Do seu posicionamento sobre os migrantes à sua encíclica Laudato si’, o papa causa controvérsia

                                                                 

                   
    Sou fã declarado de Francisco (José Carlos Alexandre)

A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 12-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Independentemente de onde você se situe ao longo do amplo espectro da Igreja Católica – direita, esquerda ou centro; conservador ou liberal; tradicional ou progressista –, se você não se sente desafiado e até mesmo perturbado por algumas das coisas que esse papa diz e faz, então você não está prestando atenção.

E isso inclui qualquer um de vocês que possam se considerar “fãs do Papa Francisco” ou católicos do “meu-papa-certo-ou-errado”. Se ele não está lhe incomodando nem um pouquinho, você não deve estar ouvindo.

Apesar do que alguns de seus críticos mais tradicionalistas afirmam, Francisco não é politicamente correto. De fato, ele é bastante franco e direto. Ele é profético.

Isso porque, sem dúvida, ele é um dos papas mais radicalmente evangélicos que a Igreja já viu. E a sua leitura radical do Evangelho, assim como a do seu santo homônimo de Assis há mais de 800 anos, questiona e serve como crítica a todas as ideologias, estilos de vida e modos de pensar.

É bem sabido agora que a insistência do papa de 82 anos de que as sociedades afluentes do mundo sejam mais generosas no acolhimento e na integração de migrantes e refugiados está causando um alvoroço entre os residentes dessas sociedades.

Ironicamente, alguns dos mais ferozes opositores ao posicionamento de Francisco sobre a migração são os próprios imigrantes ou, como o papa, filhos de imigrantes.

E não é nenhum segredo que a crítica do papa ítalo-argentino ao capitalismo desenfreado e o seu pedido por uma distribuição mais justa da riqueza e dos recursos do mundo irritaram muitos católicos pró-capitalistas da maneira errada.

Mas os fiéis que se opõem a Francisco nessas questões não são os únicos que acham difícil aceitar alguns dos seus ensinamentos.

Tempo quente

Isso foi confirmado recentemente em uma mensagem postada no Twitter por alguém que a maioria das pessoas consideraria como um católico progressista.

“Existem várias partes da #LaudatoSi do @Pontifex com as quais eu discordo veementemente. Uma delas tem a ver com a sua postura em relação ao ar-condicionado”, disse essa pessoa, que também é professor universitário católico de Teologia, Ética e Ambiente.

A Laudato si’, é claro, é a controversa encíclica ‘sobre o cuidado da nossa casa comum”, que Francisco publicou há quatro anos. E o autor do tuíte está realmente entusiasmado com esse documento de 2014 sobre questões relativas à preservação do ambiente e de toda a criação de Deus (incluindo as pessoas).

Mas, evidentemente, a opinião do papa sobre o ar-condicionado é simplesmente um desafio grande demais para a zona de conforto desse professor.

“O ar-condicionado em climas abafados é um presente dos céus. Especificamente, ele desumidifica e esfria os céus, e isso é uma dádiva de Deus”, concluiu esse católico “verde”.

Outro católico de mentalidade progressista entrou em cena:

“Eu acho que, em alguns lugares, o ar-condicionado é uma necessidade que salva vidas, por causa do calor excessivo e das alergias. Dito isso, ele não tem que estar ligado na potência máxima em todos os lugares em todos os momentos.”

Mas o que o nosso atual bispo de Roma realmente diz sobre o assunto na sua encíclica? Ele faz apenas uma referência. Ela se encontra no parágrafo 55 do texto.

E parece ser uma resposta direta aos nossos tuiteiros acima mencionados.

É mais do que apenas o ar-condicionado

“Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas é ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo, que não parecem diminuir; antes, expandem-se e desenvolvem-se. É o que acontece – só para dar um exemplo simples – com o crescente aumento do uso e intensidade dos condicionadores de ar”, escreve o papa.

“Os mercados, apostando num ganho imediato, estimulam ainda mais a procura”, continua ele.

Francisco chega a uma conclusão um pouco diferente da dos seus críticos. “Se alguém observasse de fora a sociedade planetária, maravilhar-se-ia com tal comportamento que às vezes parece suicida”, diz ele.

Sim, esse parece ser um ensinamento difícil. Mas apenas pare e pense: como é que nós sobrevivemos milhares de anos antes do ar-condicionado ser inventado?

Mesmo há apenas 20 anos, o ar-condicionado não era muito comum na maioria dos lugares da Itália, por exemplo. E a maioria das pessoas nesse país ainda é ambivalente sobre o fato de usá-lo hoje.

Infelizmente, isso tem mais a ver com o medo de que o ar recirculado seja insalubre, do que com os seus efeitos nocivos ao ambiente, e é por isso que muitos italianos usam o ar-condicionado com as janelas abertas – para deixar entrar o ar “fresco” ou natural!

A vida sem ar-condicionado, mesmo em lugares quentes como Roma em julho e agosto, não é impossível. Essa costumava ser a norma. Havia estratégias antigas para nos impedir de arder de calor, como fechar as persianas e ligar um ventilador ou dois.

O ritmo de vida (e de trabalho) era consideravelmente mais lento quando não havia ar-condicionado. E o apetite das pessoas era significativamente mais reduzido. Isso nunca era considerado como algo ruim. De fato, a mudança do ritmo diário foi considerada como algo sintonizado com a natureza e como algo muito saudável, de fato.

Mas a nossa sociedade cada vez mais consumista e a mania de produzir cada vez mais subvalorizam o tempo de inatividade.

Sintonizando com a natureza

O Papa Francisco tem razão em criticar o uso (e abuso) excessivo do ar-condicionado.

“Ninguém quer o regresso à Idade da Pedra, mas é indispensável abrandar a marcha para olhar a realidade doutra forma, recolher os avanços positivos e sustentáveis e ao mesmo tempo recuperar os valores e os grandes objetivos arrasados por um desenfreamento megalômano”, diz ele (LS 114).

Porque, como diz o papa, “dentro do esquema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza” (LS 190).

(Com a revista do IHU)

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