Trincheira do Flávio Anselmo

                                                                   
    

CARATINGUENSE ILUSTRE? NEM TANTO

Caratinga do jeito que a vejo hoje poderia ser dividida em duas – espiritual e física. A primeira é aquela que ficou na alma e no coração, metaforicamente, dos que aqui nasceram. Como é o meu caso. 
As projeções que faço ou as imagens que dela recupero na nuvem do meu micro íntimo me trazem sempre uma cidadezinha calma, de gente calma, de política brava, mas que, passada a fase da briga de poder, tudo se acalma e todos se ajoelham juntos diante dos altares de suas convicções. 

Essa, no entanto, só existe na circunstância dos sonhos ou devaneios. Está enterrada. Virou página do passado e como tal só pode conviver com a gente feito fantasma, esqueletos de armário.

A realidade é outra, bem mais cruel. A cidadezinha gostosa, de clima saudável, de ruas pacatas e gente educada, está lotada de pessoas, de forasteiros, que por aqui aportaram atrás da fortuna e do progresso crescente da velha terra. 

Caratinga caiu no canto da sereia de que o progresso só se traduz em ruas cheias, desordenadas, carros aos montes, trânsito maluco, duas mil farmácias, 5 mil barzinhos e botecos, restaurantes caros e de comida duvidosa na maioria.

Ainda bem que o progresso tá que vem através da cultura e do saber dos cursos superiores. Boas gentes do passado foram substituídas por jovens comprometidos; se já não existem professores Armando Alves, Roldano, Waldemar, comprometidos com a educação familiar, aí sobrevive a interminável – graças – Míriam Mangelli; sem Monsenhor Rocha tem-se a sobriedade e o carisma do Monsenhor Raul, sem Padre Juquinha, vê-se Padre Humberto Borelli. Se foram sepultados o Colégio Caratinga, o Ginásio Nossa Senhora das Graças, Instituto Dona Isabel, Colégio das Irmãs, vieram as faculdades da Doctum e da Unec. Sem reverendo Uriel, veio Claudio seu filho, ao lado de seu filho Pedro, e por aí foi se transformando a minha velha Caratinga.

Há quem adore a atual. Particularmente não gosto. Minha filha Juliana, que nasceu na Capital, adaptou-se bem aqui, junto com a filha Luana, que também é de BH e mais Sophia e Stelinha que nasceram na nova Caratinga. 

Posso não gostar da atual Caratinga como gostava da velha Caratinga. Mas amo a atual porque acolheu tão bem quatro das sete mulheres que formam meus pilares do momento.

A Trincheira que está de férias, passando por Caratinga, no entanto assustou-se num aspecto. O comércio, sempre a grande força da cidade, não se ajustou na sua grande parte às pregações do mundo moderno. 

O cliente tem sempre razão e para enfrentar as lojas virtuais é preciso tratá-lo bem aqui. Não encontrei essa filosofia em algumas lojas da cidade, principalmente farmácias. Aquela da esquina da rua da Rodoviária velha e a rua dos Correios, no meio da confusão que os políticos maus administradores aprontaram no tal quarteirão – metade fechado e metade aberto, burrice descomunal – DROGARIA INDIANA – bem que pode passar por uma reciclagem nos seus atendentes. 

Um deles,brecou uma receita minha de Glifage XR, da farmácia popular, alegando que a mesma não tinha data. Mostrei-lhe o verso dela, com carimbo e data da rede Araújo, da Capital, absolutamente conceituada, e nem assim me atendeu. 

Sua burocracia fez-me procurar a farmácia seguinte, Inova, onde o atendente recebeu-me de braços abertos chamando-me pelo nome, reconhecendo-me como um filho da terra e não como qualquer forasteiro, que, certamente, me julgou o atendente bonitão, alto e com estilo de ator fracassado da novela das 10h na Globo.

Fui embora pra praia entristecido, porque alguém da nova Caratinga desconheceu alguém da antiga Caratinga, que tanto bem fez e faz para as duas, sem qualquer interesse político, a ponto da bondade de remanescentes da única Caratinga possível – a Boa Caratinga – intitularem de Caratinguense Ilustre. 

Comentários

Jurandir Persichini disse…
Caro Flávio Anselmo,

Nostalgicamente li sua ode ao ostracismo que todos nós vis imortais da escrita, mormente do jornalismo, somos renegados. E quero parabenizar pela sua sinceridade e confirmar suas expressões e verdades. Que bom encontrar pessoas como você ao longo de nossas caminhadas sempre a favor de uma sociedade mais honesta, participativa e engajada.
O que acontece com você também acontece comigo, mais ou menos com o mesmo enredo,em Raposos, cidade histórica que matriculei como Primeira Matriz de Minas Gerais e a inscrevi nos roteiros histórico/ turísticos... hoje descaracterizada! O José Carlos Alexandre conhece a história da "Moscouzinha".
Abraço ao emérito e emblemático "coleguinha".

Jurandir Persichini