A Venezuela está vencendo a parada

                  
                                                                       

Elaine Tavares

Instituto de Estudos Latino-ameericanoss

Mesmo com toda a campanha midiática internacional contra o governo da Venezuela, o país atravessou mais uma onda de violência desatada pela oposição, que teve início em abril deste ano e se estendeu até julho. As chamadas “guarimbas” - trancamentos violentos de rua - foram incentivadas pelas lideranças da direita e chegaram a provocar mais de 100 mortes. 

Durante o auge do terror, os guarimbeiros queimaram pessoas e incendiaram até um hospital infantil. Mas, se a jornada de violência possibilitou que os meios de comunicação demonizassem ainda mais o presidente Maduro, dentro da Venezuela, o que provocou foi mais apoio popular ao projeto bolivariano.

Durante meses a população venezuelana encarou as guarimbas com marchas massivas de protestos e com ações pontuais de enfrentamento. Trabalhadores da VTV, por exemplo, colocaram para correr um grupo que tentava incendiar a emissora. Pessoas nas ruas, desciam de seus carros e enfrentavam os pequenos grupos, desbloqueando os caminhos e, nas comunidades, a população se armou para impedir a entrada dos guarimbeiros. 

A violência foi a reação desesperada da direita venezuelana, tendo à frente Henrique Capriles e Leopoldo López, uma vez que, apesar de terem iniciado uma guerra econômica contra o país ainda em 2015, não haviam conseguido paralisar o bolivarianismo e isso era ponto de honra.

Só que mais uma vez as ações da oposição não conseguiram quebrar o espírito de luta do povo venezuelano, que reagiu sistematicamente. E, conectado com a indignação crescente da maioria da população, o governo apresentou então, em maio, a proposta de uma Assembleia Nacional Constituinte para garantir mais poder ao povo e assim, pavimentar um caminho para a pacificação nas ruas.

A oposição bateu pé, denunciou inconstitucionalidade - que não havia – buscou o apoio dos EUA para que houvesse uma ingerência no país e tentou aprofundar as ações de terror. Mas, apesar de tudo, a proposta da Constituinte ganhou as ruas e a população aceitou a ideia como uma possibilidade de aprofundar as propostas de poder popular. 

A oposição não quis participar das eleições e perdeu ainda mais espaço. Afinal, as ruas arrefeceram, a violência explícita foi contida e as lideranças da direita perderam a possibilidade de disputar projeto dentro da Constituinte. Ficaram sem chão. 

A Constituinte iniciou seu trabalho e com o apoio massivo da população, afinal, mais de oito milhões de venezuelanos foram às urnas para escolher seus candidatos. Um número significativo considerando que o voto não é obrigatório.

Mas, se a violência nas ruas não deu resultado para a oposição, isso não significa que os políticos e as lideranças se aquietaram. Pelo contrário. A campanha contra o governo foi levada outra vez para a Casa Branca, nos Estados Unidos. Como um filho mimado que não consegue travar suas próprias batalhas, foram pedir arrego aos gringos.  

O presidente Donald Trump, de olho no petróleo venezuelano, que pode ficar mais acessível na mão dos vende-pátria, decidiu então por exigir sanções econômicas contra a Venezuela. Seria mais ou menos como o aprofundamento da guerra econômica interna que já existe desde 2015, na qual os empresários responsáveis pela importação e distribuição de produtos, escondem a mercadoria e provocam o desabastecimento no país.

Ora, quem conhece a história dos Estados Unidos sabe muito bem o que isso significa: a águia está afiando as unhas para dominar o espaço. Na história recente, o caso do Iraque ainda reverbera. Baseado numa mentira - presença de armas químicas  - repetida à exaustão pelos meios de comunicação, o Iraque foi invadido para que a “democracia” do “mundo livre” pudesse chegar. O resultado é o que vemos na televisão todos os dias. Um país destruído, devastado pela guerra e que desde 2004 está sob intervenção e ocupação dos EUA. Nem a democracia nem o mundo livre chegaram por lá, mas o petróleo continua jorrando e chegando bonitinho nos Estados Unidos.  


Agora, a bola da vez é a Venezuela. Porque tem petróleo, porque tem um governo que insiste na soberania, porque tem um governo nacionalista. Não é um governo socialista, mas tem esse sul, então, para os EUA, é um perigo no continente. Desde a morte de Hugo Chávez, que pode ter sido um assassinato, as medidas vêm se aprofundando na tentativa de destruir a proposta bolivariana. 

