Movimentos Sociais reivindicam: “Queremos mais Direitos Humanos, para todos e todas”


                                                                         
As organizações signatárias vêm a público para manifestar sua profunda preocupação com os caminhos da política de direitos humanos no Brasil. Em que pese o fato de que a política de direitos humanos nunca fora efetivamente uma política de Estado no Brasil, mas sim de alguns órgãos e setores de determinados governos, o que ora vivemos é um processo de total desestruturação, desmonte e retrocesso nas garantias constitucionais e de direitos humanos, conquistados a partir de muita luta da sociedade civil organizada. 

O atual governo brasileiro ataca de forma flagrante os compromissos com direitos humanos e age no sentido de desproteger a cidadania. Não há o menor respeito ao princípio da proibição do retrocesso e de investimento do máximo de recursos para a garantia dos direitos humanos. Há um movimento brutal de submissão dos direitos e da vida aos interesses fiscais que, em nome de sanear o Estado, drenam recursos para o capital financeiro especulativo e retiram as condições para o investimento em políticas voltadas aos direitos humanos. Diante deste quadro, as chamadas instituições democráticas brasileiras, não têm sido capazes, não possuem mecanismos ou não querem enfrentar as perdas e os retrocessos que vivemos.

As organizações estão especialmente preocupadas com o abandono dos compromissos constantes no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) – que, em breve completará 10 anos (publicado em 21/12/2009) -, e com vários outros planos, entre eles, o Plano Nacional de Educação, o de políticas públicas para mulheres, o de igualdade racial, o de promoção da população LGBTQI, o de educação em direitos humanos, entre tantos outros. 

O anúncio do “Programa Juntos pela Vida: Família e Direitos Humanos”, feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para o período 2019-2023, por meio da Portaria no 2.467, de 06/09/2019, aponta para prioridades que são muito diferentes daquelas constantes destes compromissos construídos com a participação da sociedade civil brasileira. Há clara sobreposição de propostas de ação e, ainda que as anteriores não tenham sido revogadas, de longe estão entre as prioridades a serem implementadas. 

Muito nos preocupa também o fechamento e inviabilização dos espaços de participação social, tais como os Conselhos, Comitês e as Conferências, em várias áreas de direitos e políticas. Está claro para nós que a série de ações de restrição orçamentária, estrutural e de autonomia política, são tentativas de desgastar e inviabilizar a atuação efetiva e de denúncia que vem sendo executada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos. O recente fato da destituição da Procuradora Débora Duprat da função de conselheira no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e em perspectiva de assumir a presidência do CNDH em 2020, pelo atual Procurador Geral da República Augusto Aras, é uma amostra do desrespeito, autoritarismo e intervencionismo na autonomia deste Conselho.

Além de todas as perdas já ocorridas, nos preocupa profundamente o potencial de projetos e medidas já anunciadas e em andamento que colocam risco a garantia dos direitos humanos e das vidas de muitas pessoas. Entre elas está a afirmação do Estado punitivo constante na proposta do pacote anticrime e o teor do que será aprovado do projeto apresentado pelo governo (já passou pelo Senado e agora vai para a Câmara). Aspectos como o aumento do tempo máximo de cumprimento de pena, de 30 para 40 anos, são vistos por especialistas como um risco que favorece a lógica do encarceramento, num Brasil que já tem aproximadamente 812 mil pessoas presas, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de julho deste ano. 
                                                                   
Outra crítica ao projeto diz respeito à criação de um banco de perfil genético para fichar informações de pessoas que passam pelo sistema de Justiça criminal, medida esta, que segundo especialistas, pode ajudar a endossar o preconceito social que atinge ex-detentos, por exemplo. Tão, ou mais grave, é a da insistência do governo em querer garantir o excludente de ilicitude para os agentes de segurança pública, mesmo diante da inconstitucionalidade contida nesta matéria e dos reais riscos à ampliação da ação violenta das polícias, colaborando para o aumento dos confrontos na sociedade, para o avanço no extermínio da juventude negra e pobre das periferias e com a população negra em geral, bem como para o ataque a lideranças e defensores/as de direitos humanos, que fazem luta pela terra, pelos territórios, pela natureza e pelos bens comuns e se encontram expostos a diversas situações de violências.

As propostas de Emendas Constitucionais do Plano Mais Brasil, efetivamente vão na contramão de conquistas históricas, destruindo, inclusive, direitos já garantidos. É grave a proposição de que “será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”, sugerido como parágrafo único ao artigo 6o da Constituição Federal. Junto com esta estão as propostas de desvinculação dos recursos, inclusive com mudanças para os recursos previstos para a garantia do direito à saúde e à educação. 

