Trago a voz de 925 milhões de pessoas que estão com fome, diz diretora da ONU na Rio+20



                                              
Americana encarregada do PAM espera que novos doadores, como o Brasil, possam compensar eventuais perdas do órgão
    
Pouco mais de um mês após assumir o comando do PAM (Programa Alimentar Mundial), órgão ligado à ONU, a norte-americana Ertharin Cousin, diretora executiva do órgão, veio ao Brasil para participar da Rio+20 e fazer um apelo aos representantes das nações presentes na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro.

Ertharin espera que os países cheguem a um consenso e fixem uma data limite para a erradicação da fome, nos mesmos moldes estabelecidos para os Objetivos do Milênio. Entretanto, ela reconhece que esta é uma proposta de difícil execução.

Ao Opera Mundi, a diretora afirmou que além dos conflitos armados, uma das principais causas da fome são as mudanças climáticas e que por isso, o “PAM está passando progressivamente de um sistema de ajuda de emergência alimentar a uma assistência mais elaborada” com o objetivo de preparar os afetados para futuras crises.

Ertharin Cousin trabalhou durante quatro anos no governo do ex-presidente norte-americano Bill Clinton e foi indicada, em 2009, como chefe da missão norte-americana para os organismos das Nações Unidas em Roma pelo atual presidente Barack Obama. Ela assumiu a direção executiva do PAM em 5 de abril deste ano.
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Opera Mundi - O que a senhora espera da Rio+20?
Ertharin Cousin - O PAM está aqui porque nós alimentamos 100 milhões de pessoas por ano. Eu estou aqui para trazer a voz de 925 milhões de pessoas que estão com fome, e fazer de tudo para que aqueles que têm o poder tomem estas pessoas em conta. A conferência é o ponto de partida para discussões sobre o pós-2015, que é o prazo que o mundo tinha escolhido para os Objetivos do Milênio. A promessa era de reduzir para metade o número de pessoas que sofrem de fome, e deu certo, pois a gente tinha um prazo, o que provocou uma emulação entre os países. Se os próximos objetivos do desenvolvimento sustentável, que devem ser decididos na Rio+20, incluírem a erradicação da fome antes de uma data fixada claramente, será uma grande vitória. Mas eu sou pragmática, então eu espero pelo menos uma resolução que reconheça a soberania alimentar e a erradicação da desnutrição como uma chave para o desenvolvimento sustentável.
OM – Historicamente, a intervenção do PAM tinha muito a ver com as populações afetadas por guerras. Isso mudou? A senhora diria que as alterações climáticas têm mais impacto hoje em dia, apesar do fato da ONU ainda não reconhecer oficialmente a existência de refugiados climáticos?
EC - Eu não trabalho mais em política, agora estou na área humanitária, então não estou interessada em saber por que uma pessoa é refugiada. Se ela está com fome, vamos ajudá-la, pronto. Além disso, houve sempre uma mistura de razões para a origem das crises alimentares. Mas não há dúvida de que existe um aumento nos casos relacionados às mudanças climáticas. Veja o Sahel (zona de transição entre o deserto do Saara e as savanas africanas), é a terceira seca em cinco anos, o fenômeno está se acelerando.
OM - Como estas mudanças climáticas estão mudando os métodos de trabalho do PAM?
EC - Com as mudanças climáticas, as pessoas vulneráveis ficam ​​ainda mais frágeis em relação à falta de chuva, à erosão do solo, aos preços dos alimentos e a outros fenômenos. O PAM está passando progressivamente de um sistema de ajuda de emergência alimentar a uma assistência mais elaborada que permita que essas pessoas, começando pelas mulheres, se preparem para as próximas crises. Isso requer, por exemplo, o estabelecimento de sistemas de irrigação para pequenos agricultores, de estradas que dão acesso a mercados e de cursos formação para aumentar os rendimentos deles. Além disso, o PAM compra parte da produção dos campesinos, o que cria um mercado para eles, e os estimula a se diversificar. O nosso modelo é inspirado no [modelo] brasileiro, quando o governo decidiu que as merendas escolares seriam preparadas exclusivamente a partir de produtos da agricultura familiar.
OM - A senhora está preocupada com a possibilidade dos países ricos reduzirem suas doações ao PAM neste cenário de crise econômica?
EC - Apesar da crise, os doadores reconhecem a necessidade de continuar esta política, embora sejam cada vez mais exigentes no que diz respeito à eficácia de nossos programas. E eu espero que a ascensão de novos doadores, como o Brasil, Qatar e Arábia Saudita possa compensar eventuais perdas.(Com Opera Mundi)

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