A insurreição de 1935: nem ‘intentona’, muito menos comunista, diz a professora Marly Vianna

                                                                 
Agora em livro, relatório policial da época traz depoimentos que dão outra visão do levante

RIO - A insurreição da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em novembro de 1935, ficou mais conhecida como Intentona Comunista. Contudo, a historiadora Marly Vianna, professora aposentada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que o levante não foi nem uma “intentona” e muito menos “comunista”. Oito décadas depois de escrito, o Relatório Bellens Porto, investigação policial aberta após a insurreição rapidamente derrotada pelo governo de Getúlio Vargas, ganha sua primeira edição em livro — “A insurreição da ANL em 1935: O Relatório Bellens Porto” (Editora Revan, 324 páginas, R$ 48) — com texto de apresentação de Marly. Trata-se de uma oportunidade de jogar luz sobre a versão dos derrotados, que emerge nos depoimentos.
                                                            

Forças do governo se preparam para atacar o 3º Regimento de Infantaria na Praia Vermelha, durante a insurreição da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em novembro de 1935 - Arquivo/27-11-1935

— As insurreições de novembro de 1935 foram episódios da maior importância nas lutas democráticas do Brasil, desprezados pela fúria anticomunista. O Relatório Bellens Porto, delegado encarregado do inquérito policial no Rio de Janeiro, documenta a perspectiva dos vencedores e muitas das posições dos vencidos, através de suas respostas aos interrogatórios a que foram submetidos — afirma a historiadora. — Sempre que trabalhamos com fontes policiais devemos ter cuidado em verificar a autenticidade das informações. No caso do relatório, não encontrei nenhuma que fosse duvidosa.

Fundada em 23 de março de 1935, a ANL rapidamente alcançou amplo apoio popular. Menos de dois meses após sua criação, a aliança tinha mais de 50 mil apoiadores inscritos só no Rio de Janeiro. Era um momento de intensa movimentação política, com o surgimento de vários projetos antagônicos, que iam da extrema-direita, com os integralistas, à extrema-esquerda, com os comunistas.

Uniram-se em torno da ANL partidos e grupos de esquerda, além de sindicatos, organizações civis, militares e personalidades. O núcleo de organização era composto pelos tenentes que se sentiam traídos pela Revolução de 1930. 

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), entretanto, via o movimento com reservas e só aderiu em junho de 1935, quando Luiz Carlos Prestes, aclamado presidente de honra da ANL, lançou o documento “Por um governo popular nacional revolucionário”. Um mês depois a aliança foi declarada ilegal e colocada na clandestinidade por Vargas.

Marly aponta que, ao se chamar a insurreição de “Intentona Comunista”, promove-se uma completa distorção histórica. A alcunha foi dada pelo temido chefe de polícia Filinto Müller.

— Foi um levante militar, uma quartelada, se quiser, levada adiante principalmente por militantes (militares) da ANL. Aliás, como tantos outros levantes da História do Brasil na primeira metade do século XX, que não foram poucos, inclusive a própria revolução de 1930, vitoriosa a partir de levantes militares bem-sucedidos e alguns com uma violência extrema — argumenta a professora, que lembra o uso político do episódio por Vargas. — O governo de Getúlio Vargas aproveitou-se do fracasso do movimento para fortalecer-se no poder, sempre à base do anticomunismo, do qual se lança mão no Brasil para qualquer golpe antidemocrático.
(Com O Globo/Editora Revan)

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