Médico e dono de funerária

                                                               
Carlos Lúcio Gontijo (*)

          Na atual conjuntura, os beneméritos são poucos. A gente assiste a muitos empresários não projetarem qualquer construção de convivência e integração de seu empreendimento com a comunidade em que se encontram. Não manifestam preocupação alguma com o impacto de sua produção, que muitas vezes polui ou provoca enorme consumo de água, um bem comum cada vez mais escasso. 

          Estudos revelam que a vizinhança é o melhor canal de divulgação da imagem de indústrias e estabelecimentos comerciais, recomendando que os seus proprietários busquem inter-relação e participação no encaminhamento de anseios da população que as circundam.

          Não há como os complexos industriais e comerciais serem bem-vistos se jamais, por exemplo, patrocinam a arte e a cultura do local onde se acham instalados, desinformados que são de que tais ações eternizam a sua imagem na memória das pessoas que lhes são vizinhas, chegando a fornecedores e clientes. Afinal, a própria vida nos ensina que ninguém defende ou fala bem de mau vizinho e parceiro ruim.

          O grande problema que impede o soerguimento de uma sociedade guiada pela prática da cooperação é o fato de enfrentarmos colossal dificuldade em abandonar o signo da competição que nos levou a acumular conquistas materiais, científicas e tecnológicas, mas que está a nos exigir o predicado do desprendimento para que atinjamos o estágio da distribuição de realizações que só foram possíveis graças ao esforço de toda a humanidade.

          Indubitavelmente, precisamos mais de cidadãos que queiram ser úteis à sociedade que de pessoas que apenas queiram se nos apresentar como importantes, sem nada mover em benefício do próximo. Presenciamos muitos casos em que a procura é alcançar a glória de servir a dois senhores sem arranhão qualquer no desenvolvimento de tarefas inconciliáveis.
           
          Daí termos políticos projetando política social de divisão de rendas, mas atrelados a segmentos da área financeira; gente combatendo drogas e ligada a agentes do submundo do tráfico; ambientalistas radicais e seminários de defesa da natureza financiados por empresas mineradores (que em Minas Gerais e Brasil afora movem mais montanhas que a força da fé dos brasileiros). 

Enfim, a situação atual nos remete irremediavelmente, na maioria das vezes, a comparação feita pelo conceituado jornalista Alberto Dines, referindo-se à existência de assessores de imprensa que trabalham em órgãos de comunicação e, ao mesmo tempo, assessoram políticos, prefeituras e instituições públicas: “É o mesmo que ser médico e dono de funerária”.
        
(*)  Carlos Lúcio Gontijo é poeta, escritor e jornalista
           www.carlosluciogontijo.jor.br

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