Para além de esquerda e direita: a crise da representação se torna aguda

                                                                   

Marcelo Castañeda (*) 


No próximo domingo, 2 de outubro, milhões de pessoas comparecerão em sessões eleitorais espalhadas pelo país a fim de escolher prefeitos e vereadores que teriam como finalidade principal, em um regime democrático, exercer a representação dos interesses do povo. Um ponto que aparece com muita frequência é o desinteresse da população pelas eleições daqueles que lidarão com as questões mais caras ao cotidiano de todos nós, pois exercerão seus cargos para administrar a cidade em que cada um de nós vive.

Um fator que parece influenciar a falta de interesse é o achatamento da discussão sobre questões locais em prol da conjuntura política nacional. Talvez por estacionarmos na dicotomia cada vez mais rarefeita entre “foi ou não foi golpe”. Assim, além de pouco sobrar para os debates pré-eleitorais, simplifica-se a complexidade que perpassa o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT-RS) e que levou Michel Temer (PMDB-SP) à cabeça da República, bem como o PSDB, o DEM e o PPS, que passaram a compor o arranjo da dita governabilidade junto com todos os partidos que apoiavam Dilma (exceto PDT e PC do B).

Isso pra ficar apenas na parte parlamentar, tendo em vista que uma boa dose da sustentação ou instabilidade de qualquer governo no mundo atual vem do “mercado”, que nada tem de abstrato e pode ser tido como o lócus onde as relações se estabelecem entre diferentes atores econômicos, em diferentes escalas.

O achatamento dos certames municipais se reflete no entendimento, muitas vezes anacrônico e rígido, de que as disputas se dão entre a direita e a esquerda, que não são campos absolutos, mas constituídos um em relação ao outro. Evidentemente, não vou negar a força da dicotomia moderna que a Revolução Francesa nos legou, mas parece que o que está em jogo com as eleições municipais vai além da disputa entre esquerda e direita e se relaciona com um aspecto que vem sendo recorrentemente varrido para baixo do tapete: a crise da representação. 

Crise geral, pois atravessa a produção de conhecimento, a mídia e até mesmo os movimentos sociais, em especial os mais verticalizados, e se reflete no apodrecimento contínuo de um sistema político que se apresenta cada vez mais fechado e descolado da sociedade; esta, por sua vez, se desinteressa pelo campo político institucional que se forma.

É disso que quero tratar, pois esse campo político não pode mais ser visto como autônomo, na medida em que os elementos econômicos atravessam e se misturam cada vez mais, tornando a análise política impossível de ser feita apenas pelo que os representantes fazem, sem que suas práticas se articulem com os lobbies e interesses de atores econômicos que têm na mídia corporativa seus mediadores prediletos na tentativa de formar opinião. No entanto, os desenvolvimentos sociais da internet, como os sites e redes sociais, possibilitam alguma abertura e a tessitura de alternativas que ainda parecem muito incipientes.

Minha hipótese é a de que existe uma tendência de agudização da crise de representação no contexto brasileiro, que pode ter um ponto ainda mais elevado nas eleições presidenciais e de governadores em 2018. Basta ver que não há qualquer alternativa no horizonte nacional em termos de novas lideranças, que dirá na escala estadual. O desinteresse pela política produzido pela crise da representação, e acentuado pelo achatamento das eleições municipais sob perspectivas de pouca ou nenhuma mudança das configurações locais (que se projetam nacionalmente), mostra que a inovação e a renovação serão de baixa intensidade agora – e mais ainda em 2018.

O desafio passa a ser muito maior do que uma dita reorganização do campo da esquerda. Para ser substantiva e sustentável, tal reorganização deve começar a rechaçar a representação como um fim em si, da conquista do Estado pela disputa com a direita ou mesmo o que se chame de centro, a fim de se pensar em uma forma de abertura que envolva novas possibilidades de participação, com e sem o uso de tecnologias da comunicação, como aplicativos e sites de redes sociais. E que tornem as pessoas tidas como “cidadãos comuns”, ordinários, uma parte do processo de tomada de decisões dos governos que ocupam o Estado de tempos em tempos.

A ideia é que, cada vez mais, a sociedade deve decidir para além do momento do voto que elege o representante. Isso  significa não apenas participar de instâncias de discussão, como conselhos, fóruns, plebiscitos, a fim de constituir um avanço em relação à miséria representativa atual que só favorece os conluios mafiosos dos agentes do mercado e os atores políticos que nos representam, como num teatro sórdido no qual sustentamos nossos carrascos cotidianos.

Por fim, precisamos encontrar os meios para que cada um tenha o poder de decidir sobre o que será feito no seu bairro, na sua cidade, no seu estado e no país, bem como que relações iremos estabelecer num ordenamento global cada vez mais estagnado, que produz uma infinidade de novas fronteiras e muros que nada se assemelham à imagem da aldeia global tecnologizada, outrora sinalizada por muitos.

Em suma, a ideia aqui é abrir mão do curto prazo, o que significa reconhecer que a derrota maior será tentar resolver a crise da representação com mais representação, ao invés de se pensar a participação efetiva na tomada de decisões que afetam todos nós.

(*) Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador colaborador do Programa de Pós-G|raduação em Comunicação da UERJ.

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