Segunda temporada de 'O mecanismo' estreia nesta sexta . Não deixe de assistir também ao ótimo "Polícia Federal, A Lei é Para Todos"

                                                                                                                                      
                                                                
 Adriana Izel - Enviada especial

Rio de Janeiro — Imagens de Fernando Collor de Mello a Dilma Rousseff passando por Michel Temer, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e outros políticos brasileiros — sempre com parte dos rostos borradas — ao som da música Reunião de bacana (Se gritar pega ladrão). É assim que a segunda temporada da série nacional O mecanismo, de José Padilha sobre os desdobramentos da Operação Lava-Jato, dá os primeiros passos para a nova leva de episódios, que estreia amanhã na Netflix.

A abertura adotada no segundo ano havia sido feita para o primeiro, no entanto, questões jurídicas levaram a equipe a evitá-la. Sem problemas após a exibição, a Netflix autorizou a veiculação na nova temporada. Para o diretor José Padilha, esse início da série é uma das provas de que, desde a concepção, O mecanismo batia na tecla de que o sistema de corrupção era apartidário. Essa é também uma resposta do criador da produção brasileira às críticas feitas sobre a primeira temporada de que a série tinha uma atmosfera anti-petista.

“Sempre falei que o mecanismo não tinha ideologia. A história da Lava-Jato comprova essa tese (com a prisão de pessoas ligadas a outros partidos)”, justificou em entrevista coletiva que ocorreu na manhã de terça-feira no Copacabana Palace.

Mais tarde, em entrevista ao Correio, ele completou: “É uma questão de cronologia. Em um certo momento só estavam prendendo as pessoas do PT, depois passaram a prender as pessoas dos outros partidos. A história é assim, como falei várias vezes, essa foi a abertura que montei para a primeira temporada. Só não deixaram colocar”.

Se a abertura dá a entender que outros políticos também fazem parte desse sistema de corrupção, a série também caminha nesta direção. Apesar de o diretor negar que a segunda temporada apresente uma mudança de postura, os novos episódios têm esse tom, com uma postura mais crítica, por exemplo, à figura de Sergio Moro — atual ministro da Justiça e Segurança Pública, mas que foi o juiz da Lava-Jato —, que, na produção, é representado pelo personagem Paulo Rigo (Otto Jr.), que passa de herói para alguém deslumbrado com a fama. 

“Estou contando a história da Lava-Jato. Ele começa como um herói. O erro do vazamento (do áudio da conversa entre Lula e Dilma Rousseff) foi criticado na segunda temporada”, explicou e ainda teceu críticas ao atual ministro e sua função no governo. “Saiu de herói nacional para salame fatiado”.

Rebatendo críticas

Outra polêmica que volta à segunda temporada é a frase “estancar sangria”, dita originalmente por Romero Jucá. Na primeira temporada, ela foi colocada na boca de João Higino (Arthur Kohl), personagem inspirado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dessa vez, quem fala é Lúcio Lemes (Michel Bercovitch), personagem que faz referência a Aécio Neves.

 “Fiz uma coisa que foi uma brincadeira, quando o Lula (o personagem João Higino) fala de estancar a sangria. Eu botei nessa temporada o Aécio (o personagem Lúcio Lemes) falando isso. Quero ver quem vai reclamar... Estou esperando pra ver”, desafiou Padilha.

O ator Enrique Diaz, que vive o doleiro Roberto Ibrahim, inspirado na figura de Alberto Yousseff, acredita que há uma mudança de postura na obra, principalmente, por conta da história se expandir agora para a corrupção envolvendo outros partidos políticos brasileiros. 

“Acho que essa segunda temporada corrobora o conceito que o Padilha propôs: o mecanismo do poder financeiro na política, que é um problema, e ele corrobora esse discurso coerentemente. Por outro lado, a gente vê um outro lado da história recente, que vai ser particularmente positivo. Mas não limpa uma marca que a primeira temporada assumiu de ter um tom num momento histórico, de uma eleição”, analisou.

