"Pedras de tropeço": o esforço incansável para lembrar vítimas do nazismo

                                       

Mais de 20 anos depois de a primeira "stolperstein" ser instalada, placas espalhadas pela Europa já homenageiam mais de 70 mil mortos. "Uma pessoa só é esquecida quando seu nome é esquecido", diz criador do projeto.

    
Como parte de um trabalho contínuo de homenagem a vítimas do Holocausto, várias das chamadas stolpersteine ("pedras de tropeço") deverão ser instaladas nas calçadas de Berlim a partir desta quarta-feira (08/05), data que marca a capitulação da Alemanha e o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Os blocos cobertos de placas latão de 10 por 10 centímetros homenageiam pessoas perseguidas e mortas pelo nazismo, e mais de 70 mil delas já foram instaladas.

As reluzentes tabuletas aplicadas sobre paralelepípedos deverão ser distribuídas em vários bairros da capital alemã pelo criador do projeto, Gunter Demnig. Os organizadores, porém, não divulgaram nem os locais exatos, nem os horários das cerimônias solenes, com a justificativa de que "as instalações das stolpersteine são acontecimentos emocionais e muito íntimos, especialmente para os familiares" das vítimas.

A primeira "pedra de tropeço" foi instalada em frente à prefeitura de Colônia em 16 de dezembro de 1992 – exatamente 50 anos depois de Heinrich Himmler, o comandante da força paramilitar SS, ordenar a deportação de membros das etnias nômades sinti e roma para o campo de concentração de Auschwitz. As primeiras linhas do decreto foram inscritas em cima do bloco. Seu interior oco continha a íntegra da ordem de deportação.

Com a expansão do projeto, Demnig, um artista e defensor do direito dos membros da etnia roma que fugiram da antiga Iugoslávia permanecerem na Alemanha, instalou mais "pedras de tropeço" – incluindo 51 placas ilegais nas calçadas do bairro berlinense de Kreuzberg, em 1996.

Um ano depois, em Salzburgo, na Áustria, Demnig fixou duas pedras com autorização oficial. Autoridades alemãs começaram a apoiar o projeto apenas em 2000. Em duas décadas, as "pedras de tropeço" se tornaram o maior memorial descentralizado do mundo dedicado a vítimas do regime nazista.

A primeira stolperstein, a de Colônia, foi roubada em 2010. Incansável, Demnig instalou uma nova pedra no local três anos depois.

Restaurar identidades

As placas de latão encasteladas sobre um cubo de concreto ostentam a inscrição do nome, endereço e datas de nascimento e morte das vítimas, assim como o destino da pessoa. Geralmente, as pedras são encaixadas na calçada diante do último local de residência conhecido da vítima.

O objetivo do projeto é restaurar as identidades das pessoas que foram degradadas a um número de prisioneiro ou prisioneira nos campos de concentração – e "devolver" essas pessoas aos lugares onde elas viviam.

"Uma pessoa só é esquecida quando seu nome é esquecido", diz Demnig, com frequência, parafraseando o Talmud, coletânea de textos sagrados do judaísmo. Abaixar-se para ler os textos, segundo ele, também significa curvar-se simbolicamente às vítimas.

As stolpersteine servem para lembrar todas as vítimas da Alemanha nazista – de pessoas assassinadas em Auschwitz e outros campos de concentração a sobreviventes dos campos, além daqueles que fugiram para a Palestina, para os Estados Unidos ou para outros países.

As pedras homenageiam não apenas judeus e as etnias sinti e roma, mas também membros da resistência política e religiosa, homossexuais, testemunhas de Jeová, vítimas exterminadas no âmbito do programa nazista de eutanásia em massa e pessoas consideradas pelos nazistas como "associais".

Apesar da dimensão do projeto, nem todos são a favor das "pedras de tropeço". Charlotte Knobloch, ex-presidente do Conselho Central de Judeus da Alemanha, chegou a dizer sobre o projeto que é "insuportável" ler os nomes de judeus assassinados em placas no chão que são "pisoteadas". Seus sucessores, Dieter Graumann e o atual presidente do órgão, Josef Schuster, apoiam a iniciativa.

Berlim, Buenos Aires, Estrasburgo

Atualmente, existem 7 mil "pedras de tropeço" apenas em Berlim – e mais de 70 mil espalhadas por 24 países europeus. Em 2017, a entrada da escola Pestalozzi, em Buenos Aires, se tornou a primeira localidade fora da Europa a possuir uma stolperstein. Fundada em 1934, a escola alemã foi considerada um refúgio para pessoas perseguidas pelos nazistas.

Na semana passada, 20 "pedras de tropeço" foram instaladas em Estrasburgo, na França, em homenagem às vítimas do nazismo mortas no Holocausto. Mais 30 deverão ser colocadas na cidade até o segundo semestre.

O projeto conta com a ajuda de familiares das vítimas do Holocausto, voluntários, estudantes e alunos do ensino básico do mundo inteiro. Os estudantes, por exemplo, pesquisam biografias de pessoas perseguidas durante o regime nazista.

