Menina em fuga dos nazistas



Em 1933, Anne Frank e a família fugiram da Alemanha para Holanda. Para escapar dos nazistas, eles tiveram de se esconder durante a Segunda Guerra Mundial. Viveram dois anos nos fundos de uma casa em Amsterdã. Mas alguém denunciou o esconderijo, e, em 4 de agosto de 1944, a família foi descoberta, presa e deportada para o campo de extermínio de Auschwitz.




"História de Anne Frank mostra aonde o ódio pode levar"

Diretor do Centro Anne Frank em Berlim, Patrick Siegele explica por que a menina judia, que estaria completando 90 anos, continua sensibilizando tantas pessoas, principalmente crianças e adolescentes.

    
Nas comemorações dos 90 anos de Anne Frank, a menina judia que daria um rosto ao Holocausto com a publicação de seu diário, o diretor do Centro Anne Frank em Berlim, Patrick Siegele, diz que a história dela mostra aonde o ódio pode levar e fala da importância de manter essa memória viva, sobretudo entre os mais jovens.

"Isso é algo que os jovens talvez ainda possam compreender atualmente – que até hoje tendemos a reduzir as pessoas ao seu pertencimento a um determinado grupo, que disso resultam preconceitos e estereótipos e que não vemos mais o ser humano como tal. Anne Frank também escreveu em seu diário: 'Quando seremos humanos novamente e não apenas judeus?', afirma Siegele, em entrevista à DW.

Deutsche Welle: Por que existe um Centro Anne Frank em Berlim e não em Frankfurt, local de nascimento de Anne Frank?

Patrick Siegele: Há também uma instituição educacional em Frankfurt. Aqui na capital alemã, o centro é uma organização parceira alemã da Casa de Anne Frank em Amsterdã.

Essa foi uma decisão tomada após a Reunificação na década de 1990, quando a Casa Anne Frank, em Amsterdã, decidiu apoiar uma organização em Berlim que promoveria a memória de Anne Frank também ali e nos novos estados do Leste alemão.
                                                                                     
                                           Entrada do Centro Anne Frank no bairro de Mitte em Berlim     

Não havia nenhum memorial para Anne Frank na antiga Alemanha Oriental?

Costuma-se dizer que, devido à amizade com os países árabes, na República Democrática Alemã (RDA) não havia espaço para lembrar vítimas judias. Não se pode dizer isso de forma genérica. Anne Frank é um bom exemplo. A estreia da peça O diário de Anne Frank em 1956 aconteceu simultaneamente em Dresden e em Berlim Ocidental.

Havia também as Escolas Anne Frank e as Brigadas Anne Frank. Na Alemanha Oriental, também houve um culto à memória de Anne Frank, embora ela e sua família fossem vistas como combatentes da resistência e suas identidades judaicas não fossem tão enfatizadas. Mas ela era conhecida e seu diário foi publicado várias vezes na RDA desde 1957.

Qual é a tarefa do Centro Anne Frank?

Nós a resumimos com as palavras lembrança e engajamento. Por um lado, trata-se de lembrar Anne Frank como vítima do nacional-socialismo, especialmente junto a crianças e adolescentes. Com mostras itinerantes e a exposição aqui na casa, com o Dia de Anne Frank. Por outro lado, há sempre a questão: o que a história de Anne Frank, a discussão sobre o nazismo e o Holocausto têm a ver conosco hoje em dia?


O que Anne Frank pode dizer às crianças e aos jovens de hoje?

Anne Frank e seu diário também dizem muito sobre nós mesmos: no aprendizado biográfico, são estabelecidas conexões entre Anne Frank e os próprios adolescentes. Há tantas coisas em comum que esses jovens podem encontrar: sonhos, problemas cotidianos e pensamentos semelhantes que podem ocorrer em todo o mundo. Mas a diferença é que, como judia, Anne Frank viu negado o seu direito à sua vida, foi discriminada e teve que entrar na clandestinidade.

Esse é um nível muito simples em que os adolescentes são capazes de aprender alguma coisa. Eles conhecem Anne Frank através de seu diário e, em nossas exposições, eles a veem como uma jovem normal, como eles o são.

Mas a história de Anne Frank mostra aonde o ódio, o antissemitismo e a exclusão podem levar e que ela foi reduzida a apenas uma parte de sua identidade. Ela não era apenas a garota e a adolescente, a namorada e a boa aluna – ela também era judia e isso foi decisivo para o que lhe aconteceu e para que ela, no final, viesse a morrer.

