Recomeçam os desaparecimentos na Argentina

                                                                         
                                                                        
Carlos Aznárez

Foi em 1º de agosto passado que Santiago Maldonado (imagem) desapareceu quando participava solidário com o povo Mapuche numa manifestação de reivindicação das suas terras ocupadas pela Benetton.
Um grande movimento de solidariedade para com povo Mapuche, de indignação e de preservação da memória vem crescendo contra o terrorismo de Estado na Argentina

Tudo indica que começa a romper-se o «pacto de silêncio» na Polícia, essa espécie de bunker blindado e protegido pelo governo, que tão firmemente se manteve durante um mês após o desaparecimento de Santiago Gonzalez. O que todos sabiam na Casa Rosada e nos seus ministérios, e que se transformou em palavras-de-ordem mas manifestações e concentrações, serve agora para colocar as últimas peças do puzzle. Foi a Polícia quem sequestrou Santiago Maldonado, quem lhe bateu e o fez desaparecer.

Não pegaram as hipócritas declarações de «solidariedade» da ministra da Segurança Patricia Bullrich que, recordemo-lo, desde aquele doloroso 1º de agosto em que se perdeu todo e qualquer contacto com Santiago começou a expressar a sua incondicional confiança na força repressiva de uniforme verde azeitona. Inclusive, chegou a «indignar-se» quando compareceu no Congresso porque «não estava disposta a lançar um gendarme pela janela fora».

Agora, parece que os polícias estão isolados, não lançados pela janela fora, mas nas conversas informais dos vizinhos na zona de Esquel do bairro El Bolsón, que lhes perguntam «o que é que sabem deste pobre rapaz» ou lhes dizem para «não darem cobertura às responsabilidades dos manda-chuvas de Buenos Aires». 

É também verdade que muitos oficiais e até polícias sem graduação estão a receber chamadas telefónicas acusando-os de «criminosos» e «verdugos». Se a isto se somar que alguns comerciantes recusam vender pão ou verduras às mulheres dos polícias, o círculo tende a fechar-se decididamente até que «alguém decida contar a verdade».

Neste sentido, é significativo o caso do comandante Pablo Escola que dirigiu, sob as ordens do Chefe de gabinete do Ministério da Segurança, Pablo Noceti, a ação de repressão na Estrada 40, quando os mapuches de Lof Cushman faziam ao corte da via. Este homem o que é que então aconteceu com Maldonado. Foi um protagonista «n situ», e que por isso foi ameaçado por Patrícia Bullrich com a passagem à disponibilidade, poucas horas antes de prestar declarações perante a Justiça.

Claro como a água: se se bate com a língua nos dentes a blindagem montado pelo ministério da (in)Segurança desfaz-se. Pablo Escola não se comprometeu negando qualquer detenção mas, muito nervoso, afirmou que «não matámos ninguém».

É assim que a palavra morte começa a rondar os verdugos e se afasta de todas as patranhas montadas pelo governo para estabelecer pistas falsas. Desde os primeiros dias em que «testemunhas» de papelão afirmavam ver Maldonado passeando por Entre-os-Rios ou em qualquer outro destino do país, ou passando por um desconhecido de uma morgue do Chile, até chegar aquilo que mas agradava a Bullrich e ao seu séquito: uma punhalada dada por um segurança privado da estancia do milionário latifundiário Beneton. 

A quem? A Maldonado, naturalmente, que tal como deus estava em toda e qualquer parte. A partir do governo empenharam-se tanto a dizer aos seus mercenários jornalistas (Lanata, Leuco, Morales Solá, Del Moro e Fantino, entre outros) que insistissem na acusação da facada, que chegaram a acreditar na sua própria invenção. Por isso, como fizeram durante todo o mês, maltrataram até os familiares de Maldonado, acusando-os de não queriam colaborar na investigação. Outra falsidade, um dos irmãos de Maldonado prestou-se a provas de ADN e o resultado negativo provocou, para desgosto do tandem Bullrich-Nocetti, que a famosa pista do segurança privado também se esbarrondasse como um castelo de cartas.

