Petrobras, pré-sal e futuro

                                                        


 Jean-Paul Prates 

Ao emergir como grande produtor global de petróleo, o Brasil também ganhou inédita relevância geopolítica. O que já vinha se materializando aos olhos do mundo, pelas conquistas sociais e tecnológicas do passado recente, tornou-se muito mais palpável com o impulso impressionante do pré-sal.

Em tempos de discussão sobre o futuro da Petrobras e do setor de petróleo do Brasil, por conta das turbulências atuais, uma das indagações mais frequentes se relaciona à exploração das reservas do pré-sal.

Preliminarmente, cabe rememorar a nova dimensão geopolítica do balanço entre oferta e demanda do petróleo no mundo, que pode ser resumido em alguns tópicos:

• O mundo deverá superar 110 milhões de barris diários de produção de petróleo em 2020, e os maiores incrementos advirão do Iraque, Estados Unidos, Canadá, Venezuela e Brasil.

• Reservas tidas como “não convencionais” nos Estados Unidos e outros terão na tecnologia um fator de impulsão absoluto, assim como reservas antes consideradas inacessíveis, como o pré-sal brasileiro.

• O desafio de realizar fraturamento hidráulico de folhelho com responsabilidade ambiental e mitigando efeitos para as populações locais segue sendo crítico para os produtores que, caso não atinjam metas ambiciosas e ostensivas, poderão ter a competitividade de seus investimentos afetada por ações regulatórias e governamentais.

• O recente colapso nos preços do petróleo continua diretamente conectado à enfraquecida e desacelerada demanda mundial, mais do que propriamente às movimentações do cartel da Opep, embora não se devam jamais desprezar tais iniciativas.

• Um preço internacional do barril que se sustente acima dos US$ 70 viabilizará um crescimento de 20% da produção global até 2020, quando, aliás, o Hemisfério Ocidental poderá se considerar autossuficiente em petróleo, graças principalmente a Estados Unidos, Canadá, Brasil, Venezuela, México e oeste africano.

• Assim sendo, é provável que a China incremente sua influência política nos países do Golfo Pérsico e outros produtores globais, inclusive Canadá, Venezuela, Nigéria, Angola, Brasil e até os próprios Estados Unidos: uma inversão total de eixos históricos da geopolítica mundial petrolífera.

É sob essa abóboda contextual que o Brasil deve consolidar sua estrutura regulatória, operacional e socioeconômica relacionada com a exploração das reservas estratégicas localizadas na camada do pré-sal da sua margem atlântica.

O contexto brasileiro, por sua vez, está rodeado de incertezas sobre a capacidade da Petrobras de superar a cataplexia que a atinge, com a materialização dos processos investigatórios e punitivos de crimes ocorridos recentemente, correções ostensivas na gestão interna e a escrituração precisa de prejuízos, erros, desvios e sobrevalorações, de forma a reconquistar a confiança de investidores, acionistas, parceiros e fornecedores.

Concretamente, a empresa não sofreu perda de ativos ou redução de desempenho operacional, mas precisará demonstrar condições e até reavaliar metas que lhe permitam retomar o caminho de sucessos técnicos, operacionais e financeiros, sem prejuízo e ao largo das punições a executivos e empresas envolvidas nos processos em curso.

Na outra ponta da análise interna estão os interesses estratégicos, desde os transnacionais até a mais paroquial política nos estados. A disputa de poder em torno da principal atividade geradora de investimentos no país hoje deve continuar. 

Estão em jogo a gestão e o direcionamento de dezenas de bilhões de reais em investimentos no setor. Independentemente de corrupção ou desvios, trata-se de um tremendo indutor às disputas usuais, tanto geopolíticas globais quanto político-eleitoreiras locais. 

Qualquer acionista, antes e depois de 2015, sabia, sabe e conta com isso em sua tomada de decisões. Há ônus e bônus em ser a Petrobras. E estes nem sempre correspondem, em tempo e espaço, aos ônus e bônus de outras atividades ou localidades. 
                                                 
Uma realidade, por certo, não mudou: continuaremos precisando construir e operar superplataformas, sondas, gasodutos, linhas de produção, barcos de apoio, equipamentos submarinos e muitos outros itens que deverão ser fabricados no Brasil para assegurarmos a oportunidade de consolidar uma política industrial e tecnológica que aprimore a independência e a competitividade global do nosso setor petrolífero e, por que não dizer, energético em geral.

Assim, a discussão sobre o cenário econômico nacional relativo ao pré-sal deve focar efetivamente os impactos estruturais que levem ao adensamento da cadeia produtiva nacional do petróleo: o decantado e mal compreendido “conteúdo local”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última década o peso do setor dentro do cenário industrial nacional saltou de 5% em 2000 para 11,2% em 2010.

Ao emergir como grande produtor global de petróleo, o Brasil também ganhou inédita relevância geopolítica. O que já vinha se materializando aos olhos do mundo, pelas conquistas sociais e tecnológicas do passado recente, tornou-se muito mais palpável com o impulso impressionante do pré-sal. 

Num mundo em que não há espaço para ingenuidade, não é exagero afirmar que para defender a soberania marítima nacional é essencial ampliar o poder de dissuasão naval do país. Para isso, mostram-se vitais programas como o que busca a duplicação da frota e o que viabiliza a construção de um submarino nuclear e quatro convencionais. Tais programas concretizam a importância geopolítica do pré-sal como patrimônio vital para a consolidação da soberania, do processo de desenvolvimento e da inserção internacional do Brasil.

A produção atual do pré-sal é uma gota diante do potencial brasileiro. Os campos gigantes que se espalham do litoral do Espírito Santo ao de Santa Catarina são a principal novidade do setor em décadas. Um em cada três barris de petróleo descobertos no mundo nos últimos cinco anos está no Brasil.

Partindo de estimativas conservadoras, o pré-sal deve dobrar as reservas de petróleo do país para 31 bilhões de barris – o número só considera a parte já descoberta. Acredita-se que haja outros 87 bilhões de barris não descobertos. Isso implicaria potenciais US$ 270 bilhões de investimentos previstos até o fim desta década, com mais de 2 milhões de empregos gerados.

A escala de produção que o Brasil pode alcançar abre uma infinidade de negócios para empresas de quase todos os tipos e tamanhos, e a Petrobras continuará sendo o maior comprador individual de bens e serviços da indústria do petróleo mundial por um bom tempo. Aí reside o interesse em disputar-se, ora para depreciá-la, ora para exaltá-la, conforme a proximidade de ocasião ao seu controle. Mas um fato não se disputa: a Petrobras tem força, capacidade e recursos para superar as atuais intempéries, e o Brasil continuará a ter orgulho dela, de seus profissionais e de todos os que gravitam em torno do setor petrolífero brasileiro. Nosso passaporte para o futuro ainda se encontra em boas mãos. 

Jean-Paul Prates é advogado e economista. Mestre em Gestão Pública de Recursos Naturais e Energia pela Universidade da Pensilvânia e mestre em Economia do Petróleo pelo Instituto Francês do Petróleo. Diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne). Ex-secretário de Estado de Energia do Rio Grande do Norte.

Ilustração: Daniel Kondo (Com Le Monde Diplomatique)

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