Estas medidas, somadas a outras e aos impactos da Emenda Constitucional no 95/2016 agravarão ainda mais os problemas para a garantia e a efetividade dos direitos sociais, com forte impacto na ampliação das desigualdades sociais no país. Esta preocupação se intensifica, com o Plano Pluri Anual (PPA 2020-2023) proposto pelo governo, que não menciona o fortalecimento da democracia e “esvazia os direitos”, uma vez que os recursos previstos para o período na área social são 40% menores do que os recursos previstos para a área econômica, que é objetivamente prioritária em favorecimento aos mais ricos. Ou seja, em nome da “simplificação” e do “realismo fiscal”, os direitos humanos, definitivamente, não estão nos planos do governo brasileiro, a não ser para serem desmontados e atacados.

As organizações também manifestam sua profunda preocupação em relação à participação e aos direcionamentos realizados pelo Brasil nos espaços multilaterais, em especial nos de direitos humanos. Nestes espaços a diplomacia brasileira tem assumido posições que rompem com a tradição brasileira acumulada há décadas, às quais, em grande medida, historicamente afirmaram e se comprometeram com a defesa do universalismo, do avanço das liberdades, da promoção progressiva dos direitos humanos, vide os ataques perpetrados contra documentos e convenções internacionais que versam sobre a defesa da igualdade de gênero, racial, entre outras. 
                                                                                   

Estas posições, que também se traduzem em ações dentro do País, não reconhecem os direitos humanos como proteção e garantia para todos e todas. Elas são seletivas, pautadas por valores conservadores e com forte caráter de fundamentalismo religioso de cunho cristão. Tais posições que se orientam pela defesa de que os direitos humanos são para os “humanos do bem”, os “humanos direitos”, em oposição aos demais seres humanos, caracterizados como minorias, como “bandidos” e apoiadores de bandidos são frequentemente defendidas por setores do governo com argumentos bíblicos distorcidos em detrimento da Constituição. 

Distorcem o direito à liberdade religiosa para promover o racismo religioso, a misoginia, a LGBTIQfobia, o ódio às populações originárias e tradicionais, a violência e a eliminação daquelas pessoas e grupos sociais que são consideradas expressão do mal, entre elas: mulheres, LGBTIs, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, negros e negras, juventudes, crianças e adolescentes. Estabelecem falsa dicotomia entre “defesa de valores e direitos da maioria moral e valores e direitos da minoria. 

Dizem que os valores e os direitos das minorias não podem estar acima dos valores e direitos da maioria. Para a sociedade civil, que recentemente se manifestou contra a recondução da candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, fica a preocupação com a falta de orientação para a atuação na perspectiva da universalidade, da imparcialidade, da objetividade e da não-seletividade, do diálogo internacional construtivo e da cooperação com vistas a aprimorar o respeito, a promoção e a proteção de todos os direitos humanos, de acordo com o Artigo 4o da Resolução no 60/251 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
                                                                             
Finalmente, as organizações signatárias instam as instituições, tais como o Parlamento, o Ministério Público, o Poder Judiciário, a cumprirem com suas responsabilidades no que se refere ao fortalecimento da democracia e ao cumprimento das garantias constitucionais e com os compromissos em direitos humanos. Também manifestam solidariedade aos lutadores e às lutadoras do povo, aos defensores e às defensoras de direitos humanos, às lideranças sociais e políticas, que seguem em luta pelos direitos humanos, de cabeça erguida, com coragem, dizendo “queremos todosos direitos humanos para todas e todas, já!”. 

Solidarizam-se também com os sujeitos, as lideranças, organizações e povos que estão na resistência e na luta no Brasil e em vários países da América Latina e do mundo. Conclamam à solidariedade interorganizacional no plano nacional e internacional e afirmam que somente a formação de alianças estratégicas de resistência ativa e criativa ajudarão nesta travessia difícil, mas que se alimenta do esperançar dos que há séculos lutam e conquistam espaços de mais igualdade e participação. Afirmam que direitos humanos continuam cada vez mais fazendo sentido como conquistas, razão pela qual seguirão fazendo processos de resistência, luta e de organização no cotidiano, em cada pedaço, em cada canto, em cada mente e em cada coração.

Viva os direitos humanos, viva o dia mundial dos direitos humanos.

Brasil, 10 de dezembro de 2019.

