reportagem é repulsiva. Por que descrever o sexo com alguém que se tornou um estranho/ sem seu consentimento nem preservar suas fotos? E ainda escrever sobre isso publicamente”, escreveu o usuário @frost_bluebbery no Twitter.

Muitas pessoas acusaram não o ator, mas para o departamento editorial do jornal que publicou a reportagem. “Qual é a posição ética do The Village? Eles não sabem em seu mundinho podre que a vida privada das pessoas tem limites?”, questionou uma internauta chamada Maria Vilegjnina Donskaia.


A editora-chefe do site, Tatiana Simakova, destacou que o artigo foi inicialmente planejado como anônimo e ninguém na equipe editorial sabia o que era verdade e o que era “o relato sobre as fantasias de uma pessoa que se masturbava”. Segundo ela, a ideia por trás da matéria era “mostrar como a humanidade é importante mesmo no sexo” e lamentou que a linha de pensamento não tenha sido expressa de forma plena.

Paralelamente, algumas pessoas disseram não entender a reação de Nina, acreditando que seu ato era uma maneira “estranha” de adquirir popularidade. “A moça ficou chateada porque o autor a mencionou de forma completamente anônima e usou um pseudônimo. Ela estava chateada que um pequeno grupo de pessoas reconheceu a heroína do artigo e decidiu divulgá-la na internet, gerando um efeito Streisand. Agora, metade da internet está falando sobre isso. Vamos elogiar a moça por sua lógica”, disse Dave Mastein, para quem a tentativa de censurar determinada informação tem a consequência não intencional de torná-la ainda mais difundida.

“Na verdade, a reportagem sobre a boneca mostra algo muito significativo: a mídia russa é um circuito fechado – as reportagens são escritas por jornalistas para jornalistas sobre jornalistas e sobre seus ex e presume-se que todos saberão a quem o artigo anônimo está se referindo”, observou @tsuprikova.

https://br.rbth.com/estilo-de-vida/80577-bordel-bonecas-inflaveis-russia-debate-privacidade

(Com Russia Beyond)

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