Dossiê Jango -Um filme de Paulo Henrique Fontenelle


                                                             
Dossiê Jango
publicado em 22/10/2012 

Roberto Saturnino Braga (*)
Fonte
Correio Saturnino - 230/2012

Mais um filme que merece ser visto, pelo interesse histórico, pelo interesse político, pelo debate que está longe de terminar. João Goulart foi um Presidente do Brasil, deposto por um golpe militar há quase cinquenta anos, que morreu no exílio dez anos depois do golpe, em circunstâncias que envolvem mistério não desvendado. Morreu num intervalo de poucos meses em que morreram, também misteriosamente, os outros dois grandes líderes brasileiros que se haviam unido numa frente ampla para derrubar a ditadura militar: Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.

Trata-se de um documentário feito sem grandes pretensões de inovação cinematográfica, e bem feito, embora pudesse ter talvez dez minutos a menos. Um documentário que tem como principal figura depoente o filho do Presidente, João Vicente Goulart.

Além de cobrar com veemência uma atitude mais decidida do governo brasileiro no esclarecimento sobre o muito que resta de dúvida a respeito da natureza da morte de Jango, o filme recompõe as tensões políticas do tempo em que ele exerceu a Presidência, mostrando verdades encobertas pela versão dos vencedores de então. Esta versão carimbou a figura de João Goulart com os rótulos de incompetente e frouxo na liderança, e de golpista que pretendia implantar uma república sindicalista, além de permissivo na corrupção.

A incompetência é desmentida pelo forte e decidido empenho da grande potência do Norte em criar um clima de perturbação no País, para impedir, por todas as formas, por todos os meios, a repetição da revolução cubana no continente, especialmente num país das dimensões do Brasil.. Esta decisão norte-americana significava a sabotagem eficaz de um governo que mostrava simpatia pela liderança e pelas realizações de Fidel Castro. 

A sabotagem era total, compreendendo o noticiário confuso da mídia, os desarranjos na economia, com a disparada da inflação, a dissensão crescente entre as forças políticas que davam apoio ao governo, e a ação de agentes provocadores de radicalização, do tipo Cabo Anselmo. Neste clima da sabotagem eficiente, é muito injusto acoimar de incompetente o chefe do governo porque tudo parecia dar errado. Algo muito semelhante ocorreu anos depois no Chile de Salvador Allende, em que todo dia havia um problema ou uma greve e o governo parecia inoperante.

Incompetentes, sim, foram alguns líderes que participavam do poder e forçaram o enfrentamento achando que podiam vencer as forças realmente golpistas, mil vezes mais fortes. Incompetentes foram os que açularam a revolta dos sargentos em Brasília e a dos fuzileiros no Rio. Incompetente não foi Jango, que percebeu o perigo, sentiu os limites em que podia operar os avanços de suas reformas dentro do regime democrático, e convocou para ajudá-lo nesta operação os brasileiros mais competentes que estavam dispostos a exercer esta missão de tentativa conciliatória, como Santiago Dantas, Tancredo Neves, Celso Furtado, Moreira Sales, Hélio de Almeida. Mostrou novamente a sabedoria que já havia revelado ao aceitar a proposta mediadora do parlamentarismo para assumir a presidência na crise militar e depois recuperar, pelo voto democrático, seus plenos poderes.

No clima incendiado pelos que projetavam o golpe de direita, esses brasileiros competentes não puderam fazer nada: venceram as correntes da radicalização. E Jango, fiel aos amigos de toda vida que haviam embarcado nesta radicalização, demonstrou sua firmeza de caráter, ao rejeitar as propostas de guinada para a direita que lhe foram oferecidas e optar pela gente que tinha estado do seu lado desde os tempos de Getúlio Vargas. 

O filme poderia ter mostrado mais esta face importante do grande episódio histórico, a consciência da realidade que engrandece Jango pela maturidade e pelo caráter. Mostrou, porém, a outra boa face, que depois foi malevolamente apelidada de frouxidão, a da sua sabedoria e do seu amor ao povo e ao País, manifestada ao rejeitar a hipótese de luta, que sangraria profundamente o povo e poderia dividir o Brasil em Norte e Sul, como ocorreu na Coréia e no Vietnam.

O filme é um chamamento à Comissão da Verdade, para que cuide do assunto e investigue melhor a morte do Presidente João Goulart, pedindo inclusive informações ao governo da Argentina, que possivelmente tem elementos importantes nunca solicitados, e que certamente os fornecerá, como colaboração ao desvendamento das atividades dessa sinistra Operação Condor.

Vale a pena ver o filme e meditar sobre aquele momento da nossa História, sobre a importância decisiva da política e as qualidades de sensibilidade e de clarividência que ela exige, como também sobre a grandeza humana que ela requer nas horas críticas, qualidades que não faltaram ao Presidente João Goulart.

(*) Roberto Saturnino Braga, foi senador pelo PT/RJ, preside o Instituto Solidariedade e integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É autor de O Curso das Ideias: A história do pensamento político no Brasil e no Mundo, editado pela Editora Fundação Perseu Abramo. Contato: saturnino.braga@uol.com.br.

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