Os desafios da luta anticapitalista no Brasil

                                                          
Rodrigo Lima (*)

As ilusões construídas em torno do mote “Muda Mais” durante a campanha eleitoral de Dilma Rousseff não duraram muito mais que alguns dias após o fim das eleições. O imaginário do eleitorado que votou na candidata do PT acreditando que seria possível a construção de uma agenda política que de fato atendesse às demandas e as reivindicações dos setores populares e da classe trabalhadora esvaiu-se na fumaça.

A ameaça do 'retorno do projeto neoliberal' expresso na figura de Aécio Neves acabou por unificar alguns setores da esquerda socialista em torno da candidatura de Dilma e levou as ruas milhares de militantes de movimentos sociais e populares que jogaram um peso decisivo em sua recondução à Presidência da República. 

Contudo, este fator foi superestimado e é preciso levar em consideração um elemento que a tática petista fez 'desaparecer' como um passe de mágicas do processo de construção de campanha em 2014. Uma das bases fundamentais da reeleição de Dilma Rousseff foi o apoio de amplos setores da burguesia que apostaram pesado na reeleição do projeto petista.

Não foi à toa que a campanha de Dilma recebeu R$ 318 milhões de reais financiados pelo capital monopolista. Este dado simboliza e expressa didaticamente que o projeto em curso no Brasil está submetido aos interesses do capital, no qual os trabalhadores e os setores populares entram a reboque, como elementos importantes para legitimação de um projeto desenvolvimentista do capital, no qual a classe trabalhadora deve ser submetida, controlada e apassivada para que o capitalismo avance tranquilamente seu curso, sem maiores sobressaltos.

A agenda política do 'novo' governo Dilma expressa essa configuração. O aumento da taxa de juros, a anunciada austeridade nas contas públicas, no sentido de preservar o pagamento da dívida pública e a restrição de direitos previdenciários, que afetam diretamente os trabalhadores, são pontas de um iceberg. A composição ministerial só pode fazer espantar aqueles que compraram a ilusão de que seria possível uma guinada à esquerda. 

O lulodilmismo, expressão política de um projeto de desenvolvimento capitalista sustentado pela 'pactuação' entre capital e trabalho, procura sua manutenção, realizando agora os ajustes necessários para a sobrevivência e crescimento do capital.

Para a continuidade do lulodilmismo é preciso conservar as aparências, reforçando uma falsa dicotomia entre PT e PSDB, através da criação de um cenário de ameaças da direita, o que mantêm na defesa do governo amplos setores dos movimentos sociais e sindicais cooptados como base social do projeto de conciliação de classes. 

As pautas de 'golpe da direita', 'onda conservadora', 'mídia golpista', 'ameaças externas', 'reforma política' são, em verdade, cortinas de fumaça que conseguem matar dois coelhos com uma cajadada só. Ao mesmo tempo que retiram o foco da verdadeira luta a ser travada (contra o capital) conseguem manter amplos setores dos movimentos sociais, populares e sindicais mobilizados e amarrados ao projeto político em curso.

A ideia de um governo em disputa dentro da institucionalidade, irradiado nos primeiros anos do governo Lula, já perdeu o sentido. Porém, essa noção está sendo reoxigenada, com outro matiz. Agora a disputa pelos rumos do governo deve se dar nas ruas, no qual os movimentos sociais e os trabalhadores devem pressionar o governo pró-mudanças à esquerda. 

A tática petista se reforça com discursos de lideranças nacionais do PT, como os de Lula e Tarso Genro, que vem declarando que é preciso reconstruir alianças com a esquerda socialista, que os jovens devem se manter nas ruas, etc. Tais discursos têm como plano de fundo reforçar a hegemonia petista nos movimentos de massa, duramente ameaçada pelas jornadas de junho de 2013.

Uma nova hegemonia nos movimentos de massa que vem sendo construída pela base através de movimentos e organizações, que seguem combativos e que não se renderam ao lulodilmismo, tem sofrido algumas respostas por parte do governismo: a repressão estatal por um lado e a cooptação política por outro. Essa lógica tem por finalidade desestruturar qualquer alternativa que se oponha de fato ao sistema e que esteja fora do 'pacto' entre as classes.

O cenário da luta de classes no Brasil é árduo e complexo para as forças anticapitalistas. 

A luta contra a hegemonia burguesa passa pelo combate ao governismo, ao reformismo e aos setores políticos conservadores (para além daqueles que se aliaram ao projeto petista) que terão na institucionalidade e nos canais da grande mídia um palanque permanente para fazerem 'oposição', caracterizada por um falso discurso de mudanças e que em verdade não se diferencia em nada ao atual programa político e da forma de condução do Estado.

Os partidos, movimentos e organizações que não embarcaram no 'canto da sereia' do projeto petista construíram nos últimos dez anos uma série de formulações, práticas e mobilizações políticas, que voltadas para a base dos movimentos sociais e populares, conseguiram construir um potencial de lutas e de organização que teve como sua principal expressão as jornadas de junho de 2013. 

Não podemos esquecer que as amplas mobilizações tiveram sua origem na organização e no trabalho de massa desenvolvido por uma série de organizações que, apesar de apresentar uma diversidade política e ideológica, têm como ponto de unidade o anticapitalismo.

A luta anticapitalista vem sendo duramente atacada. Os partidos da ordem através dos mecanismos de repressão do Estado tem procurado reprimir os movimentos de massa. O petismo através da permanente cooptação busca inserir pautas governistas como bandeiras a serem levantadas, confundindo a luta. Já os setores ligados à extrema-direita tentam construir um movimento de massas que dê sustentação ao projeto de fascistização da sociedade.

O desafio das forças anticapitalistas é manter-se nas ruas, mobilizando e organizando as pautas populares e da classe trabalhadora, não se deixando intimidar e cooptar pelos falsos discursos e pelas bandeiras plantadas para dispersar e confundir o que deve ser a luta central: derrotar o capitalismo.

É necessário avançar na construção de um programa e de uma agenda política anticapitalista, que não vise as próximas eleições, mas sim a construção de uma alternativa política e histórica, que pode ter no Poder Popular a principal bandeira para a unidade das diferentes organizações que compõem o vasto campo anticapitalista no país. A frente anticapitalista deve deixar de ser um enunciado para concretizar-se.

O ano de 2015 promete ser um ano intenso. Tudo aponta para o recrudescimento das políticas de austeridade, a perda de direitos dos trabalhadores e o aumento da repressão e da criminalização de quem luta. Em contrapartida, pode-se apostar no crescimento das mobilizações e reivindicações de corte classista e popular, que serão alvo de disputa entre as forças reformistas e anticapitalistas.

O terreno eleitoral, já está demonstrado, é de domínio da burguesia e não deve haver ilusões. Nossa luta é nas ruas, junto aos movimentos de massa e as organizações da classe trabalhadora. Se os ricos têm os meios, as ruas são e devem ser, cada vez mais, nossas!

(*) Rodrigo Lima é mestre em Sociologia. É professor do IFSC e da rede pública estadual de Santa Catarina e membro do Comitê Regional do PCB/SC. (Com o Sítio do PCB)

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