O último salva-vidas inventou-o Clarín («o diário que mente sempre») na últimas 24 horas , e intitulou-o «o sacrifício», dizendo que possivelmente e «por causa desconhecida» Maldonado «tinha decidido passar á clandestinidade». São toscos, mas sobretudo são miseráveis porque estão a jogar com a vida de um jovem de vinte anos, cujo único delito é ser solidário com os povos originários.

Acabrunhados pelas suspeitas, altos funcionarios governamentais do governo macrista acreditam, no entanto, que podem redobrar a aposta para evitar a tormenta que já se adivinha no horizonte. Por isso, o chefede gabinete presidencial, Marcos Peña, novamente salvar Bullrich «felicitando-a» (sic) pela sua atuação na «investigação» do caso Maldonado. 

O próprio Macri depois de um mês de autismo compulsivo e culposo decidiu abrir a boca para dizer que «está preocupado e todos os dias se ocupa com o caso». Se não fosse uma tragédia seria bastante irónica esta definição de um tema que lastima muitíssimo uma sociedade que já perdeu 30 mil Santiagos Maldonados, e que em «Democracia» a lista foi aumentando mais, até chegar a esta triste circunstância atual.

O pacto de silêncio por parte dos gendarmes todos os dias é quebrado e a mobilização popular não cessa, e continua a mostrar que para os argentinos este caso é um ponto de inflexão, tudo indicando que muito em breve haverá novidades de peso. De facto, até a própria ex-presidente Cristina Kirchner cita um twet que a ministra Nullrich afirmou num debate da Comissão Parlamentar dos DDHH, que «… a algum polícia lhe passou por aí a mão». Bullrich banaliza a tragédia, acreditando que o seu lugar de filha dileta da embaixada estadounidense e os seus contactos com a Mossad a podem salvar da derrocada.

Por outro lado, há que sublinhar como um elemento heroico de toda esta investigação contra a corrente, o papel heroico que nela teve o povo Mapuche. Foram eles precisamente que espancados, torturados e reprimidos para lhes tirarem as terras e as dar à Benetton, apelaram a todas as suas forças para domar o medo e as pressões dos policias que ainda os reprimem no seu território ancestral. Daí, que as declarações formuladas há poucos dias diante do juiz Guido Otranto por vários testemunhas da comunidade sejam muito importantes. 

Um dos deponentes, Matías Santana, ratificou que Santiago foi levado pela polícia. Contou e também foi reafirmado pelos seus companheiros, como o jovem artesão foi detido quando tentava cruzar o rio, como lhe bateram e finalmente o passaram de um camião a o levaram pela Rota 40. Isto é, arriscaram a pele pelo seu irmão huinca solidário, tal como Santiago não duvidou em ficar na comunidade apesar da repressão que já se adivinhava estar pronta a verificar-se com toda a brutalidade.

Perante este importante momento de poder aproximar a luz de um episódio que o macrismo governante tentou esconder e sobre o qual tergiversa, é fundamental redobrar a pressão popular nacional e internacional para que Santiago Maldonado apreça vivo «porque vivo o levaram». E nessa ou em qualquer outra circunstância Bullrich e Nocetti e todos os comandantes e oficiais da polícia envolvidos no desaparecimento devem ser afastados e julgados pelo enorme mal cometido no presente e pela memória de um país farto de terrorismo estatal.

(*) Jornalista, diretor do Resumen Latinoamericano.

Este texto foi publicado no Resumen Latinoamericano:
http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/09/05/horas-decisivas-en-argentina-para-que-triunfe-la-verdad-a-santiago-maldonado-lo-detuvo-e-hizo-desaparecer-la-gendarmeria/

(Com odiario.info)

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