Os 30 anos da Constituição e os sinais de contradição do presente


                                                   
                                                        

Guilherme Costa Delgado

A Cons­ti­tuição de 1988 com­ple­tará em ou­tubro 30 anos de sua pro­mul­gação. Neste tempo, que será também o da eleição geral, acu­mulam-se si­nais de con­tra­dição sobre a con­ti­nui­dade do tempo his­tó­rico inau­gu­rado sob sua égide, tal o grau de rup­turas de­sen­ca­de­adas pelos pró­prios Po­deres re­gu­lados para sal­va­guardá-la, exe­cutar suas po­lí­ticas e le­gislar sob sua re­gência.

Por outro lado, as forças po­lí­ticas que inau­gu­raram a rup­tura ins­ti­tu­ci­onal, de­pois de mais de dois anos de go­verno, não pro­du­ziram pro­jeto es­tra­té­gico, à se­me­lhança da­quilo que se fez no golpe mi­litar de 1964, du­rante o go­verno Cas­telo Branco, em­pur­rando logo em se­guida o país para os de chumbo do AI-5 na po­lí­tica e cres­ci­mento ace­le­rado na eco­nomia, que se exau­riram muito ra­pi­da­mente.

Não obs­tante mais de dois anos de in­tensa e algo caó­tica pro­dução le­gis­la­tiva no pe­ríodo 2016-2017, na qual se in­serem mais de uma de­zena de Emenda Cons­ti­tu­ci­o­nais, o am­bi­ente de anomia nas re­la­ções so­ciais bá­sica do tra­balho e pro­teção so­cial, de di­reitos fun­diá­rios e de fi­nanças pú­blicas (ou para usar a feliz sín­tese de Karl Po­lanyi – terra, tra­balho e di­nheiro), nada se con­so­lidou nesses “mer­cados” de sorte a pa­ra­me­trizar rumos novos para eco­nomia e so­ci­e­dade.

A con­jun­tura es­pe­cí­fica deste mês de maio nos re­vela aquilo que já era es­pe­rado, mas or­ques­tra­da­mente ne­gado pelos meios de co­mu­ni­cação – pros­se­gui­mento da es­tag­nação econô­mica e re­cru­des­ci­mento do de­sem­prego no plano in­terno, se­guido no plano ex­terno de in­tensa per­se­guição por ali­e­nação de re­cursos na­tu­rais (campos pe­tro­leiros, águas, minas e terras).

Evi­den­te­mente, o clima ins­ti­tu­ci­onal de rup­tura com a ordem ins­ti­tu­ci­onal de 1988, seja no plano da Ordem So­cial (PEC do Teto por 20 anos), seja no plano po­lí­tico-ju­rí­dico com a con­versão do Poder Ju­di­ciário em cons­ti­tuinte pa­ra­lela, acentua ao invés de re­solver o clima de anomia. 

Mas tal si­tu­ação, ao con­trário da­quilo que pla­ne­jaram os au­tores do golpe do im­pe­a­ch­ment, cor­res­ponde ao pre­en­chi­mento de vá­cuos de poder, não apenas sem le­gi­ti­mi­dade como também de pro­moção de maior con­tra­dição. A es­ca­lada não ter­mina aí e ca­minha para dis­so­lução ampla e ir­res­trita da po­lí­tica par­ti­dária em nome de cam­pa­nhas se­le­tivas contra a cor­rupção.

Salta aos olhos de qual­quer ob­ser­vador his­tó­rico – in­terno ou ex­terno – que o Brasil está na UTI e os mé­dicos e pa­ra­mé­dicos que dele tratam aviam re­ceitas er­radas, que so­mente agravam o es­tado de saúde do pa­ci­ente. É hora de trocar a equipe mé­dica e também do tipo de me­di­cina pra­ti­cada, que cu­ri­o­sa­mente aban­donou qual­quer pro­to­colo, em nome de ‘en­ti­dades’ que não cuidam da sal­vação da vida hu­mana.

Cu­ri­o­sa­mente, quanto mais se apro­fundam os si­nais de con­tra­dição, mais claro fica para a so­ci­e­dade, em­bora apenas no nível in­tui­tivo, que a te­rapia da des­truição da ordem ins­ti­tu­ci­onal de 1988 nada cons­trói em seu lugar, apenas apro­funda o senso da imi­nência de um de­sastre maior.

Te­o­ri­ca­mente o mo­mento po­lí­tico elei­toral de 2018 seria o tempo opor­tuno para to­madas de po­sição face à imi­nência do de­sastre. Voto e faço votos para que ocorra, na linha do “oti­mismo da von­tade e pes­si­mismo da razão”. Penso também que além e à margem das so­lu­ções ma­cro­po­lí­ticas, a so­ci­e­dade, pelas suas mi­cro­po­lí­ticas, vem cons­truindo meios e modos de au­to­pro­teção. Mas, cer­ta­mente, sem acordos po­lí­ticos ge­rais, que um pacto cons­ti­tu­ci­onal sig­ni­fica, não se faz po­lí­tica normal.

Fi­nal­mente, os 30 anos da Cons­ti­tuição de 1988 e a eleição de 2018 são talvez os der­ra­deiros lem­bretes à si­tu­ação de crise. Fora dos acordos so­ciais le­gí­timos, não há sal­vação, mesmo para classe A do Ti­tanic.

http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/13256-os-30-anos-da-constituicao-de-1988-e-os-sinais-de-contradicao-do-presente

(Com o Correio da Cidadania)

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