O efeito Seneca – O que impérios e avalanches têm em comum

                                                               

Jantje Hannover [*]

Ugo Bardi, professor de química italiano, escreveu um livro acerca do efeito Séneca. Ele refere-se ao colapso abrupto de sistemas que se observa em avalanches e balões, assim como em bolhas de mercados financeiros e em impérios poderosos. 

Quando um balão estoura ou se verifica uma avalanche, é uma estrutura de rede que subitamente se reorganiza. 

Rede, nós e colapsos 

"Seria um consolo para as nossas fracas almas se nossas obras se todas as coisas fenecessem vagarosamente tal como ascenderam, mas acontece que se o crescimento é lento o caminho para a ruína é rápido". 

Isto foi o que disse o filósofo romano Lucius Annaeus Seneca há cerca de 2000 anos. E como se Séneca quisesse provar esta máxima, no decorrer da sua vida ele se tornou cada vez mais rico e influente, chegando mesmo a tornar-se conselheiro do Imperador Nero. Até que caiu em desgraça e acabou por ser suspeito de fazer parte de uma conspiração contra o Imperador. Foi então que Nero lhe ordenou que cometesse o suicídio. 

O autor, professor em Florença, está interessado em crashes rápidos que se seguem a uma ascensão com êxito, mostrados com exemplos por meio de numerosos processos físicos. Ele baptiza este fenómeno como "efeito Séneca". Nos diagramas e ilustrações do livro de Bardi, sobretudo diagramas que mostram o desenvolvimento de diferentes eventos, a "curva Séneca" é de longe a mais frequente. 

"Todos os colapsos têm certas características comuns: são sempre fenómenos colectivos, isto é, surgem apenas nos chamados sistemas complexos, ou seja, em redes estruturais de "nós" que são interconectados por ligações. Um colapso é a reestruturação rápida de um grande número de tais ligações. 

O modo mais fácil de ilustrar a ideia desta rede estrutural em sistemas complexos é usar a Internet. Ugo Bardi cita o exemplo do antecessor do Facebook, o Friendster. Alguns utilizadores haviam saído, outros acharam que tinham muito poucos contactos e também saíram. A rede implodiu. 

Acerca da ascensão e queda 

Se um balão estoura, uma avalanche se desencadeia, ou a tensão das placas continentais é descarregada num terramoto, estas em última análise são ligações numa rede estrutural que subitamente reorganizou-se a si própria – com possíveis consequências catastróficas para os seres humanos, uma "ruína Séneca" real, como diz Ugo Bardi. 

Ele mostra que bolhas financeiras e o colapso de impérios poderosos têm propriedades comparáveis. Um exemplo é o Império Romano. Segundo a análise de Bardi, ele veio abaixo sobretudo porque os minérios ouro e prata, o mais importante elixir do sistema financeiro romano, eram cada vez mais difíceis de obter: "O esgotamento é um conceito ardiloso que tem pouco ou nada a ver com o facto de um minério se tornar escasso ou mesmo desaparecer. 

Ao invés disso, é uma questão de custos e benefícios. Os custos da mineração aumentam ao longo do tempo pois os mineiros exploram primeiro os minérios facilmente acessíveis e altamente concentrados". 

A princípio, os romanos e seus vassalos não precisavam senão de uma bateia para lavar as pepitas de ouro das areias dos rios. Logo, precisaram de picaretas e pás, assim como de escavar minas, empregar maquinaria e vagonetas. No fim, a mineração devorava tanto dinheiro que já não valia a pena prossegui-la. E é precisamente para este ponto que a humanidade hoje se encaminhar a alta velocidade, diz Bardi. 

Ainda que actualmente se possa recorrer a tecnologias incomparavelmente mais refinadas, neste momento estamos em perigo devido ao preço baixo do petróleo: "Infelizmente, não parece que os actuais governos do mundo e o público estejam a perceber o problema da escassez mineral e que estamos a mover-nos muito vagarosamente rumo a um declínio no consumo. Mas não importa o que se faça ou não se faça hoje, o actual sistema industrial do mundo tem de passar por grandes mudanças, tão grandes que a continuidade da sua existência não está de forma alguma assegurada". 

O futuro do mundo 

O colapso da economia global devido à escassez de matérias-primas também foi previsto pelo Clube de Roma há 45 anos com o seu estudo "Os limites do crescimento". Bardi considera estarem actualizados os cenários então previstos pelas simulações em computador. Para os parâmetros de recursos, desenvolvimento económico, crescimento da população ou oferta alimentar, o cenário gerava principalmente curvas Séneca, isto é, crashes agudos. 

Hoje, o colapso poderia estar iminente, mas – tal como um terramoto – não pode ser previsto com precisão. O mesmo se aplica à flora e à fauna do planeta Terra, também chamado Gaia, o qual tal como a economia mundial floresce numa rede estrutural complexa. 

"De acordo com a hipótese Gaia, o ecosistema da terra tem alguma capacidade para criar e sustentar condições que permitem a vida e a nossa terra comporta-se mesmo, pelo menos em parte, como uma coisa viva. Ou seja, Gaia possui homeostase (equilíbrio), de modo que o ecosistema é capaz de evitar grandes desastres e recuperar dos inevitáveis". 

O autor mostra que a terra se manteve a uma temperatura aproximadamente constante ao longo dos últimos 542 milhões de anos porque formas de vida mais complexas continuaram a existir ao longo de todo este tempo. Parece que a terra compensou o aumento da intensidade da irradiação solar, o qual tem estado a aumentar, pela regulação do conteúdo de carbono do ar. Como sabemos, a espécie humana está actualmente e sistematicamente a voltar o termostato do carbono para a direcção errada. [NR] 

O império fóssil em encruzilhadas 

A informação de Ugo Bardi é em certos trechos bastante exigente para o não iniciado em ciências naturais, como por exemplo quando descobre no curso de eventos mundiais a acção do segundo princípio da termodinâmica ou o fenómeno da transição de fase. Mas o autor embrulha o seu vasto conhecimento numa linguagem divertida e entendível, incorporando eventos históricos, anedotas e mesmo romance de ficção científica, conseguindo assim manter o interesse do leitor até o fim do livro. 

"Nosso império dos dias de hoje, o qual podemos justificavelmente chamar o "império fóssil", está numa encruzilhada, porque os combustíveis fósseis ultrapassaram a sua utilidade, ainda que não queiramos admiti-lo, e estão a colocar-nos em perigo. Hoje, a ameaça deste problema ainda não penetrou suficientemente na consciência dos nossos dominadores imperiais". 

E porque assim é, Ugo Bardi dedicou alguns capítulos a enfrentar o colapso. Contudo, ele considera estas possibilidades bastante vagas e relativiza-as, dado o egoísmo dos povos e sua tendência a recusar-se a abandonar o que já tiveram. Afinal de contas, o colapso também traz oportunidades, porque só desta forma algo de novo poderia ascender. Em qualquer caso, a tentativa de Bardi de tornar um pouco mais concreto o perigo iminente para os habitantes do planeta terra, mediante processos em sistemas complexos, permanece uma leitura absolutamente valiosa. 

[NR] O exemplo pode não ser o mais feliz. A quantidade de CO2 de origem antropogénica é desprezível. 

[*] Colaborador da estação de rádio Deutschelandfunk (Rádio da Alemanha) .   A edição em inglês do livro pode ser encomendada em www.bookdepository.com/... 

O original encontra-se em Cassandra's legacy e em Peak Oil 

Esta resenha encontra-se em http://resistir.info/ .
26/Jan/18

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