Assinam este Manifesto

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil
Fórum Ecumênico ACT Brasil – FEACT
Processo de Articulação e Diálogo Internacional – PAD
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Acesso Cidadania e Direitos Humanos
Aliança Nacional LGBTI
Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA
Art Jovem
Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
Associação Nacional de Educadores e Educadoras Sociais – ANEES
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Articulação Nacional de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos –
ABGLT
Associação Brasileira de Homeopatia Popular – ABHP
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente – AMENCAR
Associação de Mulheres Negras do Acre
Associação de Mulheres Unidas da Serra (AMUS)
Associação de Pesquisa Xaraiés – Xaraiés
Associação dos Amigos do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes –
AAMOBEP
Associação dos Retireiros do Araguaia – ARA
Associação Sócio Cultural e Ambiental Fé e Vida – Sociedade Fé e Vida
CDDH Pedro Reis
CDEs Direitos Humanos
Centro Burnier Fé e Justiça, CBFJ
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA
Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdicio B dos Santos (CADH)
Movimento Nacional de População de Rua no ES (MNPR-ES)
Centro de Apoio as Iniciativas Sociais – CAIS
Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã I/MS
Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa – CDHVS
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini34. Centro de Defesa dos Direitos Humanos Antônio Conselheiro – CDDHAC
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra/ES
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Londrina e MNDH/PR
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno de Marapé/ES
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre – CDDHEP
Centro de Defesa dos Direitos Humanos Nenzinha Machado/PI
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia
Centro de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia
Centro de Direitos Humanos de Palmas
Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennès – CDHDMB
Centro de Direitos Humanos Dom Pedro Casaldáliga
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular – CDHMP
Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade – CDHHT
Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz
Centro de Direitos Humanos Sarandi
Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP
Centro de Estudos Feministas e Assessoria – CFEMEA
Centro de Estudos, Pesquisa e Ação Cultutal – CENARTE
Centro de Referência em Direitos Humanos – UFRN
Centro do Negro do Pará – CEDEMPA
Centro Dom Hélder Câmara de Educação e Ação Social – CENDHEC
Centro Dom José Brandão de Castro – CDJBC
Centro Pastoral para Migrantes – CPM MT
Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo
Coletivo LESBIBAHIA
Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul – CRJPMS
Circulo Palmarino
Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça
Coletivo Feminino Plural
Coletivo Mães Eficientes Somos Nós
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo – CDHPF
Comissão de Justiça e Paz de Brasília
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Comissão Pastoral da Terra – CPT – MT
Comissão Regional de Justiça e Paz de Mato Grosso do Sul – CRJPMS
Comitê de Direitos Humanos Dom Thomás Balduíno
Comitê de Prevenção e Combate a Tortura do Piauí
Conceitos Ecológicos e Etnoecológicos aplicados à conservação da água e Biodiversidade
do Pantanal – CONECTE
Conselho Indigenista Missionário – CIMI – MT
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE/ES
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE/MT
FIAN Brasil
Fórum Municipal de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas
Fórum de Mulheres do Mercosul – Seção Lages/SC
Fórum Direitos Humanos e da Terra – FDHT- Mato Grosso
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacia Hidrográfica – Fonasc CBH/MT
Fórum de Mulheres do ES85. Fundação Instituto Nereu Ramos
Fundação Luterana de Diaconia – FLD
Grupo Arareau de Preservação e Educação Ambiental – Grupo Arareau
Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa
Grupo Dignidade
Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê (Universidade de Brasília)
Grupo Identidade LGBT
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte, GPEA-UFMT
Grupo Semente da Chapada dos Guimarães/MT – Grupo Semente
IDEAS – Assessoria Popular
Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual – Campinas
Instituto Braços
Instituto Brasil Central – IBRACE
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
Instituto Caracol – ICaracol
100.Instituto Centro de Vida – ICV
101.Instituto Dakini
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
Instituto de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – IDHESCA
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental – Instituto Gaia
Instituto DH
Instituto Terramar
Instituto Trabalho Digno
Instituto Vladimir Herzog
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço
Marcha Mundial de Mulheres / SC
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH/SC
Movimento Nacional de Filhas e Filhos de Trabalhadoras e Trabalhadores
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade/PA
Movimento do Espírito Lilás
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST MT
Movimento Luta Antimanicomial – ES
Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador NEAST ISC
Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos – NERU – UFMT
Observatório da Juventude/ES
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA
Organização de Direitos Humanos Projeto Legal-RJ
Pastoral Carcerária Nacional
Pastoral da Juventude
Pastoral Carcerária do Regional NE 1 da CNBB – Ceará
PASTORAL OPERÁRIA NACIONAL
Plataforma Nacional de Crianças e Adolescentes com Familiar Encarcerados. CAFE’s
Projeto Meninos e Meninas de Rua – PMMR
Rede Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática –
REAJA
Rede Mato-grossense de Educação Ambiental – REMTEA
Rede Afro LGBT
Rede Gay Latino136. Rede SAPATÁ
RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
SERPAZ – Serviço de Paz
Sindicato dos Trabalhadores no Ensino o Público de Mato Grosso – SINTEP MT
Sociedade Colatinense dos Direitos Humanos
SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias – UNICOPAS
UNA LGBT – União Nacional de Lésbicas Gays Bissexuais Trans Travestis e Intersexos
UNISOL Brasil

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