Isso é algo que os jovens talvez ainda possam compreender atualmente – que até hoje tendemos a reduzir as pessoas ao seu pertencimento a um determinado grupo, que disso resultam preconceitos e estereótipos e que não vemos mais o ser humano como tal. Anne Frank também escreveu em seu diário: "Quando seremos humanos novamente e não apenas judeus?"

Quanto ao quesito do engajamento, sempre surge a pergunta: o que eu posso fazer? Até onde vão meus espaços de ação? Naquela época, as pessoas esperaram tempo demais. Muitos não conseguiam imaginar até onde aquilo podia levar.

Quando ainda era mais fácil reagir ou diferenciar as coisas, as pessoas não fizeram o suficiente. E, gradualmente, os espaços de ação, tanto para os perseguidos, mas também para a maioria da população na ditadura ficaram cada vez mais restritos. E em algum momento já era tarde demais.

Muitos jovens e turmas de escola vêm aqui?

Somente aqui em nossa exposição, supervisionamos todos os anos cerca de 10 mil jovens ou pessoas de outras idades em nossos programas educacionais. No total, contamos com cerca de 35 mil visitantes. Mas também há aqueles jovens a quem chegamos através de nossas mostras itinerantes. Isso representa entre 15 mil e 20 mil pessoas adicionais por ano.

Dos visitantes, cerca de dois terços não são de língua alemã. Nossa exposição em Berlim se dirige especialmente a famílias. Na cidade, há poucas opções para crianças e adolescentes sobre o tema do nazismo e do Holocausto. Embora existam muitos memoriais e exposições, eles são destinados a um público adulto.

Isso torna nossas exposições atraentes para grupos familiares. E Anne Frank é muito conhecida internacionalmente. Seu diário foi traduzido para 80 idiomas, e por isso muitas pessoas já ouviram falar dela. Nem todos podem ir a Amsterdã para visitar a Casa de Anne Frank.

Nossa exposição traz informações sobre Anne Frank e faz uma ponte da história com o presente. Trata-se de questões do antissemitismo hoje, de questões memoriais. O que isso significa? Acima de tudo, a mostra é destinada a crianças e adolescentes, para que reflitam sobre essas questões, para que participem e para que elas mesmas deixem algo aqui no museu. É no verdadeiro sentido da palavra uma exposição interativa que incentiva a participação.

Você diz que é feita uma ponte da história com o presente. O que os adolescentes dão de volta?

É claro que os próprios jovens também fazem relações do passado com o presente. Procuramos assegurar que eles não sejam deixados sozinhos nas exposições itinerantes. Às vezes, cooperamos com educadores de museus locais ou professores de História para que os jovens possam se dirigir a alguém com essas perguntas ou se precisarem de ajuda. Isso acontece muitas vezes especialmente com o tema da perseguição e fuga.

Nós também publicamos material sobre isso, "Fuga no CV", no qual abordamos a história da migração e fuga da família Frank. Porque muito poucas pessoas sabem que Otto Frank também trabalhou ativamente para deixar Amsterdã depois que a Wehrmacht [Forças Armadas de Hitler] invadiu a Holanda em maio de 1940.

Embora ele e sua esposa tivessem parentes nos EUA e ele até mesmo houvesse trabalhado em Nova York por algum tempo, Otto Frank não conseguiu visto para sua família. Entre outras coisas, porque eram considerados apátridas – afinal, os nazistas privaram os judeus no exterior de sua cidadania em 1941. Posteriormente, também não havia mais consulado americano na Holanda.

Tudo isso fez com que a família não tivesse outra escolha a não ser se esconder. Nesse ponto, há talvez semelhanças com as atuais histórias de fuga. No entanto, sempre há diferenças e, para nós, também é muito importante enfatizar a especial natureza da situação da família Frank e, portanto, a particularidade da perseguição dos judeus e de trabalhar esse tema com os jovens.

Não é possível comparar tudo: e claro que um genocídio sistematicamente organizado, como o Holocausto, onde o Estado e todas as suas instituições trabalharam para destruir uma minoria não apenas na Alemanha, mas mais tarde também na Europa, não pode ser equiparado ao que está acontecendo hoje em termos de exclusão, discriminação e perseguição.

Também é importante conversar com os jovens sobre essas diferenças, mostrar que vivemos numa democracia constitucional e que é importante preservá-la.

(Com a Deutsche Welle)

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