Mas, ao contrário do Iraque, que tem graves problemas de disputas internas bastante fragmentadas, na Venezuela existe um bloco gigantesco de gente que sabe que sem o bolivarianismo está fadada a retornar para a miséria e o abandono. Essa gente sustenta o governo, ainda que Maduro cometa muitos erros, principalmente no campo da economia.

A ideia de sanções, como sempre, vai envolver muito mais os “países amigos” dos EUA do que os próprios EUA. Afinal, se o governo estadunidense quiser diminuir a importação de petróleo da Venezuela para sufocar economicamente Maduro, o que vai fazer é causar problemas às empresas locais, visto que são elas que negociam o petróleo e não o governo. Justamente por isso que caberá aos demais países cumprirem a função de cães de guarda dos EUA.

No âmbito do Mercosul os países membros já suspenderam Venezuela do grupo, usando os argumentos apregoados pelos EUA: que na Venezuela tem uma ditadura, que a Constituinte é inconstitucional, que não tem liberdade de expressão. Ou seja, mentiras. Mas, que servem como justificativa para as ações contra Maduro e o povo venezuelano. 

No parlamento europeu também crescem as pressões para que os países da Europa efetuem sanções contra funcionários do governo que atuam no continente, também alegando que a Assembleia Constituinte é inconstitucional. Apenas uma lida na Constituição do país e eles poderiam ver que ali está muito bem definido quem pode chamar uma Constituinte. E o presidente pode chamar, está consolidado na carta magna. 

A acusação de que o governo de Maduro é uma ditadura é outra bobagem homérica, visto que poucos países no mundo têm uma democracia participativa como a Venezuela, na qual a maioria da população não apenas vota como participa ativamente da condução das políticas. Mas, ainda assim, essa é uma mentira que se espalha e segue sendo mantida pelos meios de comunicação comerciais.

Sobre a falta de liberdade de expressão o que se pode ver é que é outra mentira deslavada. As lideranças de oposição estão nas televisões, jornais e rádios locais a todo o momento. E também viajam por todo o mundo fazendo campanha para que os países participem do embargo contra a Venezuela. Eles incitam o ódio contra o próprio povo e voltam para casa onde não são perturbados. Ora, se isso não é liberdade de expressão, o que seria?

E é justamente pela ação dos vende-pátria que a OEA, instituição hegemonizada pelos EUA, tem feito sua parte para obrigar os países membros a atuarem contra a Venezuela. Essa semana, por exemplo, abre um processo de investigação contra o governo venezuelano ao qual acusa de “crimes de lesa humanidade”. O que seria risível se não fosse mais uma trágica mentira para respaldar a ingerência. A OEA quer responsabilizar Maduro pelos crimes que foram praticados pelos seus opositores que, no caso, são os que estão dando depoimento como “vítimas”. 

Um teatro burlesco que tem o completo beneplácito da mídia comercial. Foi a oposição venezuelana a que queimou pessoas, que ateou fogo em asilos, hospitais e escolas e é a oposição venezuelana que leva uma guerra econômica contra o povo, desabastecendo os mercados, provocando o terror. Se alguém está cometendo crimes contra a humanidade é a elite venezuelana representada por Capriles e López. Mas, quem se importa com a verdade? 

E é assim que o império vai fechando o cerco contra a Venezuela. Trump publicou um decreto aprofundando sanções como a proibição aos estadunidenses de comprar bônus da dívida venezuelana e da companhia estatal de petróleo. Mas ficou nisso. Por outro lado, bravateiro como é, chegou a ameaçar com uma possível invasão militar, com o objetivo de levar a “democracia”.

Para a América Latina, que vem olhando para a Venezuela de maneira vesga – muita gente de esquerda, inclusive, reproduzindo o mesmo discurso da oposição local e da direita mundial - essa ameaça é muito grave. Como analisa a professora mexicana Ana Esther Ceceña (UNAM) o ataque de Trump à Venezuela pode ser a entrada da guerra explícita no continente, e isso afetará a todos os países, de qualquer maneira. 

Por isso que defender a soberania da Venezuela deveria ser um ponto inegociável. Até porque as acusações contra o governo de Maduro, que servem como justificativa para uma invasão, são mentirosas. Permitir que a guerra chegue a Venezuela é ser cúmplice de um provável massacre dos venezuelanos, da destruição do país e de uma possível ingerência em todos os países do continente.

Assim, se os governos da América do Sul, excetuando Bolívia e Cuba, se mantêm ajoelhados diante do império estadunidense, resta às gentes de cada país atuar no sentido de não permitir que a mentira vença mais uma vez. O poder dos EUA e da mídia é grande, mas a história mostra que um povo unido também pode vencer. Cuba é prova. Que a Venezuela resista!

(Com o Diàrio Liberdade)

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