Durante anos, o próprio Demnig confeccionou as pedras, mas desde 2005 o escultor Michael Friedrichs-Friedländer faz cada stolperstein à mão, com a ideia de opor intencionalmente o processo de criação artesanal ao aparato industrial de assassinatos dos nazistas nos campos de concentração. As pedras são financiadas por doações privadas. Custa 120 euros elaborar e instalar uma "pedra de tropeço".
                                              

Berlim homenageia os 100 anos de Olga Benario Prestes


Juntamente com Anita Prestes, filha de Olga Benario e Luís Carlos Prestes, galeria berlinense inaugura "pedra de tropeço" em homenagem aos 100 anos da revolucionária alemã de origem judaica, vítima do Holocausto.

    Olga Benario Prestes estaria completando 100 anos nesta terça-feira (12/02). Como ponto alto das homenagens que presta ao seu centenário, a Galeria Olga Benario de Berlim inaugura "pedra de tropeço" em frente ao último endereço que a revolucionária ocupou na capital alemã.

A "pedra de tropeço" em homenagem à Olga Benario, instalada na calçada da Innstrasse 24, no bairro berlinense de Neukölln, será inaugurada por sua filha, a professora Anita Prestes, que nasceu em Berlim quando sua mãe estava na prisão feminina de Barnimstrasse.

"Pedras de tropeço" são pequenas placas de latão cravadas nas calçadas dos prédios onde moraram vítimas do Holocausto. Nelas, estão escritos o nome, data de nascimento, data de deportação e uma referência ao local e data de morte da vítima. A idéia partiu do artista alemão Gunter Demnig. Hoje, já existem mais de 13,5 mil marcos deste tipo espalhados por quatro países europeus.

Olga Benario nasceu em Munique, em 12 de fevereiro de 1908. No início dos anos de 1920, os arquivos policiais da República de Weimar já a classificavam como "agitadora comunista". Juntamente com seu parceiro, o comunista Otto Braun, ela se mudou aos 17 anos para Berlim-Neukölln, onde se tornou membro ativo da Juventude Comunista.

Olga Benario e Otto Braun ocuparam um apartamento na Innstrasse 24 em Neukölln, tradicional bairro proletário berlinense. Foi neste endereço que foram presos. Logo libertada, Olga organizou a ação espetacular que resgatou seu companheiro Otto Braun da prisão de Moabit.

Em abril de 1928, Olga e camaradas de Otto Braun disfarçados de estudantes de Direito invadiram a sala de audiências para onde Braun era levado. Subjugaram os policiais e libertaram o preso. Após a operação, Olga e Braun fugiram para Moscou, onde Olga trabalhava para o movimento trabalhista internacional.

Intentona Comunista

Com Luís Carlos Prestes, Olga Benario partiu de Moscou para o Rio de Janeiro, em 1935. Durante a viagem, os dois se apaixonaram e tornaram-se um casal, vindo a organizar a Intentona Comunista de 1935.

Após a fracassada tentativa, Olga e Prestes foram presos e, apesar de protestos internacionais, ela foi entregue, em 1936, grávida de sua filha, à Gestapo pela ditadura varguista.

Em setembro do mesmo ano, Olga foi enviada à Alemanha. Em 27 de novembro de 1936, nascia Anita Prestes na maternidade da prisão feminina berlinense da Barnimstrasse. No começo de 1938, Olga foi separada de sua filha e enviada para o campo de concentração feminino de Lichtenburg.

OIga Benario Prestes teve ainda que passar três anos no campo de concentração de Ravensbrück, antes de ser enviada para a câmara de gás em Bernburg, em 1942. O endereço da Innstrasse 24, em Neukölln, foi sua última morada como cidadã livre na Alemanha.

Em 12 de fevereiro de 1984. a Associação dos Perseguidos pelo Regime Nazista/Associação dos Antifascistas (VVN/VDA) fundou a Galeria Olga Benario em Berlim-Neukölln. A galeria informa que três motivos justificaram a escolha do nome de Olga: por ser mulher, por ter uma relação próxima com o bairro de Neukölln e por ser uma internacionalista.

A galeria foi inaugurada com uma exposição sobre a vida de Olga Benario, que, para além da lembrança como revolucionária comunista, vem se tornando, nos últimos anos, um exemplo de coragem feminina para muitos alemães.

Talvez por isto, os temas das exposições da galeria se expandiram para solidariedade internacional, imigrantes e asilo, movimento feminista, sindicatos, entre outros.

Em comemoração aos 100 anos da revolucionária e aos seus 24 anos de existência, a Galeria Olga Benario convidou Anita Prestes, filha de Olga Benario e Luís Carlos Prestes, para inaugurar a "pedra de tropeço" na calçada do último endereço berlinense de sua mãe, Olga Benario Prestes.



(Com a Deutsche Welle)

Comentários