CRÍTICA DOS MEIOS





Há vagas para corajosos

*Hermínio Prates


Não há vagas para jornalistas; há vagas para jornais. É isso mesmo, o minguado mercado mineiro ainda oferece cavalo selado para quem ouse cavalgar contra as intempéries. Se você acaba de chegar à arena e não encontra trabalho, não se desespere; se não consegue nem mesmo um estágio - que não garante nada, mas dá a experiência que as escolas sempre ficam devendo – opte pela coragem e drible os obstáculos.
A inspiração para a aventura vem do início dos anos 50, quando as condições eram semelhantes, o que pode garantir a repetição da história. O hoje se parece muito com o ontem. O Brasil reiniciara vida democrática, apesar das ameaças dos golpistas de plantão e Minas era governada por um risonho e franco candidato ao Catete.
Ontem, como hoje, quem pautava a mídia era o balcão de anúncios. A ditadura de Vargas foi quase tão longa quanto a dos milicos que chutaram a Constituição em 1964; JK governava Minas com sorrisos, favores e uma imprensa amestrada. O governador atual não ri tanto, não dança e nem faz seresta, mas usa com maestria os milagres do marketing. Ontem, como hoje, a subserviência tem preço de tabela. Frases de impacto nortearam o governo de JK, o mesmo acontece agora. Ontem o binômio era “Energia e Transporte”, o mote atual é “Choque de Gestão”. Se o chiste de ontem foi “Sombra e Água Fresca”, o de hoje poderia ser “Me engana na mídia”.
Em 1952, Belo Horizonte tinha cinco jornais diários, a revista Alterosa, quatro emissoras de rádio, com absoluto predomínio da Inconfidência e quase mais nada. Os jornais eram atrelados ao governo, o rádio não privilegiava a informação, pois o modelo era a Rádio Nacional com as novelas, programas humorísticos e muita música nos auditórios.
Hoje, 57 anos depois, temos seis jornais diários, mas a conta fecha em apenas três (Estado de Minas, Hoje em Dia e O Tempo – saudações post mortem ao Diário da Tarde -), pois um pretende ser dedicado aos negócios (Diário do Comércio) e dois sobrevivem de manchetes e fotografias (Aqui e Super ). São inúmeras as emissoras de rádio, mas a maioria apenas toca o que há de pior na música e divulga abobrinhas. As outras correm atrás da Itatiaia, mas sem nenhuma chance de alcançar a líder. Não temos nenhuma revista que mereça citação e as concessionárias de televisão são meras repetidoras do que vem de fora.
Quem ainda tiver alguma dúvida sobre as semelhanças entre 1952 e 2009 que consulte a edição histórica do Binômio. O livro de José Maria Rabêllo explica como dois jovens (ele e Euro Luiz Arantes) transformaram uma brincadeira de garotos em um jornal que ajudou a escrever a história a partir de Minas. Dinheiro não havia, a redação ora funcionava no quarto de uma república de estudantes, ora no bilhar da esquina. A dupla – antecipando em décadas a trajetória do Pasquim – fez da coragem, da criatividade e do humor o caminho para o sucesso. José Maria Rabêllo lembra que “a reportagem é a alma, a quintessência do jornalismo. E no coração da reportagem está o furo, através do qual o jornalismo alcança seu instante de glória e arrebatamento.”
Se os rapazes de 1952 conseguiram, o que pode impedir que os de hoje o façam? O mercado publicitário é minguado, mas está sempre disposto aos anúncios de ocasião, desde que haja resposta. Ontem não havia blogs nem sites, mas a internet pode substituir, com vantagem, qualquer departamento de pesquisa e ser uma aliada na edição de um jornal que destoe da mesmice. Difícil? Reconheço, não é fácil. Bem pior era redigir em Minas e imprimir o Binômio no Rio para escapar da perseguição do governador Bias Fortes.
A importância do jornal é atestada pelo ex-redator e escritor Fábio Lucas: “Tantos anos passados, espanta-me verificar a contribuição cultural trazida pelo Binômio ... o que mais admira vem a ser a atualidade de algumas discussões e, no que respeita a problemas já vencidos, a força documental da matéria. O tempo passou, tivemos uma prolongada ditadura, um lento e hesitante processo de redemocratização, em que a classe dominante prontamente se rearticulou, e estamos vivendo uma fase de intensa mutação de meios, em razão do progresso tecnológico. Mas persiste o núcleo de resistência às transformações de base. Contra esse chocava-se o Binômio.”
O jornal, que nasceu humorístico, se tornou sério. Inovou o colunismo social, denunciou as futilidades; a crônica esportiva “modernizou a linguagem, humanizou o futebol, mostrando o jogador como uma pessoa igual às outras, sem tratá-lo como mercadoria que se vendia a qualquer hora. Essa humanização se estendeu a todo o universo do futebol: aos juízes, aos treinadores, aos dirigentes, aos torcedores.” Mais ainda, segundo Hélio Fraga, ex-editor de esportes: “Tivemos um papel decisivo na denúncia das mazelas que afetavam o esporte, levando-o ao desprestígio e à desmoralização, como infelizmente acontece ainda hoje.” A crônica esportiva naqueles dias – lembra Hélio Fraga – era dominada pela mediocridade, pelos repórteres-torcedores, por aqueles que, mais do que hoje, não se envergonhavam de misturar sua condição de jornalistas com os serviços prestados aos clubes, como até contratar jogadores.
O Binômio arejou a linguagem publicitária e não se limitou ao noticiário distribuído pelas agências de notícias: a abordagem era coerente, a crítica mordaz. O jornal comprou um casal de nordestinos, denunciou corrupção no palácio, na Câmara, na Assembléia e na polícia; não deu sossego ao magnata Antônio Luciano, que era dono de quase tudo em Belo Horizonte e tinha um apetite voraz por mocinhas inocentes; bateu firme nos bicheiros e comprou briga até com os militares.
Os tempos são outros, mas se assemelham. Ontem, como hoje, pode ser muito sonhar com um jornal diário, mas sempre há lugar para um semanário. O computador é um aliado e o tempero ainda é o mesmo: coragem e criatividade.
Não há vagas para jornalistas, mas há para jornais. Quem se habilita?
(*)Hermínio Prates é jornalista
(Imágens: Charge de Ziraldo no Binômio; da esquerda para a direita: José Maria Rabêllo, José Aparecido de Oliveira, Ponce de Leon e Petrônio Souza/Gonçalves/Antônio Cocenza/Yahoo/Clareando Ideias/Google/Divulgação)

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