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O artista, que é assumidamente ligado à esquerda, apontou os perigos da obra, mas ponderou que o público também terá que se acostumar com esse tipo de gênero. “Parece-me que isso é mais ou menos novo na tevê brasileira, esse ponto de denominar ficção e ser baseado em fatos reais muito recentes. 

Se você tem um público com muita possibilidade de educação, discussão, pensamento crítico, pode jogar para qualquer tipo de estilo. Isso é um sinal de uma maturidade da sociedade, um público que vê um projeto que transita entre esses polos e é capaz de falar que tem suas referências. Mas não é o caso, principalmente neste momento, em que a educação está sendo desmontada. As pessoas terão de aprender a lidar com os estímulos provocadores”, analisou.

“A gente não teve um compromisso de imitar ou de fazer o personagem com trejeitos, de ser algo mais documental. A opção até na escolha do elenco é bem distante”
Emílio Orciollo Netto, ator

A primeira temporada tem como foco a caça do delegado Marco Ruffo da Polícia Federal ao doleiro Roberto Ibrahim e segue até a prisão de 12 empreiteiros envolvidos no esquema de corrupção. Já a segunda se passa entre 2014 e 2016 — mostrando desde a reeleição até o impeachment de Janete Ruscov (Sura Berditchevsky), uma clara referência a Dilma Rousseff — e coloca os holofotes na busca de provas para a prisão do empresário Ricardo Bretch, papel de Emílio Orciollo Netto. Com ajuda de Ruffo, a delegada Verena coloca a equipe, que tem ainda os policiais Vander (papel do ator Jonathan Haggensen) e Guilhome (Osvaldo Mil) atrás dessas pistas.

Até por isso, Emílio Orciollo Netto tem grande destaque, com um personagem bastante complexo. O ator emagreceu e fez uma imersão no livro O príncipe: Uma biografia não autorizada de Marcelo Odebrecht, de Marcelo Cabral e Regiane Oliveira, e ainda nos personagens Robert Axelrod, de Billions, e Tommy Shelby, de Peaky Blinders, para construir o personagem. “A gente não teve um compromisso de imitar ou de fazer o personagem com trejeitos, de ser algo mais documental. A opção, até na escolha do elenco, é bem distante. No caso do Ricardo, me inspirei muito no livro, que tem elementos muito interessantes. Vi vídeos das delações, tudo isso somado a ficção enriquecem o trabalho. Busquei essa mistura”, revelou.

A segunda temporada marca ainda uma maior complexidade dos dramas pessoais. Para a delegada Verena, vivida por Caroline Abras, isso quer dizer maior espaço para os relacionamentos e da postura de liderança. “Enxergo a Verena muito mais agressiva e obstinada. Ela sai do lugar de aprendiz e se coloca no lugar de mestre”, comentou. 

No caso de Ruffo, dos desdobramentos de uma vida de obsessão contra a corrupção. “A barra foi pesando para ele. É um personagem muito bonito, que está todo errado”, afirmou Selton Mello. A sequência, inclusive, deve ser o adeus do protagonista, que não deve voltar caso haja uma terceira temporada. “É possível que seja (uma despedida)”,  limitou-se a dizer.

Essa ampliação vale ainda para os policiais Vander e Guilhome. “O legal é que o Vander começa a série ingênuo e com sede de justiça e quando ele se depara com esse sistema, percebe que tem que se posicionar. E vive esses dilemas éticos”, contou Jonathan Haggensen. A questão da vida periférica e negra é um dos debates do personagem. 

Destaque da primeira temporada, Ibrahim está de volta, mantendo o jeito que chamou a atenção dos espectadores na estreia: um personagem vilanesco e cômico. “Acho que é um recurso de complexidade que causa interesse”, afirmou Enrique Diaz.

*A repórter viajou a convite da Netflix


(Com o Correio Braziliense/Netflix)

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