GREGÓRIO BEZERRA

                                                   


             A história de um revolucionário do PCB

Comunista nascido em Panelas revive em biografia relançada em Caruaru 

Gregório Bezerra era analfabeto até 25 anos e se elegeu deputado aos 46. Livro tem declarações de Anita Prestes, Ziraldo, Niemeyer e Ferreira Gullar. 

Jael Soares Do G1 Caruaru 


A autobiografia do comunista Gregório Bezerra – ícone da luta revolucionária –, foi relançada quinta-feira (12) em Caruaru, no Agreste pernambucano. O livro foi publicado em 1979 e possui contribuições da historiadora Anita Prestes, do poeta Ferreira Gullar e do jornalista Roberto Arrais, integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). 

Na reedição, recebeu fotografias e textos inéditos, além de declarações do arquiteto Oscar Niemeyer, do cartunista Ziraldo, da advogada Mércia Albuquerque e do governador Eduardo Campos. Tem ainda participação de Jurandir, filho de Bezerra. 

O evento ocorreu na Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras (Acaccil), a partir das 19h, contando com debate aberto. Entre os presentes, Roberto Arrais e o maestro Mozart Vieira, da Orquestra Sinfônica dos Meninos de São Caetano. 

Este regente conheceu o comunista nos movimentos estudantis no Recife. “Nasci em 5 de outubro de 1962 e minha geração toda foi, no fato de formação, em todo o período de ditadura, depois de 1964. E fui naturalmente estudante na década de 1970 e, logo cedo, fui simpatizante de Gregório Bezerra. Acompanhei toda a trajetória política dele. Ele era um sujeito cosmopolita, à frente dos tempos, com ideais de liberdade, de ir e vir do cidadão”, conta o Mozart.

Bezerra, de igual modo, estava à frente do próprio PCB, segundo relembra Roberto Arrais. “Ele recebia críticas, porque alguns intelectuais do partido achavam que tinham de seguir os manuais. Mas, ele conseguia traduzir, pela simplicidade, para o camponês e para as pessoas religiosas, a questão do que era a luta espiritual e da luta material. Alguns não permitiam que os religiosos participassem. Ele admitia e dizia que, para ser comunista, tinha que se lutar pela igualdade, não pelas condições materiais”. 

Arrais conta que o revolucionário era um líder legítimo, tranquilo e otimista. “Gregório venceu uma série de desafios com relação à sobrevivência, por ter nascido no Agreste, numa área de seca, ser filho de camponeses. Depois, foi para a cidade com dez anos, foi menino de rua, começou a trabalhar aos quatro anos de idade, morou debaixo das pontes, vendeu jornal e conseguiu ser ajudante de pedreiro”, quando participou de uma greve e foi preso pela primeira vez. 

“Gregório é um símbolo da luta, da resistência. É um símbolo do herói nacional, do cotidiano”. De agricultor a deputado federal Gregório Bezerra nasceu no município de Panelas, também no Agreste, em 1900. Logo nos primeiros cinco anos de vida, perdeu os pais e passou a trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar, permanecendo analfabeto até os 25. 

Isto, porém, não o impediu de enveredar pela luta revolucionária desde os 17 anos, sob influência da Revolução Russa de 1917. A militância lhe rendeu 23 anos de cárcere no país e o exílio – primeiro em Cuba e depois na Europa, até 1979, onde escreveu “Memórias”.

Em passagem da época, o comunista ressaltava a compreensão do humano: “Não luto contra pessoas, luto contra o sistema que explora e esmaga a maioria do povo”. 

Dentre os episódios mais chocantes vividos por Bezerra, ainda no Brasil, estão o dia em que foi arrastado por ruas de Recife na recém-instalada Ditadura Militar, em 1964, e a troca da liberdade dele pela liberdade de um embaixador sequestrado, em 1969.

De acordo com a Boitempo Editorial (que relança a obra), as reflexões, a vida no Agreste e os momentos de glória também são relembrados. Um destes é a votação em que Gregório Bezerra foi eleito deputado federal em 1946. Ele também participou em Pernambuco da Luta Antifascista em 1935, da Anistia em 1945, da Constituinte deste mesmo ano e foi amigo de Luiz Carlos Prestes, bem como de Miguel Arraes. Morreu em novembro de 1983, depois da segunda Anistia. 

A reedição do livro dele, que tem 648 páginas, já foi lançada em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. No site da editora, a obra é adquirida por R$ 78. 

Trechos do livro: Infância “Foi o Natal mais farto e rico de alegria a que assisti durante os nove anos e dez meses de minha vida. Além disso, ganhei dois metros de algodãozinho para fazer duas camisas, porque só tinha uma e velha, que já estava virando farrapo. Aproveitei a cumplicidade de vovó e pedi-lhe que me fizesse uma camisa e uma calça, em vez de duas camisas. 

A velha topou as minhas antigas pretensões. Entretanto a costureira, que foi a minha tia Guilhermina, em vez de me fazer uma calça, fez uma ceroula grande, de amarrar acima do tornozelo. Deram-me para vestir. Achei bonita e até mais bonita do que uma calça, porque me fez lembrar do meu falecido avô, que, quando vivo, somente vestia ceroulas compridas amarradas no tornozelo. Calça só vestia quando ia à feira ou em visita aos domingos. Afinal, todos aprovaram a ceroula, menos minha irmã Isabel. Ganhei a “batalha” de anos atrás, quando pleiteei uma calça no sítio Goiabeira. Era feliz, agora, e me sentia homem. O Natal e Ano-Novo serviram para minhas exibições de ceroulas compridas e camisa fora da calça.”

 Militância “Voltei à rua, tentando ver se alguns operários haviam chegado. Não havia ninguém. Fiz um ligeiro comício para os pequenos grupos que se aglomeravam nas sacadas dos prédios vizinhos, concitando-os a pegar em armas, sob o comando do camarada Luiz Carlos Prestes. Fui aplaudido das varandas por alguns estudantes que ali moravam. Mas o apoio, infelizmente, não passou dos aplausos. 

Um oficial tentou prender-me, pedindo-me que, pelo amor de Deus, eu me rendesse. Ao chegar a dez metros de mim, apontei-lhe o fuzil e o fiz recuar. Vinha chegando um sargento radiotelegrafista que, de longe, perguntou-me o que havia. Respondi-lhe que, se quisesse lutar pela Aliança Nacional Libertadora, tinha um lugar a sua disposição; se não, caísse fora enquanto era tempo.” 

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