Leocádia Felizardo Prestes, a Mãe Coragem

                                       
Zoia Prestes (*)

 Estou emocionada, mas vou tentar ler o que escrevi sobre a minha avó.

Senhoras e senhores, em nome da família Prestes — somos 10 irmãos; minha mãe, Maria Prestes, tem hoje 22 netos e 4 bisnetos —, quero agradecer ao Congresso Nacional esta homenagem a nossa avó, Leocádia Felizardo Prestes. Agradeço especialmente ao Senador Inácio Arruda, autor desta iniciativa.

Nossa avó foi uma mulher que influenciou decisivamente na formação do caráter do nosso pai, Luiz Carlos Prestes. Em todos os momentos difíceis pelos quais passou, o Cavalheiro da Esperança, denominação com a qual ele entrou para a história, demonstrou sempre integridade moral, dignidade e honestidade, que foram, como ele mesmo dizia, lições sérias de formação de caráter recebidas de sua mãe.

Meu pai contava que ainda no início do Movimento Tenentista, que culminou com o Levante dos 18 do Forte de Copacabana, foi minha avó quem o proibiu de sair de casa, pois estava com febre alta em conseqüência do tifo. No dia 5 de julho de 1922, quando as tropas revolucionárias se levantaram no Rio de Janeiro, o jovem tenente de 24 anos, que havia participado ativamente daquela conspiração militar, tentou vencer as dificuldades físicas e vestir a farda para se juntar aos colegas, mas desmaiou em casa e desistiu. Com um sorriso, ele nos contava que, na verdade, sua mãe havia proibido que saísse de casa e comentava: "Aprendi naquele dia, com a minha mãe, que um revolucionário, antes de mais nada, tem de cuidar da sua própria saúde."

Movida por esse amor de mãe, com o qual protegeu o filho em um dos mais marcantes episódios de nossa história, Dona Leocádia jamais questionou qualquer decisão do filho. Assim foi em relação à Marcha da Coluna Prestes, em 1924, e também quando meu pai resolveu se filiar ao Partido Comunista, em 1934. Dizia Leocádia: "Se meu filho seguiu por esse caminho, é porque é o caminho certo." 

Com esse sentimento, minha avó Leocádia desencadeou a campanha internacional pela libertação do filho, preso nos porões da ditadura Vargas, entre 1936 e 1945, e de Olga Benário, sua primeira mulher, presa em um campo de concentração nazista de Hitler.

Minha avó correu o mundo denunciando as condições desumanas às quais eram submetidos todos os comunistas presos no Brasil e na Alemanha. Foi também com esse mesmo espírito de luta que conseguiu arrancar das mãos do nazismo a pequena neta, Anita, nascida em uma prisão feminina em Berlim.

Mas, como dizem que não fica bem estender-se em elogios a gente da própria família, vou pedir permissão para ler alguns trechos de um poema escrito pelo grande chileno Pablo Neruda, Dura Elegia, que foi lido por ele à beira do túmulo de minha avó, na cidade do México, em 18 de junho de 1943. Nessa data, meu pai ainda estava preso no Brasil e só visitou o túmulo de sua mãe 46 anos depois, 6 meses antes de ele mesmo falecer. 

Neruda descreve, em poesia, a força e a luta de minha avó:

"Senhora, fizeste grande, tão grande, a nossa América.
Deste-lhe um puro rio de águas colossais;
deste-lhe uma árvore alta de infinitas raízes;
um filho teu digno de sua Pátria profunda. (...)

Senhora, hoje herdamos tua luta e tua dor.
Herdamos teu sangue que não teve descanso.
Juramos à terra que te recebe agora 
não dormir nem sonhar até a volta de teu filho.
E como em teu colo sua cabeça faltava 
também nos falta o ar que seu peito respira,
nos faz falta o céu que sua mão mostrava.
Juramos continuar as detidas veias,
as detidas chamas que em tua dor cresciam.
Juramos que as pedras que virão a deter-te
vão escutar os passos do herói que retorna.

Não tem prisão para Prestes que esconda seu diamante,
o pequeno tirano quer ocultar o fogo
com suas pequenas asas de morcego frio
e se envolve no impuro silêncio da ratazana
que furta nos corredores do palácio noturno.

Porém, como uma brasa acesa incandescente
através das barras de ferro em cinzas
a luz do coração de Prestes sobressai.
Como nas grandes minas do Brasil a esmeralda,
como nos grandes rios do Brasil a correnteza
e como em nossos bosques de índole poderosa
sobressai uma estátua de estrelas e folhagem,
uma árvore das terras sedentas do Brasil.

Senhora, fizeste grande, tão grande, a nossa América.
E teu filho algemado combate junto a nós,
a nosso lado, cheio de luz e de grandeza.
Nada pode o silêncio da aranha implacável
contra a tempestade que desde hoje herdamos.
Nada podem os lentos martírios deste tempo
contra seu coração de madeira invencível.

O chicote e a espada que tuas mãos de mãe
passearam pela terra como um sol justiceiro
iluminam as mãos que hoje te cobrem de terra.

O que feriu teus cabelos trocaremos amanhã.
Amanhã romperemos o doloroso espinho.
Amanhã inundaremos de luz o tenebroso 
cárcere que há na terra.
Amanhã venceremos.
E nosso Capitão estará junto a nós."

Obrigada. (Palmas.)

(*) Zoia Prestes em discurso na Câmara dos Deputados em 11 de março de 2008 durante sessão em homenagem à sua avó Leocádia Felizardo Prestes, mãe do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes

Comentários