80 anos de Tom Zé: uma singela homenagem

                                                        
Baiano do Recôncavo, oriundo da remota Irará. Despontou para o Brasil e o mundo, porém sem nunca abandonar suas raízes. Os mais íntimos costumam dizer que “Tom Zé saiu de Irará, mas Irará não saiu de Tom Zé”. Provocador, jeito desengonçado, surpreendentemente maluco e invencionista. Uma criança, sempre querendo chamar a atenção. Não por vaidade, nem por mimo, mas por absoluta dependência. Seu calcanhar de Aquiles: não é capaz de suportar a solidão.

A poesia sem o processo de interação é apenas um papel rabiscado. Ela precisa de alguém que interprete e dê ritmo e entoação aos versos. De semelhante forma, Tom Zé precisa de uma plateia que interaja e participe ativamente na condução do espetáculo. Quem já foi a um show sabe muito bem do que estou falando. O público é atraído a fazer parte dos experimentos do velho mestre.

Seus shows fogem de qualquer padrão já imaginado. O próprio Tom Zé já chegou a afirmar que nenhum espetáculo é igual ao outro. Sempre sobrando energia e disposição para o inédito. É um eterno desassossego, uma constante negação a qualquer forma de inércia. Até os músicos de sua banda às vezes são pegos de surpresa. Uma deliciosa festa onde todos, incluindo a plateia e a banda, são encorajados a atuar.

Por isso, ao pensar em Tom Zé, não pense em uma arte do tipo Olavo Bilac, pois o Parnaso é um lugar onde nunca desejou estar. A arte pela arte, alheia à realidade, feita sob encomenda para os gostos mais refinados e tratada como um precioso diamante que só pode ser apreciado pelos seres iluminados. Nada disso tem a ver com Tom Zé, porque Tom Zé é Irará e Irará é demasiadamente distante do Parnaso, do Olimpo, ou de qualquer outra morada dos deuses.

E para triunfar em Irará dos anos 40-50, o jovem e aspirante artista necessitava de uma estratégia de convencimento que fosse diferente de tudo o que já havia sido feito. Compreendia que havia um acordo tácito entre cantor e público, com papéis claros e subjetivamente preestabelecidos. Para ele, esse acordo deveria ser superado por um novo acordo tácito que eliminasse a ideia de público-alvo, de mero espectador passivo.

Mas, para criar esse novo acordo foi necessário despir-se da carapuça de cantor para criar em seu lugar a imagem do cancioneiro do verso improvisado. E mesmo que não fosse um verso feito através da improvisação, ainda assim, foi preciso fingir uma constante casualidade, a fim de evitar qualquer associação ao sublime.

A música é tratada com um tom de brincadeira. Em Complexo de Épico, por exemplo, debocha da pretensa seriedade dos compositores brasileiros. A canção Se o caso é chorar é um recorte de trechos de composições de outros artistas, como Lupicínio Rodrigues e Nelson Gonçalves, numa tentativa de ironizar a imprecisão dos temas na música nacional.

Enfim, não é fácil falar ou escrever sobre um artista tão polêmico, que despindo-se da máscara de artista, não abre mão da letra que não foi cantada, do verso não recitado, da nota que ninguém quis executar. Tudo isso se transforma em objeto de interesse, ganha vida. Pois para Tom Zé não se trata apenas de música, trata-se da vida.

(Com Esquerda online/Diário Liberdade)

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