Celac se consolida com agenda própria para América Latina

                                          
O presidente de Cuba, Raúl Castro, entre Dilma Rousseff e Nicolas Maduro

33 países-membros do bloco, que não inclui EUA e Canadá, buscam consolidar laços e alternativas



Felipe Amorim

Do Opera Mundi

Tem início nesta terça-feira (28/01), em Havana, a segunda reunião de cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), bloco político que contempla 33 países do hemisfério americano e exclui Estados Unidos e Canadá.

Em sua primeira conferência após a morte do líder venezuelano Hugo Chávez, principal idealizador do grupo, o encontro dos chefes dos Estados-membros da Celac busca estreitar laços, colocar-se como uma alternativa aos atuais foros diplomáticos e consolidar uma agenda genuinamente latino-americana — feita pela e para a América Latina.

“A Celac nasceu da ideia de que os países latino-americanos tinham condições de intervir e resolver os conflitos dentro da sua própria área”, explica o professor Tullo Vigevani, especialista em Relações Internacionais da Unesp e do programa San Tiago Dantas. Essa noção de autonomia indica que a cúpula da Celac deverá em algum momento abordar, na declaração final, problemas atuais para o continente: como a crise cambial na Argentina e a recente decisão do Tribunal de Haia sobre a disputa marítima entre Peru e Chile.

Seguindo nessa linha, não devem ficar de fora das discussões do bloco pautas caras à população latino-americana, como, por exemplo, a erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades, políticas migratórias e combate ao narcotráfico.

Outra preocupação de alguns membros da Celac é reafirmar o continente latino-americano como uma “zona de paz”, como já adiantara Cuba. Embora possa soar como um “debate surdo” — já que os países do bloco não estão passando por um processo de desmilitarização —, a discussão do tema é importante. “A América Latina tem demonstrado que pode resolver seus conflitos por meios pacíficos”, assinala Vigevani, indicando que a declaração do bloco pode apontar nessa direção.

Os 33 chefes da organização criada oficialmente em 2010 deverão discutir ainda se aprovam ou não a emissão de um convite para Porto Rico se juntar ao bloco. A ideia, capitaneada pela Venezuela, é anexar o país e, com isso, distanciá-lo da órbita dos EUA.

Atualmente, Porto Rico encaixa-se na categoria de “território não incorporado aos EUA”; seu estatuto oficial é confuso, não se sabe ao certo se os cidadãos porto-riquenhos têm o direito à livre migração dentro dos Estados Unidos. “Seria uma clara estocada em Washington”, afirma Vigevani, para quem a aprovação completa do convite a Porto Rico é algo “difícil”.

Essencialmente político

Nota-se, pelo caráter das pautas discutidas no bloco, que a Celac propõe-se a ser um grupo cujo papel é essencialmente político. “Uma agenda de baixa densidade”, como caracterizaria Vigevani. São poucos os avanços nos campos da economia, infraestrutura e energia, por exemplo. Contribui para isso o processo decisório do bloco: todas as resoluções precisam ser aprovadas por unanimidade, fazendo com que cada um dos 33 Estados-membros esteja investido de poder de veto.

“As decisões têm que ser tomadas por meio de muitas negociações e não podem enfrentar as convicções de nenhum país. Por isso, sempre representam a opinião média dos membros”, afirma Vigevani, mostrando que ainda há muitas contradições dentro da própria Celac. Um exemplo claro do consenso político é o repúdio público que todos os 33 membros fazem em relação ao bloqueio econômico imposto à ilha de Cuba pelos EUA.

Pela dificuldade de produzir consenso em meio a tantos e tão diversos países, a Celac opta por restringir sua atuação ao posicionamento político no continente. Abordar a questão do desenvolvimento econômico na região, por exemplo, traz consigo um alto grau de complexidade e particularidades que cerceiam seu debate: capacidade produtiva, fronteira tecnológica e competitividade.

O professor Tullo Vigevani lembra, contudo, que, para tentar resolver agendas como esta, existem os blocos sub-regionais do continente, dotados de maior especificidade e instrumentos de ação mais complexos. Entre eles: Mercosul, Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e Alba (Aliança Bolivariana para as Américas).

Contraponto ao status quo?

De acordo com Vigevani, não é possível afirmar que a manutenção da Celac sustenta-se como uma oposição ao status quo da integração regional no continente, capitaneada sobretudo pelos Estados Unidos no foro da OEA (Organização dos Estados Americanos).

“A Celac consolida a ideia de uma articulação latino-americana sem a presença dos EUA e Canadá. Mas eu não chamaria isso de contraponto”, afirma, ao explicar que há muitos países da Celac que admitem a existência das duas frentes e negociam nos dois blocos.

Para Vigevani, a presença do secretário-geral da OEA em Havana a convite do bloco confirmaria essa interpretação. “Há um grupo de países — certamente não todos — que não está disposto a ter uma posição de enfrentamento perante a OEA.”

É a primeira vez que uma autoridade da OEA visita Cuba, desde que o país foi suspenso do bloco, em 1962. Há alguns anos atrás, em 2009, a OEA revogou a expulsão, mas Cuba optou por não retornar à entidade. (Com o Brasil de Fato)

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