Greve histórica dos jornalistas alagoanos ganha repercussão nacional e internacional

                                                                                                                 Jhonatan Lins     
                                        
                                                                    

Lenilda Luna (*)

A greve deflagrada pelos jornalistas alagoanos  terça-feira, 25 de junho, já é histórica, independente dos ganhos salariais que venham a ser conquistados. Há décadas não se registra uma mobilização tão intensa da categoria em Alagoas e no Brasil. Segundo o Sindicato dos Jornalistas (Sindjornal), a adesão nas redações foi acima de 90%, incluindo setores onde a paralisação sempre foi mais difícil, como nas emissoras de TV.

A paralisação, por tempo indeterminado, foi aprovada em assembleia depois de um intenso processo de negociação, iniciado na data-base deste ano. Mas a proposta das empresas foi considerada inaceitável e desrespeitosa com os profissionais. Alegando queda nos faturamento publicitário, os patrões propuseram uma redução de 40% do piso salarial dos jornalistas, ou seja, o piso, que na maioria das redações é também o teto, cairia de R$ 3.565,27 para R$ 2.150,00.

As empresas ainda alegaram que os jornalistas atualmente na redação não teriam redução de salário, mas é difícil crer na palavra de empresários que estão promovendo demissões em massa nas redações e contratando estagiários com salários irrisórios para substituir jornalistas. O jornal impresso com maior tiragem no Estado, a Gazeta de Alagoas, da Organização Arnon de Mello, pertencente à família do senador Fernando Collor, por exemplo, demitiu 40 profissionais no ano passado e se tornou um semanário.

A verdade é que a categoria já vem perdendo prestígio desde que o  Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar a exigência do diploma para exercício da profissão de jornalista, em 2009, atendendo à solicitação das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp). A situação se agravou com a (contra)Reforma Trabalhista de 2017, que precarizou ainda mais as relações de trabalho e provocou uma onda de demissões.

No mês de abril deste ano, aconteceu a primeira reunião entre os representantes do sindicato dos Jornalistas e os patrões das empresas de Comunicação. Os jornalistas, que pediam reposição das perdas inflacionárias do último ano e aumento real de 5%,  foram surpreendidos com a proposta de reduzir o piso salarial em 40%!

Sem acordo, a Justiça Trabalhista foi acionada para o dissídio coletivo. Foram várias audiências em que os patrões se mostraram irredutíveis. De sua parte, a categoria dos jornalistas colocou que não há negociação para a redução salarial. A deflagração da greve seguiu todos os trâmites legais. A TV Ponta Verde ainda tentou uma liminar para sustar o movimento, mas o pedido foi indeferido.

O presidente do Sindjornal, Izaias Barbosa, destaca que o acordo foi tentando. “Apresentamos propostas, a última na véspera da greve foi a nona tentativa. As  empresas não apresentaram nada ,além de redução de salário. Propuseram a criação de três faixas salariais, onde o atual piso se transforma em teto. Isso é vergonhoso”, protesta o líder sindical.

Diante da repercussão do primeiro dia de greve, as empresas, ao invés de reconhecerem a força do movimento e apresentarem uma proposta plausível, tentaram boicotar o movimento, com a contratação de alguns estagiários (muitos deles se recusaram e aderiram ao movimento), e o deslocamento de substitutos de outros estados. “A contratação de substitutos durante o movimento grevista é ilegal e já entramos com uma queixa-crime na Justiça do Trabalho”, informou Izaias.

Quem são os empresários de TV em Alagoas? A TV Ponta Verde (ex-TV Alagoas, canal 5) pertence ao grupo empresarial do Plano de Saúde Hapvida. Os donos da  TV Pajuçara são políticos alagoanos e empresários. Entre os acionistas, estão o prefeito de Maceió, Rui Palmeira, e o industrial Emerson Tenório, proprietário da Socôco. A TV Gazeta pertence à Organização Arnon de Mello, da família do senador Fernando Collor.

Na madrugada da terça-feira (25), esse foi o grito que ecoou na porta das emissoras: “Hoje, a notícia é a greve dos jornalistas!”. Profissionais vestidos de preto concentraram-se na porta da TV Gazeta e, de lá, o grupo de mais de duzentas pessoas foi dividido para a portaria da TV Pajuçara e da TV Ponta Verde. Os telejornais da manhã já sentiram o efeito. 

Na TV Gazeta, afiliada da TV Globo, o Bom Dia Alagoas, veiculado de 6 h às 8 h, com as primeiras notícias do dia, na terça-feira transmitiu um programa gravado, apresentado por uma jornalista inexperiente, com matérias reprisadas e antigas. Um desastre!

O segundo telejornal da manhã, o Balanço Geral – Alagoas, da TV Pajuçara, afiliada da Rede Record, com uma hora e meia de duração, precisou preencher o espaço com previsão meteorológica e câmeras de trânsito. “A única matéria do dia foi sobre uma vaca que caiu no canal do Sertão”, conta o diretor-executivo do Sindjornal, Thiago Correia, que é um dos jornalistas mais premiados do Estado e faz parte do elenco da TV Pajuçara.

Os telejornais da manhã, gravados, sem inserções ao vivo e rasos de conteúdo, fizeram com que a hashtag #QuemPagaFazAoVivo ficasse no topo dos assuntos mais comentados do twitter no Brasil por toda a manhã. A repercussão obrigou os telejornais do meio-dia a emitirem nota dos patrões falando sobre a greve e tentando convencer os telespectadores de que as empresas não estão propondo reduzir salários.

À noite, a sociedade alagoana já tinha se dado conta da “balbúrdia” na programação da TV.  ” O AL 2ª edição, que é o jornal de maior audiência no estado, foi ao ar com matérias velhas, repetidas da manhã. Os dois programas líderes de audiência da TV Pajuçara não foram veiculados: Pajuçara Noite e Cidade Alerta – Alagoas”, relatou Thiago Correia.

Com esse nível de adesão, a categoria dos jornalistas está dando exemplo de um importante aprendizado coletivo. “Essa greve já é histórica, porque mostra aos patrões que,  sem os jornalistas, a programação não tem qualidade. O jornalismo é um produto que nós construímos com compromisso, um trabalho em equipe, e isso precisa ser respeitado”, enfatiza Thiago.

O acúmulo de prejuízos financeiros, humilhação de profissionais e degradação das relações de trabalho nas redações de jornais, sites e telejornais, culminou numa manifestação coletiva de indignação, que uniu a categoria como há tempos não se via. 

A jornalista Fátima Almeida, que conviveu, na década de 80, com os combativos jornalistas comunistas Freitas Neto e Denis Agra, e já participou de duas greves nesse período, avalia que o atual movimento grevista não tem precedentes. “Essa é a greve mais significativa do jornalismo alagoano, pelo volume de adesão, apoio da sociedade é a greve mais expressiva da década de 80 para cá”, destaca Fátima.

Uma greve vitoriosa não é determinada apenas pela conquista das reivindicações, mas por um salto de qualidade na organização sindical. Como disse Lenin, “quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas”.

(*) Lenilda Luna  é  jornalista



(Com "A Verdade")

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